"Mal-me-quer" e
o
sofrer de amor
Conheço uma
pessoa
profundamente
abalada (e
paralisada) por
uma delusão
amorosa; ferida
por uma
"obsessão de
amor".
A obsessão é uma
ideia que invade
a consciência
com força
bastante para
subjugar a
vontade.
É claro que
todos nós, de
quando em
quando, temos
pensamentos
obsessivos e
todos "provamos"
as compulsões
que se seguem a
eles.
Às vezes, por
exemplo,
desenvolvemos
rituais pessoais
ou adotamos
comportamentos –
como piscar,
comprimir os
dedos e assim
por diante –,
para buscar
alívio à
ansiedade
decorrente
desses dramas
obsessivo-compulsivos
que suplantam
nosso arbítrio.
E geralmente
esses ritos e
comportamentos
permanecem
irrupções leves
e nós
simplesmente os
toleramos.
Contudo, algumas
vezes eles
assumem o
comando e
interferem
abrupta e
seriamente em
nossa vida;
isso, por sua
vez, reclamará a
busca de uma
terapêutica
adequada.
Mas há casos
(raros, é claro)
nos quais a
obsessão – e a
obsessão de amor
–, por mais
dolorosa que
possa ser, é
apta a nutrir a
força criativa.
O poeta Yeats,
ganhador do
Nobel, sofreu
durante
cinquenta anos
uma obsessão de
amor. Em 1889,
ele conheceu a
revolucionária
Maud Gonne e
assim teve
início "a grande
desgraça de sua
vida", conforme
ele mesmo
afirmou.
Cinquenta anos
mais tarde, em
seu leito de
morte, Yeats
escrevia ainda
sobre Maud Gonne.
Yeats a seguiu
por toda parte,
lhe propôs
casamento
repetidamente, e
foi repudiado.
Disse que
desistiria de
escrever para se
dedicar apenas
às necessidades
dela. Gonne,
porém, o
rejeitou de
forma rude e
continuou em
direção a The
Troubles,
que informa a
história trágica
da Irlanda.
A magnífica
obsessão por
Gonne persistiu
durante décadas.
E Yeats, em
alguns momentos
de clareza, até
mesmo se sentia
desesperado,
tolo e patético:
"Espalhei meus
sonhos sobre
seus pés;/
Caminhe
suavemente,
porque você
caminha sobre
meus sonhos".
Quando Gonne se
casou com um
soldado, John
MacBride, Yeats
se sentiu
perdido,
desolado.
Posteriormente,
quando MacBride
foi executado
pelos ingleses,
Yeats correu
para perto da
sua amada e fez
novamente sua
proposta, mas
Gonne o recusou
mais uma vez.
Yeats, então,
louco e
obcecado, propôs
casamento à
jovem filha de
Gonne, que
sabiamente o
rejeitou.
Yeats acabou se
casando com uma
mulher inglesa.
Teve um
casamento feliz
(contam) e com
dois filhos, mas
seus pensamentos
(obsessivos)
pertenceram à
Gonne e o
seguiram até o
seu leito de
morte.
Mas a obsessão
de amor vivida
por Yeats
alimentou sua
poesia.
Na frase de
Auden (a
respeito da
Irlanda), Maud
Gonne o "feriu"
em direção à
poesia. Pois
Yeats, e por
escolha, dizia
estar totalmente
disposto a abrir
mão de seu
talento para ter
acesso ao
coração dela:
"Eu poderia ter
jogado fora as
pobres palavras/
E ficado
contente em
viver".
Ao contrário das
obsessões de
amor, que
paralisam os
obcecados por
essa ferida
inglória, Yeats,
pelo menos, foi
capaz de
sublimar seu
sofrimento na
arte, porém, é
certo que
permaneceu
encurralado na
sua projeção (e
fixação) sobre
uma mulher que
era, como os
vestígios
históricos
sugerem, e pela
forma como o
tratou,
inadequada para
ele (e talvez
simplesmente por
não sentir
amor).
No entanto, está
bastante claro o
quanto uma
obsessão (de
amor) pode
persistir e
fazer de nossa
vida algo
intolerável.
Embora o adulto
seja capaz de
suportar uma
quantidade
insuportável de
desafeto, é a
quantidade
insuportável de
afeto
identificada
projetivamente
no outro (o que
recusa o vínculo
ou o contato
amoroso) que
mantém em
funcionamento a
obsessão...
A tarefa, então,
é delicada, mas
implica, como um
primeiro passo,
buscar ajuda
(especializada).
E, de forma
continuada,
recordar a
própria
vulnerabilidade,
enfrentar os
pensamentos
intoleráveis
para que eles
finalmente
percam seu
tirânico poder,
pois isso trará
à tona a verdade
mais profunda e
os recursos que
ajudarão a
pessoa em
sofrimento,
ferida por um
amor impossível,
a viver a vida
que, na
obsessão,
nega-se a viver.
O amor,
claramente,
liberta. E a
(auto)cura
sempre é
possível, a fim
de que o amor
nos una ao fluxo
e à corrente da
energia da
vida; e não uma
"obsessão de
amor" que
paralisa e
reduz a vida à
amargura de um
"engano de amor"
e, portanto, a
uma vida não
vivida.