A fraternidade
esquecida
O ano é 1789. O
mundo desperta
diferente, com
um brado regado
a sangue que
proclama
liberté,
igualité e
fraternité
pela Europa,
ressoando em
todo o mundo
ocidental. O
antigo regime,
de reis e
vassalos, cai
pela força dos
tempos novos.
Burgueses,
comerciantes
proscritos de
outras horas,
viram senhores e
trabalhadores
viram vassalos,
na primeira de
muitas
revoluções que
mudariam o mundo
de forma
profunda.
Passados mais de
150 anos da
bastilha, um
mundo dividido
entre o Ocidente
e Oriente, entre
o azul e o
vermelho, se
digladia entre
extremos, de
liberdade e
igualdade, na
guerra que
congela as
almas, pelo medo
de um holocausto
nuclear, negado
nas frases e
filmes, mas
presente nas
ogivas.
A promessa de
liberdade
garante a utopia
de podermos ser
o que quisermos,
de seguirmos o
nosso caminho e
que, pelo
esforço
individual,
podemos vencer
na vida, virar
presidente, ser
o Top of the
Hill.
Em um mundo tão
desigual, o
discurso da
igualdade
ideologiza
nações, na
premissa de
superarmos as
injustiças,
padronizando
pessoas e vidas,
como
combustíveis
para abastecer o
poder.
De um lado, quem
não trabalha não
come. De outro,
quem quer ser
igual não pode
ser livre. Em
extremos,
batizados de “ismos”,
nos alistamos
até hoje em
combates
ideológicos, em
lutas que se
replicam nos
blogs,
comentários,
textos, notícias
e posts.
Desse desejo de
ser livre, desse
clamor de ser
tratado igual,
algo ficou
esquecido... A
fraternidade que
vê um irmão em
cada um jaz
ausente das
discussões de
todos os
matizes. Afinal,
ser livre ou ser
igual é focado
no “eu” e a
fraternidade é
focada no “nós”.
Na fraternidade
se aliviam as
tensões da
liberdade e da
igualdade, pois
não podemos ser
livres sem
respeitar os
outros e não
podemos ser
iguais sem
respeitar a nós
mesmos. Mas
podemos ser
fraternos no
respeito ao
outro e a nós
mesmos.
A mensagem do
Cristo, do
Cordeiro de
Deus, tão
deturpada em
jogadas
religioso-comerciais,
é uma síntese da
fraternidade,
quando deposita
no amor ao
próximo como a
si mesmo a regra
áurea do
convívio humano,
enxergando no
outro a si
mesmo.
Entretanto, é
tão difícil
sermos
fraternos. É tão
difícil enxergar
o outro.
Bradamos por
direitos a
iguais
oportunidades,
direitos de nos
expressarmos,
mas esquecemos
da luta pelos
que sofrem, na
dor do
desvalido,
próximo tão
próximo.
O ideal da
modernidade,
consubstanciado
no lema da
revolução
francesa, anda
capenga, com a
fraternidade
esquecida,
relegada a ações
piegas da
responsabilidade
social na venda
de produtos ou
da esmola
degradante em
bingos
televisivos.
O filho do
carpinteiro
tratou a todos
de forma igual,
dentro das suas
desigualdades.
Respeitou as
vontades, mas
alertou a todos
da
interdependência
da vida. Falou o
Mestre da Lei de
amor, mostrando
que o sonho da
liberdade plena
pode se
converter em
puro egoísmo e
que a igualdade
absoluta pode se
transformar em
uma camisa de
força coletiva.
Livres ou
igualitários,
respeitando os
limites dessas
posturas,
lembremo-nos do
visgo da
fraternidade que
nos une em uma
rede de
dependência, de
união, de
carinho, que nos
torna melhores a
cada dia.
Enquanto a lição
esquecida não
for vivenciada,
nos debateremos
entre extremos
de insensatez,
em discursos
estéreis e
inúteis,
tentando achar
na vida um
gabarito
diferente do
amor, palavra
que estamos bem
distantes de
saber o seu real
significado.