A
Personalidade Humana
Fredrich
Myers
(Parte 48)
Damos
sequência ao estudo
metódico e sequencial do
livro A Personalidade
Humana, de Fredrich
W. H. Myers, cujo título
no original inglês é Human
Personality and
Its Survival of Bodily
Death.
Questões preliminares
A. É verdade que, na
época em que este livro
foi escrito, o grau de
satisfação espiritual do
homem era na Europa
muito baixo?
Sim. Vivia-se, então, um
período de inquietação
profunda na Europa. Em
nenhuma outra época, diz
Myers, o grau de
satisfação espiritual do
homem esteve tão baixo,
no que diz respeito à
intensidade de suas
necessidades. O antigo
alimento, ainda que
administrado de modo
mais circunspecto, era
demasiadamente pouco
substancioso para a sua
geração.
(A Personalidade Humana.
Capítulo X – Conclusão.)
B. No tocante às
mensagens mediúnicas,
qual era, então, a
convicção predominante?
Segundo Myers, em sua
época prevalecia a
convicção de que as
mensagens seriam capazes
de se tornarem contínuas
e progressivas, e que
entre o mundo visível e
o invisível existiria um
caminho de comunicação
que as gerações futuras
desejarão alargar e
iluminar. “Nossa época
pode parecer a melhor;
as deles lhes parecerão
igualmente melhores e
maiores”, afirmou Myers.
(Obra citada. Capítulo X
– Conclusão.)
C. Qual é, segundo o
autor desta obra, o
nosso destino?
Evolução espiritual.
Esse é o nosso destino
neste e no outro mundo;
uma evolução gradual em
numerosas etapas, à qual
é impossível designar um
limite.
(Obra citada. Capítulo X
– Conclusão.)
Texto para leitura
1159. Cap. X –
Conclusão. A tarefa
que me propus, ao
iniciar esta obra, pode
considerar-se como
realizada. Abordando
sucessivamente cada um
dos pontos de meu
programa, apresentei,
não todas as provas que
possuo, e que gostaria
de ter exposto, mas um
número de dados
suficientes para
ilustrar uma exposição
contínua, sem que meu
livro corra os riscos de
ultrapassar os limites
além dos quais não teria
encontrado leitores.
1160. Indiquei,
igualmente, as condições
principais que se
depreendem,
imediatamente, desses
dados. As generalizações
mais vastas, às quais
posso entregar-me agora,
são perigosamente
especulativas; são de
natureza a fazer com que
se desviem desse gênero
de investigações alguns
espíritos científicos,
cuja adesão me interessa
especialmente.
1161. Sem dúvida, esse é
um risco que prefiro
correr, por duas razões,
ou melhor, por uma razão
capital, suscetível de
ser considerada sob dois
aspectos: é, em
particular, impossível
deixar esse acúmulo de
informações obscuras e
pouco familiares sem
algumas palavras de
generalização mais
ampla, sem uma conclusão
que estabeleça uma
relação mais específica
entre essas novas
descobertas e os
esquemas já existentes
do pensamento e das
crenças dos homens
civilizados.
1162. Considero,
primeiramente, este
ensaio de síntese como
necessário para o fim
prático, que consiste em
arrolar o maior número
possível de auxiliares
nesse tipo de
investigações. Como tive
ocasião de dizer mais de
uma vez, não é a
oposição, antes a
indiferença que tem sido
o verdadeiro obstáculo
ao seu progresso. Ou, se
a palavra indiferença é
demasiado forte, o
interesse provocado por
essas investigações não
foi suficiente para
suscitar as colaborações
tão numerosas e eficazes
como as que se
manifestam em todas as
ciências que o mundo
acostumou-se a
respeitar.
1163. Nossas
investigações se referem
a um tipo de fatos que
não são os da religião,
nem os da ciência e não
podem pedir o apoio nem
do “mundo religioso” nem
da Société Royale. Mas,
afora o instinto de
curiosidade científica
pura (que, com certeza,
raríssimas vezes viu
abrir-se diante de si um
campo tão amplo e pouco
explorado), os problemas
capitais, cujo mistério
guardam esses fenômenos,
constituem uma atração
suficiente,
excepcionalmente
pujante.
1164. De outro lado (e
aqui a razão de ordem
prática que demos acima
toma um caráter mais
amplo e profundo) seria
injusto, frente aos
dados adquiridos,
terminar esta obra sem
tocar de forma mais
direta algumas das
convicções mais
profundas do homem. Sua
influência não deve
estar limitada às
conclusões, por mais
importantes que sejam
algumas delas, que se
depreendem
imediatamente.
1165. Essas descobertas
são de natureza a
contribuir, em especial,
para o acabamento final
do programa de dominação
científica que a
Instauratio Magna
formulou para a
humanidade. Bacon previu
a vitória progressiva da
observação e da
experiência, o triunfo
do fato real e
analisado, em todos os
domínios do saber
humano; em todos, menos
um. Com efeito,
abandonou à autoridade e
à fé o domínio das
“coisas divinas”. Desejo
mostrar que essa grande
exceção não está ainda
justificada.
1166. Acho que existe um
método de chegar ao
conhecimento dessas
coisas divinas com a
mesma certeza e
segurança tranquila que
devemos aos progressos
no conhecimento das
coisas terrestres. A
autoridade das religiões
e das igrejas será,
dessa forma, substituída
pela observação e a
experiência. Os impulsos
da fé se transformarão
em convicções racionais
e solucionadas que farão
nascer um ideal superior
a todos os que a
humanidade concebeu até
hoje.
1167. Na maioria, os
leitores das páginas
anteriores estarão, sem
dúvida, preparados para
uma opinião expressa com
tanta franqueza. Mas
serão poucos aos que
esta opinião não
parecerá, à primeira
vista, estranha e
inverossímil. A
filosofia e a ortodoxia
colocar-se-ão de acordo
para torná-la presunçosa
e a própria ciência não
aceitará sem objeção que
se admitam em seus
quadros fatos cuja
existência costumava
negar desde os tempos
mais remotos e cujo
valor desconhece.
1168. Não necessito
descrever aqui,
extensamente, a
inquietação profunda de
nossa época. Em nenhuma
outra o grau de
satisfação espiritual do
homem esteve tão baixo,
no que diz respeito à
intensidade de suas
necessidades. O antigo
alimento, ainda que
administrado de modo
mais circunspecto, é
demasiadamente pouco
substancioso para nós,
modernos.
1169. Duas correntes
opostas atravessam
nossas sociedades
civilizadas: de um lado
a saúde, a inteligência,
a moralidade, todos
esses dons que os
progressos rápidos da
evolução planetária
proporcionam ao homem,
adquiriram proporções
extraordinárias; do
outro, esta mesma saúde
e prosperidade
ressaltaram ainda mais o
Welt-Schmers
(1)
que corrói a vida
moderna, a perda de toda
a fé real na dignidade,
no sentido, na
infinidade da vida.
1170. São muitos, com
certeza, os que aceitam,
com facilidade, essa
limitação do horizonte,
os que veem sem pena que
toda esperança elevada
se dissipa e obscurece
sob a influência das
atividades e prazeres
terrenos. Mas outros
existem que não se dão
por satisfeitos com tão
pouco; parecem crianças
demasiado grandes para
os jogos com que se lhes
divertem e que estão
dispostos a cair na
indiferença e no
descontentamento, contra
os quais o único remédio
consiste na iniciação
nos trabalhos sérios dos
homens.
1171. Conheceu a Europa
uma crise semelhante.
Época houve em que a
candura alegre, os
impulsos irrefletidos do
mundo primitivo
desapareceram, onde a
beleza deixou de ser o
culto dos gregos e Roma,
a religião dos romanos.
A decadência alexandrina,
a desolação bizantina
encontraram sua
expressão em diversos
epigramas que poderiam
ter sido escritos em
nossos dias.
Produziu-se, então, uma
grande invasão do mundo
espiritual e com as
novas raças e os novos
ideais a Europa recobrou
a juventude.
1172. O único efeito
deste grande impulso
cristão começa, talvez,
a atenuar-se. Porém,
mais benesses podem vir
de uma região donde a
graça viera certa vez. A
agitação de nossa época
é a da adolescência, não
a da senilidade; anuncia
antes a proximidade da
puberdade, que a da
morte.
1173. O que nossa época
exige não é o abandono
de todo esforço, mas uma
tensão de todos os
nossos esforços; está
madura para um estudo
das coisas invisíveis
tão sério e sincero como
o que a ciência aplicou
aos problemas
terrestres. Em nossos
dias, o instinto
científico, desenvolvido
há pouco na humanidade,
parece tomar fôlego para
adquirir a importância
que o espírito religioso
teve no passado, e se
existe a menor fenda
através da qual seja
possível ver o que
ocorre fora da cadeia
planetária, nossos
descendentes
apressar-se-ão em se
valer dela e
desenvolvê-la.
1174. O esquema de
conhecimentos que se
impõe a esses
investigadores deve ser
tal que, mesmo superando
nossos atuais
conhecimentos, dê-lhes
seguimento; por
conseguinte, tratar-se-á
de um esquema
não-catastrófico, mas
evolucionista, não
promulgado e terminado
num momento, mas que se
desenvolve aos poucos em
investigações
progressivas.
1175. Não deve, da mesma
forma, existir uma
mudança contínua, um
progresso sem fim do
ideal humano, de sorte
que a fé abandone seu
ponto de vista limitado
para colocar-se no do
futuro sem fim, menos
para suprir as lacunas
da tradição do que para
tornar mais intensa a
convicção de que existe
uma vida superior, para
a qual se deve
trabalhar, uma santidade
que se pode alcançar um
dia, em virtude de uma
graça e mediante
esforços até aqui
desconhecidos?
1176. Pode ser que nas
gerações vindouras a fé
mais verdadeira consista
nos incessantes esforços
para encontrar entre os
fenômenos confusos algum
indício do mundo
superior, de encontrar
“a substância das coisas
aguardadas, a prova das
coisas invisíveis”.
Confesso, por meu lado,
que, com frequência,
tenho a impressão de que
nossa época foi
favorecida de forma
excepcional, que nenhuma
revelação, nem certeza
futuras, igualará a
alegria desse grande
esforço contra a dúvida
em prol da certeza,
contra o materialismo e
o agnosticismo que
acompanharam os
primeiros avanços da
ciência, por uma
convicção científica
mais profunda de que o
homem possui uma alma
imortal.
1177. Não conheço outra
crise de fascínio mais
intenso; mas isto não é,
talvez, depois de tudo,
senão a incapacidade da
criança faminta de
imaginar coisa mais
agradável que o primeiro
pedaço de pão que leva à
boca. Demos-lhe apenas
isto e pouco se
importará em saber se um
dia será primeiro
ministro ou trabalhador
rural.
1178. Por transitório e
dependente que seja o
lugar que ocupamos na
história dos esforços
humanos, é outra nuance
de um sentimento que
muitos conheceram.
Sentiram especialmente
que a incerteza comunica
à fé um alcance e um
valor que a certeza
científica é incapaz de
oferecer. Experimentaram
uma alegria austera na
escolha da virtude, sem
alcançar qualquer
recompensa da virtude.
1179. Essa alegria,
semelhante à alegria de
Colombo ao navegar a
oeste de Hierro, não
pode ser, talvez,
reproduzida sob os
mesmos aspectos.
Todavia, para descer a
uma comparação mais
humilde, jamais o homem
será capaz de se dedicar
ao estudo com o mesmo
espírito de fé pura, sem
antecipação dos
resultados, como ao
aprender o alfabeto nos
joelhos de sua mãe.
Diminuiu, depois, nosso
esforço intelectual?
Sentimos que já era
desnecessário lutar
contra a inércia, porque
soubemos que o
conhecimento trazia uma
recompensa segura?
1180. As variedades das
alegrias espirituais são
infinitas. Na época de
Tales, a Grécia
experimentara a alegria
da primeira noção vaga
da unidade das leis
cósmicas. Na época do
Cristianismo a Europa
recebera a primeira
mensagem autêntica de um
mundo situado além do
nosso.
1181. Em nossa época
prevalece a convicção de
que as mensagens são
capazes de se tornarem
contínuas e
progressivas, que entre
o mundo visível e o
invisível existe um
caminho de comunicação
que as gerações futuras
desejarão alargar e
iluminar. Nossa época
pode parecer a melhor;
as deles lhes parecerão
igualmente melhores e
maiores.
1182. Evolução
espiritual: esse é o
nosso destino neste e no
outro mundo; a evolução
gradual em numerosas
etapas, à qual é
impossível designar um
limite. E a paixão da
vida não é a debilidade
egoísta, antes, um fator
de energia universal.
Deve-se manter sua força
intacta, mesmo quando
nossa lassidão nos
impulsione a cruzar os
braços num repouso
eterno; deve sobreviver
e aniquilar as “dores
que conquistam a
verdade”.
1183. Se os gregos
consideravam como uma
deserção do posto
designado na batalha o
fato de deixar através
do suicídio a vida
terrestre, quanto mais é
covarde o desejo de
desertar do cosmos, a
resolução de nada
esperar, não só do
planeta, mas do conjunto
das coisas!
1184. Todavia, o homem
pode sentir-se na sua
casa no universo
infinito; o pavor maior
já passou; a verdadeira
segurança começa a ser
adquirida. O medo maior
era o da extinção ou de
solidão espiritual; a
verdadeira segurança
reside na lei da
telepatia.
1185. Elucidarei meu
pensamento. À medida que
consideramos os diversos
aspectos sucessivos da
telepatia, vimos que o
conceito se alargava e
se tornava mais
profundo, gradualmente,
durante o curso de
nossos estudos. No
princípio, se nos
mostrou como uma
transmissão quase
mecânica de ideias e
imagens de um cérebro a
outro. E finalmente
vimos que revestia uma
forma mais variada e
imponente, como se
expressasse a verdadeira
invasão por um espírito
longínquo.
1186. Pudemos assinalar
à sua atividade uma
extensão maior que
qualquer espaço da terra
ou do oceano,
preenchendo o abismo que
separa os espíritos
encarnados dos espíritos
desencarnados, o mundo
visível do invisível.
Dir-se-ia não existir
limite para a distância
de suas operações, como
não há para a intimidade
de suas invasões.
(Continua no próximo
número.)
(1)
Welt-Schmers ou
Weltschmerz é um termo
cunhado pelo autor
alemão Jean Paul Richter
e denota o tipo de
sentimento experimentado
por alguém que entende
que a realidade física
nunca pode satisfazer as
exigências da mente. Ele
também é utilizado para
designar o sentimento de
tristeza ao pensar sobre
os males do mundo.