RICARDO BAESSO
DE OLIVEIRA
kargabrl@uol.com.br
Juiz de Fora, MG
(Brasil)
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Um mundo mais informado
é um mundo menos
violento
Talvez estejamos ficando
melhores porque estamos
ficando mais
inteligentes, conclui o
neurocientista Steven
Pinker, professor da
Universidade Harvard
(EUA), após exaustiva
pesquisa sobre a
impressionante queda da
violência humana nos
últimos séculos.
A pesquisa do professor
Pinker redundou em uma
obra de mais de mil
páginas intitulada Os
anjos bons da nossa
natureza, que,
contrapondo-se ao senso
comum, mostra que a
violência em quase todas
as escalas – na família,
nos bairros, entre
tribos e outras facções
armadas e entre nações e
Estados importantes –
vem sofrendo evidente
redução. O século XX não
foi um mergulho
permanente na
perversidade. Ao
contrário, a tendência
moral duradoura deste
século foi um humanismo
avesso à violência que
se iniciou nos século
XVII e XVIII (“das
Luzes”). Apesar das duas
grandes guerras, as
grandes potências
mundiais não lutam entre
si desde 1945. Um
período de paz tão longo
entre os Estados mais
poderosos não tem
precedentes.
Tal constatação não é
resultado de uma opinião
pessoal, mas de dados
estatísticos
indiscutíveis. O autor
confessa seu assombro
diante dos dados: viver
na civilização reduz em
cinco vezes as chances
de uma pessoa ser vítima
de violência. O lugar
mais seguro na história
humana, a Europa
Ocidental, desde a
virada do século XXI,
vem tendo uma taxa de
homicídios de um por 100
mil. No século XIV tal
taxa era da ordem de 110
homicídios por 100 mil
habitantes. A
estarrecedora parcela de
26% dos homens
aristocratas morria por
violência nos séculos
XIV e XV. A taxa caiu
para a casa de um dígito
na virada do século
XVIII, e hoje,
obviamente, está quase
zerada. A Inglaterra do
século XX era 95% menos
violenta do que do
século XIV. Uma cultura
da honra – a prontidão
para vingar-se – deu
lugar a uma cultura da
dignidade – a prontidão
para controlar as
emoções.
No decorrer de pouco
mais de um século,
práticas cruéis que por
milênios haviam sido
parte da civilização
foram subitamente
abolidas, como a
execução de bruxos, a
tortura oficial de
prisioneiros e a
perseguição a hereges e
estrangeiros. As
revoluções por direitos
nas últimas décadas
mudaram, de forma
radical, a forma de ver
e se conduzir diante das
mulheres e crianças, dos
negros, dos animais e
dos homossexuais. O fim
de grande parte das
ditaduras militares ou
civis acompanhou essas
revoluções liberais. Do
mesmo modo que fumar em
escritórios e salas de
aula passou de coisa
comum a proibida e
depois a impensável,
práticas como a
escravidão e o
enforcamento público
tornam-se tão
inimagináveis que nem
sequer são assuntos de
debate.
O que mudou no ambiente
das pessoas que poderia
ter desencadeado tal
revolução humanitária?
Ao analisar as causas do
fenômeno, o autor
acredita que a mais
abrangente mudança nas
sensibilidades comuns
deixada por essa
revolução é a reação ao
sofrimento de outros
seres vivos. As pessoas
de hoje estão longe de
ser moralmente
imaculadas, mas a
maioria não tem vontade
alguma de ver um cão e
muito menos uma pessoa,
morrer queimado.
E o que teria levado a
isso? Steven Pinker
relaciona várias causas,
mas chama a nossa
atenção para uma delas:
o aumento na produção de
livros, o hábito da
leitura, o
esclarecimento e o
incremento das
informações, além de um
notável aprimoramento do
raciocínio abstrato,
verificado nos testes de
QI, realizados nas
últimas décadas.
Afirma o autor citado
que a expansão da mente,
decorrente de boas
leituras deve ter
adicionado uma dose de
humanitarismo às emoções
e crenças das pessoas.
Ler é uma tecnologia
para mudança de
perspectiva. Quando nós
temos na cabeça os
pensamentos de outra
pessoa, observamos o
mundo do ponto de vista
dessa pessoa, o que nos
seduz a pensar e sentir
como pessoas muito
diferentes de nós
mesmos. Revisitem o que
deu errado no mundo
Islâmico, opina o
professor Pinker, pode
ter sido a rejeição à
imprensa escrita e a
resistência à importação
de livros e ideias neles
contidos.
A difusão de boas ideias
resulta em reformas que
reduzem a violência por
vários caminhos. O mais
óbvio é o
desmascaramento da
ignorância e da
superstição. Cita
Voltaire quando afirma
que aqueles que
conseguem fazer você
acreditar em absurdos
podem fazer você cometer
atrocidades. Outro
caminho é um incremento
dos convites à adoção
dos pontos de vista de
gente diferente de nós,
acelerando o processo de
tolerância nas relações
humanas.
Existe um terceiro
caminho pelo qual a
informação pode fecundar
o progresso moral:
incrementando o
progresso tecnológico e
a melhoria das condições
de vida das pessoas.
Sociedades
tecnologicamente
atrasadas tendem a ser
moralmente atrasadas
também.
As conclusões de Steve
Pinker são
admiravelmente
coincidentes com o
pensamento Kardequiano,
embora a distância de
mais de 150 anos entre
os dois pensadores.
No que se refere à queda
dos índices de
violência, Kardec
provocou os Espíritos,
indagando: como é
bastante grande a
perversidade do homem,
não parece que, pelo
menos do ponto de vista
moral, ele, em vez de
avançar, caminha aos
recuos?
A resposta dos
Espíritos, conforme se
lê no item 784 de O
Livro dos Espíritos, é
essa: – “Enganas-te.
Observa bem o conjunto e
verás que o homem se
adianta, pois que melhor
compreende o que é mal,
e vai dia a dia
reprimindo os abusos”.
No que tange à
importância do
desenvolvimento
tecnológico no
desenvolvimento dos
caracteres morais, os
Espíritos foram
igualmente concordantes
com o autor que ora
visitamos, pois quando
Allan Kardec indaga se o
progresso moral
acompanha sempre o
progresso Intelectual,
eles respondem:
– “Decorre deste, mas
nem sempre o segue
imediatamente”. (O Livro
dos Espíritos, item
780.)
E acrescentam que pode o
progresso intelectual
engendrar o progresso
moral fazendo
compreensíveis o bem e o
mal. O homem, desde
então, pode escolher. O
desenvolvimento do
livre-arbítrio acompanha
o da inteligência e
aumenta a
responsabilidade dos
atos. (O Livro dos
Espíritos, item 781)
Numa bela análise das
reformas em processo na
Terra, Kardec, no último
capítulo do livro A
Gênese, revalida o
pensamento apresentado
pelos Benfeitores em O
Livro dos Espíritos,
conforme as anotações
abaixo:
Moralmente, a Humanidade
progride pelo
desenvolvimento da
inteligência, do senso
moral e do abrandamento
dos costumes. Ao mesmo
tempo que o melhoramento
do globo se opera sob a
ação das forças
materiais, os homens
para isso concorrem
pelos esforços de sua
inteligência. Saneiam as
regiões insalubres,
tornam mais fáceis as
comunicações e mais
produtiva a terra.
Depois de se haver, de
certo modo, considerado
todo o bem-estar
material, produto da
inteligência, logra-se
compreender que o
complemento desse
bem-estar somente pode
achar-se no
desenvolvimento moral.
Quanto mais se avança,
tanto mais se sente o
que falta, sem que,
entretanto, se possa
ainda definir claramente
o que seja: é isso
efeito do trabalho
íntimo que se opera em
prol da regeneração.
Surgem desejos,
aspirações, que são como
que o pressentimento de
um estado melhor.
Lembra, todavia, o nosso
Codificador, que há
muito que ser feito,
pois falta a essas
reformas uma base que
permita se desenvolvam,
completem e consolidem;
falta uma predisposição
moral mais generalizada,
para fazer que elas
frutifiquem e que as
massas as acolham.
Refere-se Kardec ao
papel da fé raciocinada,
da crença fundamentada
na razão e em uma
espiritualidade que seja
elemento de construção
de mais fraternidade,
entendimento e boa
vontade entre os homens:
A destruição do
materialismo, que é uma
das chagas da sociedade.
O Espiritismo pode fazer
com que os homens
compreendam onde estão
seus verdadeiros
interesses. Como a vida
futura não mais será
velada pela dúvida, o
homem perceberá melhor
que pode garantir seu
futuro por meio do
presente. Destruindo os
preconceitos de seitas,
castas e cores, o
Espiritismo ensina aos
homens a grande
solidariedade que os há
de unir como irmãos. (O
Livro dos Espíritos,
item 799.)