Os boatos
A capacidade para
difundir-se rapidamente,
mantendo sua força
nefasta é uma das mais
terríveis
características da
mentira. Isso acontece
porque, além de
encontrar guarida na
mente humana, a mentira
conta com o hábito,
quase compulsivo, da
maioria dos indivíduos
em repassar a terceiros,
fatos e ocorrências que
contenham quaisquer
traços de novidade,
independentemente da
veracidade do conteúdo.
Essa é a alma dos
boatos, quer digam
respeito a fatos sociais
significativos de
repercussão mundial,
quer se atenham a
detalhes da vida pessoal
de vizinhos,
celebridades ou colegas
de trabalho. O impulso
de comunicar uma
novidade sobrepõe-se de
tal maneira a tudo, que
praticamente inibe
qualquer iniciativa de
questionamento quanto à
procedência e
consistência da
informação, criando
assim, na malha social,
um meio eficaz de
difusão da mentira, com
um efeito multiplicador
exponencial, capaz de
atingir milhões de
indivíduos em curto
espaço de tempo.
De acordo com o velho
adágio popular que diz
que “Quem conta um conto
aumenta um ponto”,
devemos considerar,
ainda, o efeito
cumulativo das
distorções mentirosas.
Em outras palavras, a
cada repasse de um fato,
acrescenta-se a este, de
forma consciente ou não,
mais um ingrediente
falso, fruto da
imaginação. Todos
sabemos quão distorcidos
podem ficar os fatos,
após terem passado, de
boca em boca, por
dezenas de vezes.
Se considerarmos, nesse
cenário, o papel dos
veículos de comunicação
em massa – a chamada
mídia – teremos,
como resultado, a
difusão instantânea de
mentiras por todo um
país ou, mesmo, por todo
o globo.
Tamanha capacidade
dispersiva tem
provocado, ao longo da
história humana,
estragos e tragédias
inumeráveis. Calúnias e
difamações cruéis já
destruíram
relacionamentos
familiares e sociais,
destroçando almas
bem-intencionadas,
provocando contendas
intermináveis e até
guerras.
Se não há grandes
novidades nas reflexões
acima, quanto à
capacidade de difusão
própria da mentira, cabe
aqui refletirmos sobre
nossa postura, enquanto
indivíduos, nesse fluxo
contínuo e destrutivo.
Somos e seremos
responsáveis por todo o
mal decorrente das
mentiras por nós
transmitidas ou criadas,
assim como pelas
distorções deliberadas
ou decorrentes de
displicência, ao
repassarmos os fatos.
Cabe, inclusive,
questionarmos a real
necessidade desses
repasses
e nossas
verdadeiras motivações
ao fazê-los. O que nos
leva a relatar fatos e
ocorrências de maneira
tão compulsiva?
Estaremos, ao fazer
isso, buscando algo
construtivo, que agregue
algum benefício ao
destinatário de nossas
informações? Quais
nossas reais intenções?
Que prazer sórdido é
esse que nos induz a
comentar aspectos
supostamente negativos
da vida alheia?
Mesmo quando temos
absoluta certeza quanto
à veracidade de um fato,
que direito temos de
divulgá-lo, se inclui
informações negativas
sobre terceiros? O
próprio Código Penal
brasileiro, no Artigo
139, reconhece como
crime a atitude de
“Difamar alguém,
imputando-lhe fato
ofensivo à sua
reputação” e, ainda
que advogados e juristas
possam discutir o que
pode ou não ser ofensivo
à reputação de alguém, o
bom senso, a caridade, a
indulgência, a prudência
e as mais básicas noções
de educação e elegância
imploram por nosso
silêncio e discrição.
Importa, pois,
estabelecermos um crivo
em nossos impulsos ao
falarmos da vida alheia.
O discernimento deve vir
antes das palavras
proferidas, calando-as,
se necessário,
abrandando-as, se
conveniente, ou
alterando-as, com a
finalidade de torná-las
edificantes. Quando
nossas palavras
expressarem apenas o que
foi previamente
considerado por nosso
discernimento maduro, é
certo que falaremos
menos e, no entanto,
seremos mais apreciados
pelos demais e,
principalmente, por nós
mesmos, porque seremos
verdadeiros.
A Doutrina dos
Espíritos, que vem
tornar mais claros os
ensinamentos de Jesus,
aplicando-os a situações
comuns da jornada
humana, ensina-nos sobre
a atitude nobre que se
contrapõe àquelas que
fomentam boatos: a
indulgência, abordada
em O Evangelho segundo o
Espiritismo,
capítulo X, item16:
... A indulgência não vê
os defeitos alheios e,
se os vê, evita
comentá-los e
divulgá-los. Oculta-os,
pelo contrário, evitando
que se propaguem, e se a
malevolência os
descobre, tem sempre uma
desculpa à mão para os
disfarçar, mas uma
desculpa plausível,
séria, e não daquelas
que, fingindo atenuar a
falta, a fazem ressaltar
com pérfida astúcia.
A indulgência jamais se
preocupa com os maus
atos alheios, a menos
que seja para prestar um
serviço, mas ainda assim
com o cuidado de os
atenuar tanto quanto
possível. Não faz
observações chocantes,
nem traz censuras nos
lábios, mas apenas
conselhos, quase sempre
velados...
Sede indulgentes, meus
amigos, porque a
indulgência acalma e
corrige, enquanto o
rigor desalenta, afasta
e irrita. (José,
Espírito protetor.
Bordeaux, 1863)
Que guia valioso, a
Doutrina dos Espíritos!
As instruções
prosseguem, no mesmo
capítulo, dos itens 17
ao 21, demonstrando, com
argumentos
incontestáveis, a
postura sábia e madura,
que deve manter todo
aquele que busca a paz e
a serenidade interior,
tão necessárias ao
aprendizado e à evolução
espiritual.