Dialógica
Espírita
Inspiracionalmente,
o diálogo
remonta à
filosofia
socrática: é o
próprio
processo de busca
incessante da
verdade por meio
de perguntas e
respostas.
“Diálogos”,
aliás, é obra
imortal de
Platão, discípulo
do mestre
grego, apresentando
a marca de
que cada diálogo
tem o nome do
seu principal
interlocutor.
Diz-se que só os
homens,
espíritos
maiores, são
capazes de
dialogar, de se
dirigirem e
responderem uns
aos outros,
lógica e
conscientemente.
Será mesmo? Sob
quais padrões?
Vê-se que os
animais em geral
se comunicam
entre si, em
linguagens
próprias nem
todas audíveis
ou acessíveis ao
entendimento
humano. Indo
mais longe, as
plantas também
interagem e
reagem, devendo
ter seus signos
comunicativos,
em outras
dimensões e
alcances. Por
que não?
Jocosamente (mas
não muito),
poder-se-ia
dizer que alguns
animais dialogam
mesmo (e se
entendem!) e
alguns homens
não o conseguem,
tão embrutecidos
que se
encontram.
Em vários dos
nossos campos de
existência, nos
cenários em que
participamos,
vez por outra
acompanhamos
“tentativas” de
diálogos. Pode
ser entre marido
e mulher, pais e
filhos, patrões
e empregados,
vizinhos,
circunstantes...
Já presenciamos,
por certo, essas
situações em
que, enquanto um
fala o outro NÃO
ouve. Diálogo de
“surdos”.
Enquanto um
balbucia em
distintos níveis
de tom emocional
e em
quantitativos
variáveis de
decibéis, o
outro está
tão-somente
concentrado em
construir seu
próprio pensar,
para refutar e
contestar o que
o outro diz – e
pensa.
Não há diálogo,
pois, nestes
quadrantes. Nem
poderia haver.
Não há a
necessária
disponibilidade
de “abrir-se”
para o outro, de
deixa-lo
interferir no
“nosso” viver,
apresentando-nos
uma nuance
diferente
daquela em que
nos acostumamos
a viver. É um
desafio, pois,
estar com o
“diferente” –
ainda que, em
essência, as
diferenças
sejam, quase
sempre mínimas
e, até,
minúsculas em
termos de
importância e
conteúdo vital.
Estar com quem
pensa
diversamente de
nós embute a
necessidade de
reforma, de
revisão, de
reestruturação
do nosso próprio
pensamento e de
nossas ações,
por extensão,
passando pela
expressão
externa de
nossas ideias,
via fala. E quem
está disposto a
isso, todas as
vezes? Quem se
afasta da
cultuada e
conhecida “zona
de conforto” da
segurança do
nosso pensar
para
aventurar-se por
conhecer (e
viver) novas
fronteiras? Quem?
Passamos a vida
toda
estruturando o
nosso ser. Nós
reencarnacionistas
dizemos mais:
reestruturando,
porque o ponto
de partida são
as inúmeras
vivências que já
tivemos antes,
em outras
andanças.
Estruturação (ou
re) que passa
pela definição
do que somos, do
que queremos, do
que fazemos...
Planos de vida,
relações,
pendências,
gostos,
simpatias e... é
claro, aversões,
fugas,
distanciamentos...
Afora os que
parecem viver,
como Francisco
Xavier, “entre
mundos”, isto é,
com um pé lá
(planos
espirituais) e
outro cá, a
maioria de nós,
viventes, quer a
manutenção de
nossas
“conquistas” terrenas,
a segurança do
“já
estabelecido”, a
garantia de
“estarmos
certos”, em tudo
(ou
quase), plenamente.
Quando este
estado de coisas
é “aviltado” por
uma opinião –
pasmem, lógica e
racional, longe
da emotividade
das aparências
–, ficamos
literalmente
“sem chão”.
Perdemos o
norte, a
bússola, o plano
de voo que só as
certezas
programadas
poderiam nos
permitir
antever e
realizar. E, em
grande parte das
vezes, como no
gesto simples de
sair de casa
para ir ao
trabalho,
mentalmente
programamos o
roteiro, o
“caminho”, o
percurso para
chegarmos ao
nosso destino,
sem
sobressaltos. E
queremos que
“assim seja”.
Continuamos
achando que a
vida é assim:
pré-programada,
definitiva,
“espiritualmente”
traçada por nós
e pelos nossos
guias
espirituais
antes de
ocuparmos espaço
no zigoto que se
formou –
planejadamente,
em regra,
diga-se de
passagem, mas
comportando as
exceções que a
própria didática
contida em “O
livro dos
Espíritos”
prenuncia. Lá
estaremos nós
com o “papai” e
a “mamãe” que
nos foram
predestinados,
para o
cumprimento de
mais uma
“missão”
espiritual, a da
construção
permanente de
nossa
personalidade
espiritual. E,
assim, por
termos a tal
“programação”
(leia-se
planejamento
encarnatório),
embarcamos na
vida como meros
passageiros, à
espera de que a
nau nos conduza
– embora por
algumas
correntes e
mares bravios,
em alguns
momentos – ao
porto seguro do
fim desta
jornada. Sem
sobressaltos,
repetimos. O
mais
“equilibradamente”
possível, é o
que desejamos...
Mas o fato é que
não somos
passageiros, mas
pilotos. Não
somos
coadjuvantes,
mas atores
principais. Não
somos
expectadores,
mas realizadores
de ações e
receptores das
reações...
Esquecemo-nos então de
que a cada dia,
uma história
nova está por
ser escrita.
Situações nunca
antes vividas
entremeadas a
rememorações de
contatos
anteriores, com
pessoas,
situações,
fatos,
ambientes. Tudo
se parece novo e
ao mesmo
tempo antigo
para nós. Cada
situação se nos
parece com
outra(s) já
vivenciada(s),
ainda que não
saibamos “aonde”
os ventos irão
nos levar. O
nosso desejo,
sincero e até
racional-emotivo, proporcional
ao nosso
contexto
espiritual,
aponta para a
presciência dos
resultados.
Impossível! Não
dá para “fingir”
emoções e
manter-se
equilibrado
diante das
“surpresas” que
“aparecem”, por
mais que nos
consideremos
conscientes.
Mesmo
preparados, pela
necessidade e a
vontade de
acertar, por
motivos de nossa
atuação ou da
dos outros, tudo
pode mudar em
segundos...
destruindo,
assim, a
fortaleza de
nossas
garantias, a
programação
íntima dos
nossos sucessos.
Mas, voltemos à
dialógica. E
dialógica
espírita! Tão
provocativa
quanto
contundente, tão
natural quanto
surpreendente,
tão necessária
quanto
insinuante, tão
desejável quanto
audaciosa. Sim,
porque não são
iguais as
percepções
individuais
sobre as leis
espirituais e os
seus reflexos em
nossas vidas ou
nos
acontecimentos
que
presenciamos. Nem
poderiam ser,
porque cada um
vive o SEU
momento, cada um
tem um passado e
um presente
diferentes. Não
há, diversamente
do que se
cultuou por
muitas
décadas, em
quase um século
de permanência
das ideias
espiritistas
neste nosso
querido Brasil,
uma única
verdade
interpretativa.
Sim, há leis e
há princípios e
estes se
enquadram em
cada situação
experimental de
cada ser,
progresso
afora... Se nos
foi dito, pelos
Espíritos
Superiores, que
elas, as leis,
seriam
imutáveis, dada
a imutabilidade
do Criador, a
aplicação delas
e o entendimento
sobre seus
efeitos iria e
irá permitir
entendimentos
múltiplos e
expressões assaz
variadas. Uma
para cada
situação ou
momento. Não
há cânones
divinos, pois
estes são
construções
materiais-mundanas
dos homens
falíveis em suas
trajetórias. São
visões
particulares,
parciais e
momentâneas, que
até
podem assumir a
condição
de regra
normativa ou
ética em função
de
condicionamentos,
costumes ou
acordos de
convivência. Não
os tenhamos,
pois, no
Espiritismo. Não
tenhamos regras
rígidas para
“domesticar”
consciências à
nossa verdade,
na feição e na
expressão de
nossos desejos e
necessidades,
igualmente
perecíveis em
função da
momentaneidade
da atual
vivência na
carne. Não é
mais tempo de
exceções, de
policiamentos,
de
patrulhamentos e
de proteção a
eventuais
purezas
doutrinárias e
suas verdades.
O mundo abre-se
para as
“novidades”. As
pessoas estão
se despindo dos
seus atavismos e
de suas prontas
verdades e
acabadas ideias,
para
permitirem-se
vivenciar o
novo, o
impensado, o não
convencional e,
porque não
dizer, o
dialógico.
Independente de
sua formação
cultural,
religiosa,
familiar,
educacional e
tantas outras,
os seres deste
milênio passam a
conhecer novas
interpretações
(nem tão novas
assim, no
sentido coletivo
e espiritual) de
distintas
situações da
vida, em relação
a si, ao outro,
ao coletivo. Os
que estão
reencarnando já
trazem em si
esta “marca”, a
da abertura para
o outro. E vêm
em tenras
idades,
precisando,
assim, daqueles
mais
experientes, em
idade e em
vivências, para
abrir-lhes os
caminhos,
pavimentando
estradas para
que eles possam,
rapidamente,
avançar. E nós
iremos com
eles! É época de
ler, de
assistir, de
presenciar, de
interagir, de...
dialogar.
Dialogar como a
forma de se
dirigir e
responder ao
outro, como
igual,
alteritariamente,
sem posições
superiores e
inferiores,
estabelecendo
uma relação
homogênea e
horizontal, pela
linguagem que é
a forma de
expressão
particular de
cada um, com os
aprendizados que
a vida lhe
proporcionou.
Reciprocidade,
assim, em que a
diferença e a
semelhança são
igualmente
úteis, porquanto
necessárias. E
sem a (antiga e
já evitável)
necessidade do
convencimento
alheio, por
cooptação, por
sugestão
indutiva, por
exigência da
razão individual
e do desejo de
reconhecimento,
pelo outro.
Expor ideias
para alargar os
próprios
horizontes da
percepção e do
pensamento. Vera
dialética, em
que a discussão
pressupõe a
apresentação
leal e
coordenada das
crenças, dos
saberes, das
experiências. Em
Sócrates,
tínhamos o
experiente
interlocutor que
buscava,
maieuticamente,
que cada um
pudesse
desvendar o seu
próprio conteúdo
de convencimento
íntimo e
pessoal,
externando-o e
avaliando-o.
Contestativamente,
sim, porquanto a
insistência e o
mergulhar em si
mesmo provocava,
na grande
maioria, a
dúvida (ainda
maior) em suas
então
certezas. E os
abandonos das
“crenças”
individuais, vez
por outra.
O “espírito” da
lógica espírita
pressupõe esta
maiêutica, mas sem o
terceiro
presente, o
outro. Em que
existem o
primeiro e o
segundo dentro
do mesmo ser, do
mesmo Espírito.
O primeiro, que
se baseia nas
suas próprias
interpretações e
convencimentos,
o que estabelece
os roteiros, as
convicções, as
“verdades”. O
segundo, ele
mesmo, que se
aventura a
perguntar a si
próprio: - Será
mesmo assim? Não
haverá outra
explicação,
outro
entendimento? Desta
contestação, a
luz, o
aprendizado. E
novos
questionamentos...
Infinitamente!
Este é um
imprescindível
processo, que
nos faz
desconsiderar a
teoria espírita
como dogma –
ainda que nós,
espíritas, nos
esforcemos em
autobradar que o
Espiritismo não
tem dogmas. Mas
os tem,
sim, senão na
sua filosofia,
mas na sua
práxis, na sua
vivência
cotidiana de
grupos e
centros, teses,
escritos e
palestras, como
se estivéssemos
a estabelecer
conceitos
definitivos
(ainda que
Kardec tivesse
insistido na
progressividade
dos ensinos
espíritas), cooptar
consciências e
direcioná-las
segundo “um
único e reto
caminho”, o da
“salvação”, o da
“redenção”, o da
“evangelização”
ou o da
“espiritualização”.
Kardec já havia
antevisto que
passaríamos por
esta fase de
aguda
religiosidade e
prática
religiosa
espírita (daí a
profusão e a
proeminência do
dogmatismo entre
nós). Não, este
não é um texto
para apontar o
dedo da
condenação ou de
censura a quem
quer que seja.
Mas é um
fraternal alerta
para o “tempo
que já chegou” e
a necessidade
imperiosa da
nossa revisão
comportamental e
estrutural do
movimento “dos
espíritas”. Longe
dos dogmas
comportamentais...
Chegou a hora,
amigos! A
Dialógica
pressupõe
chamarmos a
todos, mesmo os
que estejam mais
distantes e
“acuados”, para
a mesma mesa, o
mesmo fórum, o
mesmo ambiente.
Sem a pretensão
de “dizer
verdades” nem de
uniformizar
consciências,
pelo
gratificante
desejo de ter ao
seu lado todos
os que trabalham
pelo Planeta,
por sua
espiritualização
plena. Já se foi
o tempo das
contendas, das
desditas, dos
rompimentos, das
querelas e das
pronúncias. É
tempo de
convergir, de
unir e
trabalhar. É
tempo do diálogo
franco, sincero,
proativo,
permanente. Para
a Dialógica
Espírita, Kardec
está à frente e
nos aguarda!