O
medo de amar
Início de
semana, início
da aula, e meu
professor de
Filosofia entra
em sala e começa
a falar de
valores. É um
assunto delicado
de comentar e
principalmente
lecionar sobre o
tema, mas, após
algumas
explanações
conceituais, ele
quis expor a
mudança de
valores sofrida
na sociedade com
o passar do
tempo e o fez
com um exemplo
bem inquietante:
relacionamentos.
Utilizando-se do
quadro, ele
colocou ali três
gerações bem
distintas e as
características
que, em média,
representavam os
pensamentos das
pessoas sobre a
relação a dois.
A primeira
geração era dos
60 aos 85 anos e
a descrição era
conhecer,
namorar, noivar,
casar e morte. A
segunda geração,
dos 35 aos 55
anos, era
descrita como
conhecer,
namorar,
noivar(?),
casar(?) e
separar, com as
interrogações
simbolizando as
incertezas na
ocorrência desse
fato, por se
relacionarem com
a vontade do
casal. Enfim,
chegou-se à
geração que nos
interessa: a
nossa. A faixa
etária era de 15
aos 30 anos e a
ordem era ficar,
namorar, noivar
(?), casar (?) e
separar.
A mudança de
pensamentos e
valores fica
mais que
evidente! As
mulheres
passaram a
possuir um papel
mais decisivo e
independente nos
relacionamentos,
a família não
mais decide os
casais, apenas
oferece suporte;
a separação
torna-se, não
uma certeza, mas
um ato viável e
aceito pelos
demais; a
política do
desapego cria
raízes na
mentalidade do jovem;
o casamento
torna-se
opcional diante
da facilidade de
“juntar” as
coisas…
Modificações das
mais diversas e
muitas para
melhor, mas será
que nesse
desenvolvimento
na forma de nos
envolvermos
estamos perdendo
alguma coisa?
Permitam-me
dizer que
estamos. E,
talvez, mais do
que seja
possível
dimensionar no
momento.
A geração da
qual participo é
a terceira do
quadro de giz,
uma geração que
antes de buscar
seriedade em
algum
relacionamento
quer testá-lo, e
testá-lo, e
testá-lo… Muitos
testes, de
vários tipos e
de tempo
indeterminado.
Você fica uma
vez, você fica
esporadicamente,
você fica sério
e então, talvez,
você namore…
Quer dizer,
entre em um relacionamento
sério.
É nesse momento
que o mundo deve
dar uma
estacionada e
refletir: algum
relacionamento
não é sério?
Obviamente,
alguns valores
atuais dizem que
sim. E, mais que
isso,
envolvimento e
apego são
mazelas que
apenas causam
sofrimento e
decepção, logo,
a melhor forma
de evitar isto é
a política do
desapego e ficar
com várias
pessoas, tendo
em vista que a
monogamia é
sufocante e
devastadora.
Sinceramente,
que mentalidade
mais limitada e,
infelizmente,
comum! Salvo as
exceções, as
pessoas de fato
acreditam e
defendem estas
ideias e por
trás de toda
essa certeza que
expressam, temos
o medo.
A verdade é que
relacionamentos
são um desafio
diário, que só
são vencidos
quando há
sentimento e
força de vontade
por ambos os
lados e, mesmo
assim, sempre há
a possibilidade
de um dos lados
desistir desta
luta no meio do
caminho, por
motivos dos mais
diversos, e a
decepção de se
ver sozinho pode
ser
traumatizante.
A decepção
amorosa é tão
natural e humana
como o ato de
respirar, faz
parte da
formação de
caráter e de
superação. Todos
são capazes de
superar as dores
de um coração
partido, e sem
band-aid e sem
traumas, mas com
a mentalidade de
que, se nem a
vida é eterna,
sofrimento não
há de ser e que
somos capazes de
amar mais de uma
vez.
No fim, quando
se ama, o que
queremos é a
companhia, é a
risada, a
conversa, as
memórias e as
histórias;
queremos
desfrutar da
confiança sem a
incerteza do
próximo passo;
queremos deixar
a vida seguir
seu curso sem
que coloquemos
empecilhos e
defeitos;
queremos
acreditar que
vai dar certo,
diferente do
ocorrido nas
outras vezes.
Quando é para
valer, não tem
meio sério e
muito sério,
porque tudo é
importante, já
que a pessoa é
importante.
Todavia, para
sentir tudo
isso, querer
tudo isso é
preciso coragem
e vontade, é
preciso se
desprender das
amarras de uma
sociedade que
acha que
sentimentos são
esquecíveis e
controláveis
quando eles não
são. Sentimentos
são um dos
pontos mais
complexos e
fundamentais da
psique humana e
jamais devem ser
tratados de
forma banal. É
preciso
acreditar em si
e na sua
capacidade de
ser relevante
para alguém e
desprender-se da
facilidade que a
individualidade
carrega e buscar
os desafios de
um mundo em que
não se vive só.
O mundo é
difícil e sempre
foi. Cada
geração tem seus
traumas e seus
medos, mas o
medo de amar não
é uma opção
quando a magia
da vida está em
compartilhar,
sentir,
expressar,
demonstrar, e
desapego só se
for do egoísmo,
do orgulho, da
inveja e do
rancor. A luta,
diferente do que
nos vendem
diariamente, não
é por
mentalidades
indiferentes e
corações
desapegados, mas
por mentalidades
que se importam
e corações que
amam.