Surpresa de
magistrado
Hilário Silva
Comovidos ante a
prece tocante da
sofredora
mulher,
acompanhamo-la à
presença do
juiz.
Alcançamos a
casa solarenga.
Deleitosa
varanda. Extenso
jardim.
Sem que nos
pressentisse,
ajudamo-la a
tocar a
campainha a
destacar-se na
parede fidalga.
Uma serviçal
atende
prestativa.
Movimenta-se.
O magistrado,
porém, apenas
surge depois de
longa espera.
Ouve, de cabeça
empertigada, a
visitante que
chora.
– Doutor – diz
ela –, peço-lhe
caridade. Meu
pobre marido não
tem culpa. Temos
oito filhinhos
passando falta.
Oito filhos,
doutor! Tenha
piedade e
ajude-nos! O
senhor não
ignora que meu
pobre Cecino foi
sempre um chofer
cuidadoso! O
homem estava
embriagado
quando avançou
de encontro ao
carro!
O juiz,
entretanto, não
traiu qualquer
emoção no olhar
frio.
– Que deseja a
senhora com
semelhante
arrazoado? –
falou
irritadiço. –
Quem pensa que
sou? A justiça é
justiça. Seu
marido foi
imprudente,
desnaturado.
Houve
premeditação
inconteste e
sanearei a
cidade.
Tomá-lo-ei para
escarmento aos
motoristas
criminosos.
Profissionais
inconscientes! O
processo foi
corretamente
conduzido por
mim e a justiça
provará que
Cecino é um
homicida quanto
outro qualquer.
– Doutor,
compadeça-se de
nós! – clamou a
infeliz.
– Nada mais
tenho a dizer –
falou, ríspido,
o magistrado,
despedindo a
interlocutora.
*
O juiz voltava,
sereno, ao
interior
doméstico,
quando enorme
alvoroço estala
na rua.
– Socorro!
Socorro! Pega o
culpado! Pega o
culpado!
Populares gritam
em desespero.
Torvelinho na
via pública. Ao
lado de luxuoso
automóvel,
último tipo,
agita-se um
rapaz
aprisionado por
homens do povo.
Não longe, uma
criança morta.
Inteiramo-nos,
então, do
sucesso triste.
Era o filho do
juiz, que, no
carro da
família, em
correria
desenfreada,
acabava de
atropelar
pequenina
indefesa.
Mal refeito do
choque, ouvimos
alguém que pede
em tom
respeitoso:
– Licença!
Licença!
O juiz passa
junto de nós com
extrema agonia
moral a se lhe
estampar no
semblante
paterno. Abraça
o filho com
enternecimento
de quem se
compadece de um
louco.
E, naquele dia,
o magistrado não
pôde comparecer
ao fórum...
Do cap. 27 do
livro A Vida
Escreve, de
Hilário Silva,
obra
psicografada
pelos médiuns
Waldo Vieira e
Francisco
Cândido Xavier.