Manifestações do além:
um aboio e um caminhão
Qual de nós, em alguma
fase das nossas vidas,
não deparou com fatos
estranhos, daqueles em
que o sobrenatural seja
a única explicação para
sua ocorrência? Se não
fomos testemunha ocular,
pelo menos ouvimos
relato de alguém muito
próximo a nós de fatos
de tal natureza.
Quem como eu, nascido,
criado e crescido numa
fazenda do Interior
cearense, localizada
entre serras e matas,
conhece o medo que traz
aos meninos as escuras
noites e os ventos
fortes durante os longos
verões dos sertões
nordestinos, quebrando
em estalos formidáveis
as galharias da
vegetação seca. Um medo
que era instigado ainda
mais pelas medonhas
estórias de
assombrações, contadas
pelos mais velhos, que
se divertiam em ver o
temor estampado nos
olhos arregalados da
meninada embevecida e
extasiada, espectadora
da dramatização dos
contadores de ficções.
Contos de lobisomens, de
visagens, de espectros
que, de tão altos que
eram, diziam, passavam
das copas das árvores
mais altas. Tais fábulas
me causavam tanto terror
ao ponto de provocar-me
insônia que se agravava
mais ainda com o latido
infindável dos
cachorros, como a
perseguir os fantasmas
que se tornavam reais na
minha fértil imaginação
eivada de crendices como
ainda hoje é o da gente
sertaneja. Pois lá,
crê-se ainda que
fogo-fátuo é uma
visagem, coisa do outro
mundo, quando se trata
tão-somente, para quem
não sabe, de uma
exalação luminosa
provocada pela
inflamação espontânea de
gases em sepulturas, em
pântanos, ou
simplesmente em locais
onde tenha morrido algum
animal. Quantos homens
sertanejos metidos a
corajosos não têm
corrido com medo de
fogos-fátuos! E de
lobisomens, então...
Naquelas paragens
ninguém sequer ouviu
falar em licantropia...
Mas fora do que era
imaginado por minha
fantasia de criança, na
fazenda onde morávamos
ocorreram, durante
vários anos, dois
fenômenos intrigantes,
até hoje inexplicáveis
para quem os presenciou.
Apareceram durante muito
tempo e depois sumiram
para nunca mais
ocorrerem. O primeiro
deles era um aboio
(canto monótono com que
os vaqueiros tangem as
boiadas). Era comum
ouvi-lo tarde da noite,
naqueles momentos que,
de tão silenciosos,
sentimos doer os
ouvidos. Era um aboiar
longo e triste que
reboava nas quebradas da
serra de onde parecia
proceder. E era
percebido por muita
gente. Eu nunca o ouvi.
Diziam os mais antigos
que se tratava do aboio
de um vaqueiro que havia
morrido estrepado na
vergôntea de um pau,
muitos anos atrás,
quando campeava um boi
bravo naquelas brenhas.
Meu avô paterno
confirmava a estória.
Dava inclusive o nome do
vaqueiro, que minha
memória infelizmente
esqueceu.
O segundo caso por mim
presenciado, aos dez
anos de idade, ocorreu
no ano de 1956, quando
então meu pai era
criador de gado e
agricultor, na Fazenda
Pereiros, situada na
região onde se localizam
os Municípios de
Hidrolândia e Santa
Quitéria, aqui no Estado
do Ceará.
Toda a produção do
algodão ali colhida era
transportada para usinas
de beneficiamento de
algumas cidades
circunvizinhas. Numa
noite, quando era
carregado por um grupo
de capatazes um dos
caminhões que faziam
regularmente o
transporte das cargas de
plumas, esperava-se a
chegada de um dos
empregados para auxiliar
no carregamento e que
residia a uns dois
quilômetros de distância
da casa-sede da fazenda,
num barracão que ficava
logo abaixo da parede de
um açude, denominado
Pindaré, pertencente à
fazenda onde residíamos.
Lá pelas vinte horas,
todos que estávamos na
casa, ouvimos o zunido
característico de um
automotor, oriundo das
bandas de onde deveria
vir o funcionário
aguardado. Ao olharmos
naquela direção,
observamos, nitidamente,
as luzes de um veículo
em movimento. Veículos
automotores trafegando
pelos nossos sertões,
principalmente à noite,
era uma rara novidade.
Na ocasião todos
conjeturaram que o
capataz esperado
certamente viria na
carona daquele caminhão.
O barulho e as luzes
daquele suposto veículo
vieram se aproximando
cada vez mais até chegar
a uma distância de mais
ou menos uns cento e
cinquenta metros da
nossa casa, no pé de uma
pequena subida ou alto
(como costumamos chamar
no sertão). E de
repente, tudo parou.
Apagaram-se as luzes do
veículo fantasma e o
ronco do motor cessou. A
curiosidade apossou-se
dos presentes. Então,
meu pai mandou que
alguns homens se
dirigissem àquele local
para verificar o que
poderia ter ocorrido com
o suposto caminhão. Na
minha curiosidade
infantil, também fui
junto. Quando lá
chegamos, ficamos
embasbacados! Não havia
nada! Somente o profundo
silêncio de uma cálida
noite sertaneja. Nada de
caminhão, nem do seu
barulho, nem de suas
luzes. Voltamos
apressados com a
notícia. Os que ficaram
na casa duvidaram de
nós. Logo em seguida,
chega o aguardado
capataz. Interpelado
sobre o caminhão que
todos tínhamos visto e
ouvido, ele admirou-se,
pois por ele não havia
passado nada nem ninguém
no trajeto que fizera
desde o açude até ali;
tampouco havia ele visto
luzes ou ouvido zoada de
algum veículo.
Aquele fenômeno,
todavia, não era novo.
Pessoas mais velhas, que
naquela noite ali se
achavam, inclusive meu
pai, já o haviam
testemunhado várias
vezes. Segundo elas,
aquela aparição começou
a manifestar-se a partir
do ano de 1946, logo
após o término da
construção da barragem a
que acima aludimos. Nos
serviços de carregamento
de terra para
levantamento da parede,
além de centenas de
jumentos, também havia
sido empregado os de um
caminhão. Seu
proprietário e motorista
era um cidadão de nome
Francisco Inácio (Chico
Inácio), que veio a
desencarnar logo em
seguida à conclusão
daquelas obras. Meses
depois do seu
falecimento, aquela
aparição começou a
ocorrer e persistiu
durante muitos anos,
assombrando quantos a
presenciavam. Nos dias
de hoje já não se ouve
dela falar.
Fenômenos de aparições
ou de manifestações do
mundo invisível pululam
na História humana e se
perdem na poeira dos
tempos povoando de
misticismo a mente de
muitos. Qualificados
como sobrenaturais,
perderam esse conceito,
desmistificados pela
codificação espírita
elaborada por Allan
Kardec provando a
existência dos Espíritos
ou em suas comunicações
com o mundo visível.
A propósito, recordemos,
a seguir, o próprio
Kardec, num dos trechos
da Introdução, da
Revista Espírita, de
janeiro de 1858: “Se
bem que os fenômenos,
dos quais iremos nos
ocupar, se tenham
produzido, nestes
últimos tempos, de modo
mais geral, tudo prova
que ocorreram desde os
tempos mais recuados.
Não se trata de
fenômenos naturais nas
invenções que seguem o
progresso do espírito
humano; desde que estão
na ordem das coisas, sua
causa é tão velha quanto
o Mundo e os efeitos
devem ter-se produzido
em todas as épocas. O
que, pois, testemunhamos
hoje não é uma
descoberta moderna: é o
despertar da
Antiguidade, mas, da
antiguidade liberta da
companhia mística que
engendrou as
superstições, da
antiguidade esclarecida
pela civilização e o
progresso nas coisas
positivas”.
Continuemos, ainda com
Allan Kardec: “A
existência dos
Espíritos, e a sua
intervenção no mundo
corporal, está atestada
e demonstrada, não mais
como um fato
excepcional, mas como
princípio geral, em
Santo Agostinho, São
Jerônimo, São Crisóstomo,
São Gregório de
Nazianzeno e muitos
outros Pais da Igreja.
Essa crença forma, por
outro lado, a base de
todos os sistemas
religiosos. Os mais
sábios filósofos da
Antiguidade a admitiram:
Platão, Zoroastro,
Confúcio, Apuleio,
Pitágoras, Apolônio de
Tiana e tantos outros.
Nós a encontramos nos
mistérios e nos
oráculos, entre os
Gregos, os Egípcios, os
Hindus, os Caldeus, os
Romanos, os Persas, os
Chineses. Vemo-la
sobreviver a todas as
vicissitudes dos povos,
a todas as perseguições,
desafiar todas as
revoluções físicas e
morais da Humanidade.
Mais tarde,
encontramo-la nos
adivinhos e feiticeiros
da Idade Média, nos
Willis e nas Walkirias
dos Escandinavos, nos
Elfos dos Teutões, nos
Leschios e nos
Domeschnios Doughi dos
Eslavos, nos Ourisks e
nos Brownies da Escócia,
nos Poulpicans e nos
Tensarpoulicts dos
Bretões, nos Cemis dos
Caraíbas, em uma
palavra, em toda a
falange de ninfas, de
gênios bons e maus, de
silfos, de gnomos, de
fadas, de duendes, com
os quais todas as nações
povoaram o espaço.
Encontramos a prática
das evocações entre os
povos da Sibéria, no
Kamtchatka, na Islândia,
entre os índios da
América do Norte, entre
os aborígines do México
e do Peru, na Polinésia
e mesmo entre os
estúpidos selvagens da
Oceania”.
Os fenômenos que acima
relatamos podem até
estarem enquadrados
entre os chamados lendas
e crenças populares,
todavia, foram sucessos
ocorridos e não apenas
saídos da imaginação do
autor deste artigo. Pena
que naquela época
ninguém do nosso meio
tivesse nenhum
conhecimento da Doutrina
Espírita.
Fonte consultada:
Revista Espírita, de
janeiro de 1858.