O meu filho tem cancro…
Mais uma noite de
sexta-feira, no Centro
de Cultura Espírita, nas
Caldas da Rainha, em que
teve lugar uma
conferência espírita, o
passe espírita
(tratamento
bioenergético) e o
atendimento em privado,
para algum
esclarecimento
adicional.
Fátima vinha com ar
cansado e dolorido,
via-se na sua expressão
facial, onde as rugas
não escondiam as dores
da alma.
Contou-nos o seu drama
íntimo: o seu filho, de
40 anos, estava na fase
terminal de um cancro no
cérebro.
(1)
Falámos acerca do que a
Doutrina Espírita (ou
Espiritismo) pensa do
assunto, de como explica
as dissemelhanças de
oportunidades,
alicerçadas na justiça
divina e na
reencarnação, onde todos
somos iguais perante
Deus e ninguém é
privilegiado.
Conversámos muito,
esclarecemos dúvidas. No
dia seguinte, Fátima
apareceu com uma amiga
no Curso Básico de
Espiritismo (gratuito),
onde estudamos em grupo,
com a maior das
naturalidades e sem
pretensões de ensinar a
ninguém: aprendemos em
conjunto.
Fátima voltou, voltou e
foi voltando, até que,
um dia,
disponibilizamo-nos para
visitar o seu filho.
Ela ficou de ver da
viabilidade da visita,
sem forçar a vontade
alheia. O filho,
céptico, e muito marcado
pela vida, acedeu em
receber-nos.
Ficámos felizes, pois
sempre que temos uma
oportunidade de sermos
úteis, ficamos sempre em
débito para com quem nos
proporciona tais
serviços ao próximo.
No dia marcado, lá
fomos, com naturalidade,
sem discursos ocos e
preparados, pedindo a
Deus que nos intuísse
para podermos ser úteis.
Nos primeiros segundos,
houve uma grande empatia
entre o visitante e o
visitado.
Não interessava se era
céptico ou não. Não
interessava se era deste
ou daquele clube, desta
ou daquela cor. Era um
ser humano que está na
iminência de largar o
corpo de carne, e que
estava apavorado em
virtude do desconhecido.
Falámos sobre a vida
para além da morte, não
como crença, mas baseado
em fatos, em pesquisas
científicas que ainda
hoje continuam a ser
efetuadas.
Falámos da lógica da
vida, dos princípios
básicos da doutrina
espírita, de como a vida
continua no mundo
espiritual, de vários
casos passados connosco,
que atestam a
imortalidade do ser
humano.
Acima de tudo ficámos
amigos.
Como seria bom se todos
os moribundos pudessem
ouvir
falar de Espiritismo, e
assim partissem para o
mundo
espiritual em paz e mais
serenos…
Voltámos, e agora a
conversa era franca: ele
sabe que está quase a
partir para o mundo
espiritual.
Falámos abertamente
sobre o que iria
acontecer, o que iria
sentir, e a confiança
estampava-se no seu
rosto, levemente molhado
por teimosa lágrima que
insistia em rolar face
abaixo. Ficámos amigos.
Fiquei de voltar. Não
sei se voltarei a tempo…
Combinámos que quem
partisse primeiro
ajudaria o outro quando
chegasse a hora do outro
partir para o mundo
espiritual.
Ficou combinado!
Voltei a casa. Fátima, a
sua mãe, dizia-me pelo
telefone que se sentia
estranha, porque, apesar
de tudo, estava muito
calma, serena, e a
encarar tudo com
naturalidade.
Achava ela que devia
andar triste, a chorar
pelos cantos, a
lamuriar-se. Tinha até
complexo de culpa por
não se sentir mal.
Fátima dizia que, com o
que tem aprendido no
centro espírita e com os
livros de Allan Kardec,
parece que a sua vida
mudou.
Claro que mudou! Ao
entender o porquê da
vida, o ser humano
acalma-se, esclarece-se,
consola-se, percebendo
que tudo na vida se
encadeia dentro das leis
divinas, que são
eternas, imutáveis e
justas, que a vida
continua, e cada um de
nós só passa por aquilo
que precisa para a sua
evolução espiritual,
tendo em conta as suas
opções do passado e do
presente.
Regressando a casa,
meditava na grandeza da
mensagem espírita, que,
esclarecendo, consola,
e, consolando, faz com
que as pessoas vivam
melhor o seu quotidiano,
na certeza de que a vida
continua, baseada em
fatos e não em crenças
cegas.
“Nascer, morrer,
renascer ainda,
progredir sem cessar,
tal é a lei”,
diz-nos o Espiritismo,
que também nos ensina
que fora da caridade não
há salvação.
(1)
Cancro é sinônimo, em
Portugal, de câncer.