E a Vida Continua...
André Luiz
(Parte
20)
Continuamos nesta edição
o
estudo da obra
E a Vida Continua,
de André Luiz,
psicografada pelo médium
Francisco Cândido Xavier
e
publicada em 1968 pela
Federação Espírita
Brasileira.
Questões preliminares
A. Evelina tinha também
alguma relação com o
drama decorrente do
assassínio de Desidério
dos Santos?
Sim. Desidério – morto
durante uma caçada – era
pai de Evelina, que
acabou sendo criada pela
mãe (Brígida) e por
Amâncio, o mesmo homem
que fora autor da morte
de Desidério e depois se
casara com a viúva.
(E a Vida Continua, cap.
20, pp. 164 a 165.)
B. Percebendo, mesmo de
longe, o sofrimento de
Ernesto Fantini, que fez
o instrutor Ribas?
Ao se inteirar do que
havia ocorrido, Ribas
expediu ordens de
caráter urgente para que
os dois tutelados do
Instituto de Proteção
obtivessem imediata
cobertura. Eles foram
então levados a São
Paulo e internados em
departamento de repouso
de uma das casas
espíritas da cidade,
onde Ernesto começou a
receber os cuidados
precisos, a fim de
desvencilhar-se do
trauma de que fora
acometido.
(Obra citada, cap. 21,
pp. 166 a 168.)
C. Qual foi a reação de
Evelina quando Fantini
lhe revelou toda a
verdade?
Ela manteve o mesmo
respeito e enternecido
amor que lhe votava. O
que a jovem estranhou
era o drama complexo de
que eram eles
protagonistas sem saber.
Surpreendia-se com os
meandros da peça que o
grupo representava. E, a
par disso, acusava-se
absorvida por extremada
compaixão, perante os
conflitos íntimos de
todos os seus aliados de
tragédia familiar,
sentindo-se, aliás,
dentre eles, a menos
atingida pela dor.
Evelina contemplou,
então, o amigo querido e
chorou. Ela não o
acusava; pelo contrário,
estimava-o sempre
mais...
(Obra citada, cap. 21,
pp. 168 e 169.)
Texto para leitura
77. Dedé relata o
que lhe aconteceu após a
morte -
Desidério revelou que
seu ódio, nos primeiros
tempos, fora muito
maior... "Avalanches de
provação – disse ele –
se abateram sobre mim;
entretanto, você, o
suposto homem de bem,
receberá agora, no
tribunal de sua
consciência, por minha
vingança máxima, o peso
inexorável de minhas
acusações!..." E
prosseguiu: "Pense no
martírio com que me
reaproximei,
desencarnado, da esposa
jovem e da filha ainda
tenra, para ver Amâncio,
o assassino,
senhorear-lhes a
existência... Ah!
Fantini, acredita você
que, a princípio, eu
quisesse tanto a sua
mulher? Não!... Eu era
um homem sem qualquer
princípio religioso e,
por este motivo, sem
qualquer orientação
definida. Possuía uma
esposa e uma filha que
adorava e punha meus
olhos sobre Elisa, à
maneira de um tolo
entusiasmado por ver-se
distinguido pelas
atenções de tão devotada
e distinta mulher...
Contudo, ao invés de uma
palavra franca de
companheiro, capaz de
impor-me o lugar justo,
você, ralado de ciúme,
tentou abater-me como
alimária no campo... Com
isto, você, Ernesto, me
transfigurou numa fera
sem a jaula dos ossos.
Abominando o invasor de
meu lar, pois Amâncio
deu-se pressa em
desposar Brígida, a moça
que eu deixara viúva e
inexperiente, eu sentia
em meu antigo refúgio
caseiro a presença de
um inferno que me
expulsava... Batido à
maneira de um cão
escorraçado e sem dono,
sem a companheira que me
retirou da lembrança e
sem a filha que devia
beijar meu algoz por
segundo pai, vagueei
pelas estradas de
ninguém, entre as maltas
das trevas, até que me
instalei
definitivamente ao pé
de Elisa, sua mulher,
cuja silenciosa ternura
me chamava,
insistentemente... Aos
poucos, do ponto de
vista do espírito,
ajustei-me a ela, como o
pé no sapato, e passei a
amá-la com ardor, porque
era ela a única criatura
da Terra que me guardava
na memória e no
coração..." (Feita
ligeira pausa, Ernesto
quis implorar piedade,
mas não pôde, porquanto
o verbo esmorecera-lhe
na garganta asfixiada de
desespero, enquanto lhe
tremiam todas as fibras
da alma.) Desidério,
porém, continuou: "Tudo
isso por quê? porque o
remorso deformou a sua
vida mental de homem...
Você, desde a empreitada
ominosa em que perdi meu
corpo, andou buscando
incessantemente uma fuga
impossível... Mergulhou
o espírito em negócios e
rendas, compromissos e
corretagens, viajando e
viajando, sem procurar
saber se a esposa e a
sua própria filha eram
almas necessitadas de
assistência e carinho!
Tudo isso fez de minha
afeição por Elisa mais
que afeição
terrestre!... Obsessor,
oh! sim... Sou... Mas
sou também servidor
incondicional de quem
leva seu nome e aguentou
sua frieza de
coração... Aprendi com
sua mulher a paciência e
o silêncio para esperar
e esperar... Você
soube, algum dia, das
enfermidades de sua
filha na infância?
conheceu-lhe as duras
tentações nos dias
primeiros da juventude?
sabe que rapazes
insensíveis lhe abusaram
da confiança? por acaso
enxergou, alguma vez,
as lágrimas ardentes que
lhe queimaram o rosto,
depois dos pontapés
daqueles mesmos jovens
desalmados que lhe
prometiam lealdade e
ternura?" (Cap. 20, pp.
162 e 163)
78. A
terrível trama é
desvendada
- Ernesto ouviu o libelo
acusatório e, transido
de aflição, conseguiu
falar: "Oh! Desidério!...
Compreendo agora...
Perdoe-me!..." O
antagonista, porém, cada
vez mais excitado pelo
martírio moral que
patenteava em cada
frase, retomou o ímpeto:
"Padeci por sua filha e
pela outra, a pequenina
que a morte me
constrangera a
largar... Ilaqueada na
boa fé pelo patife que
lhe absorvera a atenção,
Brígida concordou em
descartar-se de nossa
filhinha, situando-a
muito cedo em
estabelecimentos de
ensino, onde, se é
verdade que recebeu
educação esmerada,
curtiu a falta dos pais,
qual se fosse enjeitada
no berço... O que sofri,
Fantini, o que sofri!...
Entretanto, minhas
agonias não pararam
nesses cuidados... Minha
infortunada filha, que
cresceu triste e
moralmente quase
desamparada, à míngua da
assistência paternal que
você e Amâncio lhe
furtaram, encontrou a
morte, há precisamente
dois anos... Impelida
pelo padrasto,
interessado em livrar-se
da responsabilidade de
tê-la em custódia,
casou-se muito cedo com
um celerado que lhe
destruiu todos os
sonhos... Oh! como
trabalhei para
evitar-lhe a comunhão
com esse homem
covarde... Caminhava
incessantemente entre os
seus e os meus, esmagado
de desespero,
dedicando-me a conjurar
a tragédia que, afinal,
se consumou... Quando
fui vê-la morta, junto
de companheiros
desencarnados, tão
sofredores e tão
desvalidos quanto eu
mesmo, ajoelhei, diante
do corpo imóvel que
ainda lhe conservava o
derradeiro sorriso, e
jurei que me vingaria
dos três mascarados que
a rodeavam, Amâncio, o
matador, Brígida, a
ingrata, e o detestado
genro, cuja presença me
enoja!..."
Desidério informou que a
filha fora conduzida a
estâncias de repouso e
que somente lhe seria
concedido vê-la quando
estivessem sanadas as
chagas da revolta que
calcinava sua mente
infeliz. Ernesto
soluçava... De fato,
tudo o que ouvira era
demais para uma única
noite. Desidério não
havia, contudo,
concluído seu relatório
de desditas: faltava
ainda a revelação mais
terrível. "Ao notar
minha filha abatida e
enferma pelos desgostos
no lar – acrescentou
Desidério –, o marido
lançou-se a novas
aventuras e veio a
conhecer Vera Celina,
sua filha, de cuja
afeição se apoderou...
Então, dominou-a,
escravizou-a..." E,
articulando gesto
expressivo com o dedo
indicador, apontou para
dentro da casa, dizendo:
"Este bandido está aí
dentro... É Caio
Serpa... Ah! Evelina!
Minha filha!... Minha
filha!..." Nesse ponto,
quando Ernesto percebeu
toda a trama, com a
enunciação dos nomes de
Evelina e Caio, sentiu
como se o cérebro lhe
estalasse de angústia e,
embora suplicasse a
bênção de Jesus e a
proteção de Ribas,
correu para matagal
próximo, entre gritos,
rojando-se no solo
arenoso da ilha, à
maneira de um cão
espancado, ganindo de
dor. (Cap. 20, pp. 164 e
165)
79. Ernesto é
assistido numa casa
espírita - As
advertências de Ribas e
a presença de Evelina
foram argumentos que
constrangeram Fantini a
revigorar-se no
autocontrole. Finda a
longa noite de lágrimas,
Ernesto reconhecia-se
outro. A exposição de
Desidério, franca e
livre, sacudindo-o para
reconhecer a extensão
das próprias fraquezas,
abatera-lhe o orgulho,
mas clareava-lhe as
entranhas do coração
para buscar vida nova.
Ainda atordoado, ele
ergueu-se do chão e
arrastou-se até o local
em que Evelina o
aguardava. A jovem
entretinha-se em
amistosa conversação com
desencarnados doentes
que visitavam o sítio,
em busca das emanações
nutrientes do mar,
quando avistou o amigo
que se aproximava,
cambaleante. "Oh!
Ernesto, por que
fatigado assim?" –
exclamou inquieta, ao
mesmo tempo que o
auxiliava a sentar-se na
areia. Chorando, com a
cabeça entre as mãos,
Ernesto falou-lhe: "Ah!
Evelina, Evelina!...
Concordo agora em que
somos dos mortos que não
tiveram as orações do
vivos... Ai de mim!...
Os corações que eu mais
amava se fecharam para
sempre com a pedra que
decerto me selou os
restos físicos... Torno
de minha casa, como um
réprobo!... Oh! meu
Deus!... meu Deus!..."
Evelina passou a
reconfortá-lo,
rememorando sua própria
decepção de horas antes,
mas Ernesto contraditou:
"Não, não!... Você foi
vítima de ingratidão, ao
passo que recebi a
condenação que
mereci... Você ganhou o
insulto, a mim coube o
castigo!..." Fantini
desejava contar-lhe as
revelações que tivera,
mas escasseavam-lhe as
forças. Em poucos
momentos, porém, a
perplexidade e a aflição
de ambos se viram
atenuadas com a vinda do
carro voador, que se
transportara da Via
Anchieta à Praia do Mar
Casado, no Guarujá, para
conduzi-los a São Paulo.
Ribas escutara as
súplicas do pupilo
torturado e expedira
ordens de caráter
urgente para que os dois
tutelados do Instituto
de Proteção obtivessem
imediata cobertura.
Alguns minutos de voo e,
por instrução de Ribas,
foram os dois internados
em departamento de
repouso de uma das
casas espíritas cristãs
que honorificam a vida
paulistana, onde Ernesto
começou a receber os
cuidados precisos, a fim
de desvencilhar-se do
trauma de que fora
acometido. (Cap. 21, pp.
166 a 168)
80. A
confissão de Fantini
- Convenientemente
amparado, através de
recursos magnéticos, em
círculo de oração,
Ernesto acalmou-se para
refazimento, sob a
assistência da
companheira e, então,
rearmonizadas as
energias, perguntou:
"Evelina, seu pai tinha
o nome de Desidério dos
Santos e seu padrasto é
Amâncio Terra?" – "Sim.
Meu nome inteiro é
Evelina dos Santos
Serpa." Ernesto não
vacilou. Compreendendo
que devia à jovem
senhora uma confissão
integral da própria
vida, transferiu-se da
ideia à ação, começando
pelas memórias do
casamento com Elisa, a
amizade com Desidério
desde a infância, a
aproximação com Amâncio,
as visitas frequentes
de Desidério ao seu lar,
a atração que este
exercia sobre Elisa, os
ciúmes, o plano de
afastamento do amigo,
até a caçada funesta, a
morte de Dedé e os
remorsos de uma
existência inteira. Por
fim, descreveu, passo a
passo, as ocorrências do
retorno ao lar, desde o
instante em que reviu a
esposa obsidiada até a
última informação de
Desidério, que o deixara
aniquilado... Evelina
ouviu a tudo,
assombrada. Não que a
narrativa a afastasse
do amigo a quem
consagrava respeitoso e
enternecido amor. O que
ela estranhava era o
drama complexo de que
eram eles protagonistas
sem saber.
Surpreendia-se com os
meandros da peça que o
grupo representava. E, a
par disso, acusava-se
absorvida por extremada
compaixão, perante os
conflitos íntimos de
todos os seus aliados de
tragédia familiar,
sentindo-se, aliás,
dentre eles, a menos
atingida pela dor.
Evelina contemplou,
então, o amigo querido e
chorou... Não o acusava;
pelo contrário,
estimava-o sempre
mais... "Sou eu, sua
irmã – disse ela –, quem
lhe pede perdão por meu
pai que tomou sua casa,
indevidamente..."
Fantini, comovido,
retificou: "Não, ele
nada furtou... Protegeu
a mulher e a filha que
desprezei... E se
falamos de escusas, sou
eu quem roga tolerância
para minha filha que se
lhe apossou do
marido..." "Não, não!...
– replicou Evelina –
estou compreendendo que
Vera chegou ao meu
caminho por benfeitora,
ela propiciou a Caio a
segurança que não lhe
pude dar..." Aliviado e
reconfortado com a
atitude da jovem amiga,
Ernesto comentou:
"Evelina, tenho hoje a
ideia de que só pela
vida, depois da morte,
logramos desmanchar os
enganos terríveis que
acalentamos na vida
terrestre". Ela
concordou e
mantiveram-se em doce
tête-à-tête, quando,
por fim, ele conseguiu
conciliar o sono, dando
à jovem ensejo para
retirar-se para ligeiro
descanso. (Cap. 21, pp.
168 e 169)
(Continua na próxima
semana.)