O medo e um
solilóquio
emocional
Iniciarei com um
aviso de Carrol
Izard e Brian
Ackerman, que
explicam: A
única função do
medo é motivar a
fuga de
situações
perigosas
(2000, p. 260).
Já este início
ressalta a
fuga em nós,
quando nossos
instintos
animais sentem
perigo. Em razão
disso, para
Aristóteles, o
medo é a emoção
mais universal
de todas as
analisadas em
sua lista na
Retórica.
Além disso,
baseando-se nos
estudos sobre
evolução, não
podemos ignorar
a presença do
medo como emoção
que auxiliou a
sobrevivência do
ser humano,
estando
arraigado na sua
estrutura
biológica e
psíquica,
participando da
vida atual – no
seu campo
subjetivo e
relacional.
Muitos entendem
o medo como
parte das
respostas
estereotipadas
de curto prazo,
que abarcam
expressões
faciais,
alterações no
sistema nervoso
autônomo e
outros
elementos, e que
se diferencia,
por sua
natureza, das
emoções
cognitivas mais
elaboradas como
a inveja, a
culpa, o ciúme,
o amor - dito em
outros termos:
há uma diferença
entre o medo,
uma emoção
primordial no
ser humano, e o
amor, uma emoção
de um nível mais
evoluído.
Neste contexto,
transcrevo a
definição de
medo de
Aristóteles:
“Medo [phobos]
é uma espécie de
padecimento ou
perturbação
derivada de uma
impressão [phantasia]
de um mau
futuro,
destrutivo e
doloroso”(Retórica,
1382
a).
Aristóteles
elucida então
que o medo surge
de uma impressão
(phantasia).
Entretanto deixa
claro que não é
a impressão de
um sofrimento
presente, mas
num futuro
que parece
iminente. O
catalisador do
medo pode ser,
dessa maneira, o
desconhecido
(exterior) e/ou,
segundo a
linguagem
junguiana,
aquilo que
pertence à
sombra
(interior).
Além disso, para
aclarar sua
definição,
Aristóteles
explica que
todas as pessoas
sabem que vão
morrer, porém,
quando a morte é
vista como algo
distante, não a
tememos muito.
Na idade adulta
e na velhice,
contudo, o medo
da morte se faz
mais presente do
que antes. Mas a
meu ver me
parece que o
surgimento da
morte provoca um
estado de
consciência que
prepara o
aparato psíquico
para recebê-la
de forma
natural, mesmo
que tenha visto
e ajudado
terapeuticamente
pessoas em idade
avançada com um
medo terrível da
morte.
Em qualquer
caso, reconhecer
o medo é sempre
um fator
positivo e
anuncia uma
consciência,
pois os
verdadeiros
corajosos são
aqueles que
sabem fazer uso
adequado de
coisas
daninhas e
perigosas,
no prudente
conselho de
Sócrates.
Ainda, como as
palavras de
Aristóteles nos
educam para
atribuir às
emoções seu
papel como
mobilizadoras da
psique, um
exemplo clássico
do medo está
relatado na
Ilíada
quando Aquiles,
um dos
guerreiros
protagonistas da
obra de Homero,
sente medo
quando é pego
pela inundação
do Rio
Escarmandro,
personificado
neste episódio
como um deus
(Aquiles diz:
“No geral, os
mortais não
podem prevenir a
ira de um
deus”).
Podemos neste
ponto evidenciar
o registro
cognitivo do
medo, de acordo
com o qual o
medo gera uma
impressão de
perigo iminente,
o que torna a
pessoa
deliberativa,
porque não
sentir medo em
circunstâncias
em que somos
confrontados com
a possibilidade
de aproximação
de risco ou
ameaça efetiva,
por exemplo,
seria não levar
em conta a
realidade (o que
é similar a
estar louco).
O medo ainda
pode fazer com
que as pessoas
se tornem
irracionais e
aqui é onde ele
se junta ao
pânico, um
estado
psiquiátrico de
conturbada
agitação
interior com
sintomas
fisiológicos:
suor nas mãos,
palpitações
rápidas do
coração e enjoos.
Alguns autores
situam o pânico
como uma
patologia e por
isso, por
exemplo, numa
lista de emoções
consideradas
irracionais
estão incluídos
o pânico e a
fobia, os quais
não dispõem de
um suporte
cognitivo.
Infelizmente se
sabe que muitos
indivíduos
vivem subjugados
por esse pânico,
derivado do
medo, cujo
termo, bem
conhecido dos
gregos, tem sua
origem no estado
de possessão do
deus Pã, que
podia semear o
terror e a fuga
em pânico – sim,
porque o medo
pode ser
contagioso,
especialmente
virulento quando
emana do
coletivo.
Mas o sentir
medo, para mim,
é uma emoção
essencial e
básica. Assim
podemos entender
(para burilar)
como o nosso
existir pode
estar entremeado
por medos e uma
lista seria
interminável se
considerarmos as
pessoas e suas
idiossincrasias.
E não é isso que
pretendi
destacar com
este já longo
escrito! Mas sim
que existem medo
e maneiras de se
conceber uma
relação
“natural” com os
medos, pois à
medida que
sentimos medo e
o reconhecemos,
o que está
inconsciente se
torna consciente
e com isso somos
mobilizados
interna e
externamente a
dar conta de
nossas pequenas
(e grandes)
tarefas, sem
deixar de
valorizar nosso
viver e o mundo
de relações em
que nos movemos
simplesmente
porque passamos
a agir com
coragem, a
virtude
reclamada pelo
medo.
De minha parte
trato de aceitar
a emoção
universal de
medo que
Aristóteles se
referiu como
algo essencial
em meu ser.
E como um ser
vivente a
estagiar (de
novo!!) em um
mundo em
transição, cuja
paisagem
confunde, por
enquanto, o belo
e o feio, o bem
e o mal, ouso
dizer que,
seguindo as
observações
aristotélicas,
apenas
poderíamos ser
insensíveis (apathei)
àquilo que nos
provoca(ria)
medo de três
maneiras – 1) ou
não temos
experiência do
perigo (como no
exemplo de quem
nunca se
aproximou de um
edifício de
trinta andares);
2) ou contamos
com recursos
para
enfrentá-los; 3)
ou temos certa
cota de
confiança em
nós.
Por último, cada
vez mais é
afirmado que
aquele que teima
em examinar-se,
melhorar-se e
munir-se de
saberes sobre si
mesmo e sua
circunstância,
consegue lidar
melhor com seus
receios e
temores
cotidianos...
Afinal, a
coragem requer o
medo como um
obstáculo a ser
superado, e
disso já sabiam
os gregos.
Mas se a
componente
emocional da
coragem (uma
virtude) é uma
soma de medo
(uma emoção
básica) e
resolução diante
do mesmo, não
podemos ignorar
que a componente
final da coragem
é a produção de
um bem ou o
evitamento do
mal. Contudo,
caro leitor,
aquele pai que
se atira à agua
para salvar o
filho de um
afogamento, age,
de um ponto de
vista ético, não
por coragem, mas
sim por dever (e
se não o
fizesse, seria,
é claro, um ato
de covardia).
Logo, para
elucidar a
dúvida, aquele
sujeito que
movido por um
sonho abandona a
carreira
bem-sucedida,
contrariando
seus próprios
receios e as
críticas
alheias, à
medida que põe
em risco o
certo pelo
incerto,
e para lhe dar
realidade, age
com coragem...
Ah! Os virtuosos
que, apesar do
medo
(cujo desmedo
o assusta),
transformam a
Terra.
Referências:
Aristóteles,
Retórica.
Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa
da Moeda, 1998.
Homero,
Ilíada. SP:
Arx, 2003.
Izard, C.;
Ackerman, B.
Motivacional,
Organization and
Regulatory
Functions of
Discrete
Emotions. In:
Lewis, M.;
Haviland-Jones,
J. (Orgs.).
Handbooks of
Emotions.
2. ed. NY:
Guilfor Press,
2000.