Dois meses antes
Grande
confeitaria
paulista, ao
anoitecer.
Clientela
numerosa.
Quando Olavo
Dias, denodado
trabalhador da
seara espírita,
se aproxima do
caixa para
efetuar o
pagamento de
certa compra,
surge a
atordoada:
– Ladrão!
Ladrão! Pega o
ladrão! Pega!
Pega!
Alia-se um
guarda a robusto
balconista e
agarra pobre
homem,
extremamente mal
vestido, que
treme ao
apresentar
grande pacote
nas mãos.
– Ele roubou de
um freguês –
grita o
caixeiro, como
que triunfante
ao guardar a
presa.
Quase todos os
rostos se voltam
para o infeliz.
O policial
apresta-se para
as providências
que o caso lhe
sugere, mas
Olavo Dias
avança e toma a
defesa.
– Não é um
ladrão – explica
– e não admito
qualquer
violência.
E no propósito
de ajudá-lo,
Olavo mente,
afirmando:
– É meu
empregado e,
decerto, retirou
o pacote
julgando que me
pertencesse.
Enérgico, toma o
embrulho,
devolve-o ao
gerente, pede
desculpas pelo
engano e
afasta-se com o
desconhecido,
dando-lhe o
braço, como se o
fizesse a um
parente, diante
dos
circunstantes
perplexos.
Dobrando, porém,
a primeira
esquina,
dirige-lhe a
palavra,
admoestando:
– Ora essa, meu
caro! Sou
espírita e um
espírita não
deve mentir.
Entretanto, fui
obrigado a isso
para defendê-lo.
O interpelado
mergulha a
fronte nas mãos
ossudas e
explica em
lágrimas:
– Doutor, roubei
porque tenho
seis filhos com
fome... Sou
doente do
peito... Não
acho serviço...
– Bem, bem –
falou Olavo,
comovido –, não
estou aqui para
fazê-lo chorar.
Condoído, abriu
a bolsa, deu-lhe
o concurso
possível e
perguntou-lhe
pelo endereço.
O infeliz
declarou
chamar-se Noel
de Souza, deu os
nomes da esposa
e dos filhos e
informou residir
nas proximidades
da Vila Maria,
em modesto
barracão.
O benfeitor,
realmente
sensibilizado,
prometeu
visitá-lo na
primeira
oportunidade, e,
finda uma
semana, ei-lo de
automóvel a
procurar pela
casinha
distante.
Depois de algum
esforço,
localizou-a.
Encontrou a
senhora Souza e
os seis
filhinhos
esquálidos, mas
o dono da casa
não estava.
Saíra para
angariar socorro
médico.
Olavo, tocado de
compaixão, fez
quanto pôde pela
família
sofredora e, ao
despedir-se,
ouviu a dona da
casa dizer-lhe
sob forte
emoção:
– Um dia, se
Deus quiser,
Noel há de
retribuir o
senhor por tudo
o que está
fazendo...
Precisando
deixar S. Paulo,
em função da
vida comercial,
Olavo recomendou
os novos
protegidos a
diversos
companheiros, e
esqueceu a
ocorrência.
II
Decorridos seis
meses, Olavo,
certo dia, chega
apressado ao
aeroporto de
grande cidade
brasileira.
Precisava viajar
urgentemente,
mas não tem
passagem.
Arriscar-se-á,
no entanto, à
aquisição de
última hora.
Retendo pequena
pasta, procura
na multidão um
amigo que o
precedera,
minutos antes,
com o fim de
ajudá-lo, até
que o vê a
pequena
distância,
acenando-lhe a
que se apresse.
O problema está
resolvido. Basta
que apresente a
documentação
necessária.
Avança, presto,
mas alguém cruza
o caminho.
Sente-se
abraçado numa
explosão de
ternura.
Olavo tenta
quebrar o
impedimento
afetivo, mas
reconhece Noel
de Souza e
estaca,
surpreendido.
– Você... aqui?
O amigo está
humildemente
trajado, mas
limpo e alegre.
– Sim, doutor,
preciso vê-lo –
confirma o
interlocutor.
– Agora, não –
falou Olavo,
contrafeito.
Como se não lhe
anotasse o
azedume, o outro
tomou-lhe o
braço e
arrasta-o
docemente para
fora do raio de
visão do
companheiro que
o espera.
– Souza, não me
detenha, não me
detenha... –
roga Olavo,
inquieto.
– Escute,
doutor, preciso
agradecer-lhe...
E como se não
lhe pudesse
escapar da mão,
Olavo escuta-lhe
a fala entediado
e impaciente.
Noel refere-se à
esposa e aos
filhos e repete
frases de
gratidão e
carinho.
Depois de alguns
instantes, Dias,
revoltado,
desvencilha-se e
abandona-o sem
dizer palavra.
Alcança o amigo,
mas é tarde.
O avião não
pudera esperar.
Acabrunhado, vê,
de longe, o
aparelho de
portas cerradas,
na decolagem.
Bastante
desapontado,
busca Noel de
Souza para
ouvi-lo com mais
atenção, já que
perdera a
viagem.
Entretanto, por
mais minuciosa a
procura, não
mais o encontra.
Daí a quatro
horas, recebe
trágica notícia.
O aparelho em
que disputara
lugar caíra de
grande altura,
sem deixar
sobreviventes.
Intrigado,
regressa a S.
Paulo e corre a
visitar a
choupana de
Noel. Quer
vê-lo,
abraçá-lo,
comentar o
acontecimento.
Mas, no lar
modesto de Vila
Maria, veio a
saber que Souza
desencarnara
dois meses
antes.
Do cap. 21 do
livro Almas
em Desfile,
de Hilário
Silva,
psicografado
pelos médiuns
Waldo Vieira e
Francisco
Cândido Xavier.