A resiliência
barata
Antigo conto
infantil, a Dona
Baratinha, narra
a história de um
personagem que
se posta
humildemente,
todos os dias,
na sua janela,
com um laço de
fita na cabeça e
uma moeda no
bolso, cantando
“Quem quer casar
com a senhora
Baratinha, que
tem fita no
cabelo e
dinheiro na
caixinha (...)”.
Após recusar
vários
pretendentes, a
exigente
baratinha aceita
se casar com Dom
Ratão e, marcado
o casório, o
noivo vem a
falecer no
caminho da
igreja,
precipitando-se
na panela de
feijoada que
esquentava na
cozinha da Dona
Baratinha, como
quitute
principal das
bodas.
Apesar de
desconsolada, a
Dona Baratinha,
após um momento
de choro, coloca
novamente a sua
moeda em uma
caixa, prende a
fita na cabeça e
volta à sua
janela, para
cantar a sua
cantiga: “(...)
Quem quer
casar...”.
Essa singela
historieta
infantil,
narrada entre
outras obras, no
livro
“Lembranças
amorosas”, de
Francisco
Gregório Filho
(2000, Editora
Global, SP), tem
como tema
central a
resiliência, uma
importação de
conceitos da
física para a
psicologia, na
adaptação do
indivíduo com
sucesso a
experiências de
vida difíceis ou
desafiadoras, ou
seja, a
capacidade de
superar as
mazelas humanas
e retornar à
“vida que
segue”, como faz
a corajosa
baratinha da
história.
A virtude da
resiliência é
cara, uma rara
ferramenta para
o enfrentamento
dos múltiplos e
naturais
desafios da vida
encarnada que,
ainda que sejam
planejados ou
fruto de
resgates, trazem
traumas à
criatura. Por
vezes, nós nos
“congelamos”
diante dos
problemas
pontuais e
inesperados e
ficamos em
estado letárgico
diante desses
fatos
momentosos, sem
conseguir
retornar ao
nosso “estado
natural”.
A caixa
– Após uma
situação
traumática,
muitas vezes
entramos em uma
caixa mental,
absortos que
ficamos naqueles
problemas, sem
enxergar uma
solução, uma
fresta de luz
que nos guie à
superfície, à
maneira de uma
pessoa presa em
um caixa. Nesse
processo, os
problemas se
tornam maiores
do que são e as
soluções se
apresentam cada
vez mais
distantes e
impossíveis.
Esse processo de
internalização
no problema
ocorrido leva o
indivíduo à
depressão, ao
insulamento e
até ao suicídio.
Afogado nos
problemas, se
entrega aos
vícios, reduz a
sua autoestima e
vive da piedade
própria. A falta
de aceitação do
que houve, a
negação e a
reclamação
inconteste fazem
com que o
indivíduo se
esqueça de si e
do mundo, preso
em um castelo de
ilusão,
construído no
alicerce da dor
sofrida.
É preciso sair
da caixa!
Tocando em
frente
– Nas diversas
lutas da vida, é
preciso seguir
em frente,
superar,
contornar,
enfrentar...
Sacudir a poeira
e dar a volta
por cima. Mas,
em que pese a
simplicidade
desse discurso
motivacional, o
desafio é bem
mais complexo no
plano real.
O primeiro passo
para “sair da
caixa” é
enxergar o nosso
problema com o
devido
afastamento,
dando a ele o
tamanho que
merece. Conta-se
uma história de
Buda em que
este, ao ser
abordado por uma
mulher que
perdeu seu
filho, entregou
a ela sementes
de mostarda,
pedindo que as
entregasse em
uma casa na qual
ninguém tivesse
perdido algum
ente querido,
exemplificando a
necessidade de
olhar a dor de
nosso irmão,
para ver como a
nossa é pequena.
Outro ponto é a
presença de
nossos amigos.
Como amigos de
fé, irmãos
camaradas,
devemos estar
atentos para
perceber no
cotidiano
aqueles que pela
força dos
problemas
começam a entrar
na caixa e não
conseguem seguir
o caminho da
resiliência,
retomando a
vida. Nessa
hora, a palavra
amiga, o ouvido
companheiro e o
ombro
reconfortante
operam milagres.
Por fim, diante
dos problemas, o
cultivo da fé
que sustenta é
fundamental para
o reerguimento
dos que sofrem.
A crença na vida
futura, na
justiça divina e
na bondade de
Deus é essencial
ao bem sofrer,
que permite
sentir, mas
também se
libertar.
A resiliência
não é uma
virtude barata e
revela a
maturidade dos
Espíritos e uma
profunda
confiança em
Deus. Como a
baratinha,
passado o luto,
é necessário
voltar à luta
diária, à
esperança que
nos impulsiona a
seguir em
frente.
Entretanto, a
Lei é de amor e,
nos momentos de
bonança, devemos
nos recordar
daqueles que
sofrem
aprisionados nas
caixas mentais.
Eles necessitam
de uma mão
externa, que os
auxilie a romper
esse desafio, na
visão de que a
nossa evolução
se dá no
coletivo.
As dores são
inevitáveis e as
sentimos de
formas variadas,
reagindo de
diversas formas,
como os galhos
de uma frondosa
árvore diante do
vento. É
preciso, no
entanto, voltar
à nossa posição
original, como
galhos fortes e
amadurecidos por
mais uma prova
vencida na longa
estrada da
evolução, à
espera de outras
ventanias,
naturais, de
chuvas de verão.