Por Nietzsche
(e em alusão a
Jung)...
Apesar dos ecos
acadêmicos
presos ao
materialismo,
das distorções
infelizes do
reducionismo,
atrevo-me,
inspirada por
Alejandro (1), a
insinuar que
temos uma dívida
para com
Nietzsche à
medida que Jung
aprendeu muito a
partir da
experiência
dele.
Segundo as
informações do
amigo
espiritual,
muitos de nós,
estudiosos e
terapeutas, que
reconhecem
necessariamente
a dimensão
espiritual, as
complexidades e
dramas da
individualidade
(= Espírito),
estamos
convencidos de
que, sem o
exemplo anterior
de Nietzsche, a
experiência de
Jung dedicada ao
serviço da
psique teria
sido
provavelmente
ainda mais
prejudicada
(2).
Jung afirma ter
descoberto
Nietzsche, em
sua
autobiografia,
em 1898. Ele
conta o
seguinte:
Apesar dos meus
temores, estava
curioso e me
dispus a lê-lo.
Caiu-me nas mãos
o livro
Considerações
Inaturais.
Entusiasmei-me e
li em seguida
Assim falou
Zaratustra.
Essa leitura,
como a do
Fausto de
Goethe, foi uma
de minhas
impressões mais
profundas.
Zaratustra era o
Fausto de
Nietzsche, seu no
2 (sua
personalidade no
2), e meu no
2, agora,
corresponde a
Zaratustra...
(...) Nietzsche
falava ingênua e
irrefletidamente
desse
arrheton
(segredo), como
se fizesse parte
de uma ordem
comum. Eu,
entretanto,
soube muito mais
cedo que essa
atitude leva a
experiências
negativas... Seu
equívoco mórbido
– pensei – fora
o de expor seu no
2 com uma
ingenuidade e
uma falta de
reserva
excessivas a um
mundo totalmente
ignorante de
tais coisas e
incapaz de
compreendê-las.
Ele alimentava a
esperança
infantil de
encontrar homens
que pudessem
experimentar seu
êxtase e
compreender ‘a
transmutação de
todos os
valores’. Como
os outros, não
se compreendeu a
si mesmo ao cair
no mundo do
mistério e do
indizível,
pretendendo –
além do mais –
exibi-lo a uma
massa amorfa e
abandonada pelos
deuses (Memórias,
Sonhos,
Reflexões,
1963, p. 102).
E, com o olhar
nesse passado,
com pouco
esforço se
percebe o quanto
Nietzsche foi
essencial para
Jung e seu
trabalho.
Basta salientar
o fato de que
ele conduziu um
seminário sobre
o Zaratustra
de Nietzsche
(3), considerado
um documento
psicológico
absolutamente
extraordinário
(e de maneira
peculiar
considero
brilhante a
maneira como ele
descreve a
sombra coletiva
do homem
moderno),
durante cinco
anos – sim, não
foram cinco
semanas!
Aparecem no
livro,
mencionados,
muitas das
ideias e
conceitos com os
quais estamos
acostumados na
psicologia de
Jung, como, por
exemplo, a
nítida noção de
sombra,
entre outros
insights
transcendentais.
Ademais, o ponto
notável do
relato é a
descrição
explícita do
Si-mesmo (4)
como um segundo
centro da
personalidade,
um centro que é
superior ao ego.
E Nietzsche
sabia disso
porque ele teve
essa
experiência. E
ainda que não
assimilada
totalmente no
momento em que
ele a descreveu
(registrada no
Assim falou
Zaratustra),
ela, a
experiência, foi
assimilada (ou
apreendida) no
hospital
psiquiátrico,
como aclara o
documento
póstumo (My
Sister and I).
Tomo a liberdade
de copiar um
trecho do
Assim falou
Zaratustra
para que você
possa avaliar o
quanto isso soa
familiar:
Por trás de teus
pensamentos e
sentimentos, meu
irmão, está um
poderoso
soberano – cujo
nome é si-mesmo.
Em teu corpo ele
habita; ele é o
teu corpo. (...)
O si-mesmo diz
ao ego: ‘Sinta
dor aqui!’ E o
ego sofre e
pensa como pode
parar o
sofrimento – e é
por isso que ele
foi feito para
pensar (Assim
Falou
Zaratustra,
parte 1, seção
4).
Por considerar
Nietzsche como
um homem de uma
coragem
psicológica
imensa, busco
apoiar-me num
ponto de vista
histórico e por
isso insisto
aqui, através
deste singelo
escrito, em
apontar para um
fato legítimo:
Assim falou
Zaratustra
(e My Sister
and I, e
ainda outras
obras de
Nietzsche, como
Gaia Ciência)
é um registro
dedicado à trama
das regiões
interiores e
profundas
(segundo o vasto
território da
psique),
prestou-se
amplamente à
obra de Jung.
No que pese o
surto em 1889,
quando ele foi
hospitalizado e
considerado
louco pelo resto
da vida, nos
onze anos
seguintes, o
funcionamento
psicológico
interno do
filósofo alemão
estava muito
mais coerente
(ou intacto) do
que sua
aparência
externa poderia
sugerir.
Assim,
Nietzsche,
enquanto esteve
internado,
escreveu um
manuscrito e
conseguiu fazer
com que o texto
saísse
clandestinamente
com um paciente
que recebera
alta do
internamento. E
esse foi um
evento
significativo,
embora os
estudiosos de
suas obras ditas
filosóficas, no
geral, conspirem
silenciosamente
contra esse
texto porque,
segundo eles, à
medida que
denuncia fatos
psicológicos da
vida privada de
Nietzsche,
acabam por
depreciá-lo como
“filósofo”.
Essa pequena
obra foi
publicada com o
título My
Sister and I.
Um título
infeliz, e que
não foi
escolhido por
Nietzsche, mas
sim por seus
editores, para
expor o aspecto
mais escandaloso
(e amargo) do
texto, que trata
do sofrimento
familiar e
privado do autor
alemão.
Nietzsche, como
um tipo intuição
(e médium),
apreciado por
Jung, inaugurou
a época da
psicologia
profunda.
Como um pioneiro
da causa da
psicologia
profunda
emergente,
Nietzsche
documenta o
encontro moderno
com o Si-mesmo,
facilitando o
elaborar da
perspectiva
psicológica
junguiana – e
não que não
tenha havido
outros encontros
dessa natureza
(eixo
ego/Si-mesmo),
mas eles
permaneceram
secretos,
privados,
não-assimilados
e, portanto,
nunca tinham
sido
transmitidos
dessa maneira
peculiar à
coletividade.
Por fim, no
itinerário da
ciência da alma,
podemos
considerar, e
segundo as
coerentes
palavras do
junguiano E. F.
Edinger, a
existência da
personalidade
Nietzsche
como “uma
tragédia
heroica, um
sacrifício que
inaugurou a
época da
psicologia
profunda (...).
A experiência de
Nietzsche
preparou o
caminho para
Jung”
(2004, p. 72)
(itálicos
meus).
Dito então em
termos mais
simples: da
experiência
(sofrida e
árdua) de
Nietzsche para o
médico Jung,
para quem a
psique tornou-se
um objeto do
(seu) ego
subjetivo
observador... e,
enfim, para
todos nós (5),
um roteiro
psicológico
que pode ser
experimentado na
vivência
cotidiana, no
exercício
contínuo do
autoexame, pois
somos os felizes
aprendizes do
conhece-te a ti
mesmo e da
(vasta)
realidade
espiritual.
Algumas notas:
(1) Alejandro –
Espírito amigo.
(2) É sabido que
Jung, por
bloqueio
cultural e
receios
acadêmicos,
entre outros
motivos, foi
derrotado no
propósito
trazido para a
existência
terrena de levar
a realidade
espiritual para
o contexto da
psicologia.
Doutor Jung não
conseguiu
introduzir no
seu trabalho os
conceitos de
reencarnação,
preexistência e
sobrevivência do
ser à morte
corporal.
Cabia-lhe dar à
psicanálise de
seu tempo, e por
extensão à
psicologia, o
conteúdo
espiritual que,
paradoxalmente,
sempre lhe
faltou como
ciência da alma.
Hermínio C.
Miranda afirma:
Estou
convencido de
que a tarefa que
Jung programou
para essa
existência fora
a de colocar a
alma na
psicologia. Ao
cabo de anos e
anos de
hesitações e
ambiguidades,
foi convocado,
em
desdobramento, à
dimensão
invisível, onde
seus amigos e
mentores
espirituais o
advertiram
severamente de
que não estava,
‘lá em baixo’,
cumprindo o
compromisso que
assumira antes
de renascer. É o
que ele próprio
conta em suas
reveladoras
memórias
(cf. As Sete
Vidas de Fénelon,
Bragança
Paulista, SP:
Lachâtre, 2012,
p. 58).
(3) No
Zaratustra
de Nietzsche, a
figura
Zaratustra, a
reencarnação do
antigo profeta,
anuncia uma nova
moralidade.
Segundo os
estudiosos e
seguidores de
Jung, o que
Zaratustra
anuncia esta
visão de mundo
completamente
nova, é, na
realidade,
precursora da
psicologia
profunda. De
outro lado,
Assim Falou
Zaratustra é
a principal obra
do filósofo F.
Nietzsche
(1844-1900) e
tem como
concepção básica
o pensamento do
eterno
retorno,
condição
essencial para
que o homem
realize a
redenção do
passado,
eliminando o
modo ressentido
e reativo de
viver,
tornando-se apto
o ser humano a
criar o seu
próprio futuro
(segundo a
própria proposta
da
individuação
de Jung).
(4) Jung fala do
Si-mesmo, e da
relação deste
com o ego, sob
vários pontos de
vista. Em
Símbolos da
Transformação,
embora não
desenvolva o
conceito de
maneira
completa, Jung
anuncia o que
mais tarde irá
atribuir à
atividade
principal do
Si-mesmo: um
fator de
orientação/transformação
tanto do ego
como das partes
inconscientes da
personalidade.
(5) É claro que
a mensagem de
Jung revela-se
como um guia
seguro para
qualquer pessoa
que busca um
sentido e/ou
atividades
orientadoras que
o levem para a
sua
interioridade.
Contudo, coube
especialmente ao
Espírito Joanna
de Ângelis a
tarefa de fazer
o que não fez o
doutor Jung,
isto é, dar à
ciência da alma
(psicologia) o
conteúdo
espiritual até
então ausente,
porquanto não é
propriamente o
Espírito que tem
problemas para
resolver... Na
verdade, como
bem explica
Hermínio C.
Miranda, é a
alma, o ser
encarnado
(Cf. As Sete
Vidas de Fénelon,
Bragança
Paulista, SP:
Lachâtre, p. 56,
2012).
Referências:
Edinger, E. F.
Ciência da
Alma: uma
perspectiva
junguiana.
SP: Paulus,
2004.
Jung, C. G.
Memórias.
Sonhos.
Reflexões.
RJ: Ed. Nova
Fronteira, 1963.
Nietzsche, F.
Assim Falou
Zaratustra.
SP: Cia. das
Letras, 2006.
Miranda,
Hermínio C.
As Sete Vidas de
Fénelon.
Bragança
Paulista, SP:
Editora Lachâtre,
2012.