Em janeiro de 1933, pouco
após o lançamento do
Parnaso de Além-Túmulo,
Chico continuava trabalhando
no pequeno armazém de José
Felizardo. O salário era
minguado e Chico tinha um
outro suplício diário:
servir cachaça.
Foi então que recebeu a
visita do Dr. José Álvaro
Santos, poeta residente em
Belo Horizonte. Lera o livro
de Chico e desejou
conhecê-lo pessoalmente.
A família Xavier morava,
então, segundo as palavras
do próprio Chico, “numa casa
pequenina e prestes a cair”.
A família era numerosíssima.
Chico trabalhava das sete da
manhã às oito da noite,
atendendo no balcão ou
entregando mercadorias em
domicílio. O salário era de
quarenta mil réis.
José Álvaro comoveu-se com a
situação da família. Em
conversa particular com João
Cândido, disse que gostaria
de obter um bom emprego para
Chico na capital do Estado.
Mas, para isso, o rapaz
teria de acompanhá-lo a fim
de se enfronhar aos poucos
no ambiente
belo-horizontino. Chico
deveria permanecer três
meses com o novo amigo,
tentando arranjar colocação.
Pela manhã, João Cândido
chamou o filho de lado e
falou-lhe a respeito das
perspectivas que surgiam de
melhoria de vida. Era uma
excelente oportunidade para
melhorar a condição
econômica da família, muito
precária.
Chico nada respondeu. À
noite, no momento de rezar,
pediu a opinião de Emmanuel.
O Espírito esclareceu-lhe
que o plano era impróprio e
que ele deveria continuar
trabalhando na venda, pois
“o amparo de que
precisávamos viria do Alto
no momento oportuno”.
Chico resolveu não se
afastar de casa. No dia
seguinte, porém, o pai
voltou a insistir. Não seria
justo negar-se a auxiliar a
família. Sensibilizado, o
rapaz solicitou novo
conselho a Emmanuel. A
resposta veio direta: “A
tentativa é inoportuna e
desaconselhável, mas não
desejamos que contraries teu
pai. Já que a situação se
mostra assim difícil, podes
perfeitamente seguir para
Belo Horizonte, onde
ganharás conhecimentos e
experiência de que muito
necessitas. Não abandones a
prática da oração. Estaremos
contigo através da prece”.
A partir desse conselho, as
coisas se apressaram. João
Cândido obteve para o filho
uma licença de três meses no
armazém. Em companhia de
José Álvaro, Chico partiu
para Belo Horizonte, cidade
que ainda não conhecia.
Ficou hospedado numa
chácara, próxima ao bairro
da Gameleira, de propriedade
de um médico.
Iniciava-se uma nova
experiência para Chico. Logo
tornou-se íntimo da família
de José Álvaro, vindo a
conhecer vários intelectuais
mineiros de renome.
“Achei-me de improviso num
ambiente que eu não
conhecia. Muitos livros e
elevadas conversações
literárias. O meu protetor
me apresentava na condição
de médium do Parnaso de
Além-Túmulo e as
visitas, segundo creio,
julgavam que eu fosse pessoa
de muita cultura. Eu,
naturalmente, ouvia as
conversações em silêncio ou
respondia a essa ou àquela
pergunta por monossílabos.
Não sabia eu, então, cousa
alguma sobre os autores,
principalmente europeus, que
eram citados nas palestras.
Lembro-me que falavam muitas
vezes sobre trabalhos de
Crookes e Richet, quando se
referiam a investigadores da
mediunidade, e comentavam
poesias e trabalhos de
Baudelaire, Musset e outros
poetas cujos nomes não
guardei na lembrança, além
de vários poetas brasileiros
como Bilac, Alberto de
Oliveira, Augusto dos Anjos
e Cruz e Souza. Pelo tom das
palestras, eu percebi que a
maior parte dos visitantes
me supunha o autor do
Parnaso. Como eu receava
cometer disparates, em meio
de amigos tão cultos,
permanecia quase que em
absoluto silêncio”.
Mas o tempo passava e nada
do prometido emprego surgir.
Apesar de recorrer a vários
amigos seus, José Álvaro não
conseguia colocação para
Chico. Por seu lado,
esgotados os três meses,
Chico não mais podia
esperar.
Em março, quase findo o
prazo dos três meses, Chico
resolveu voltar a Pedro
Leopoldo. José Álvaro iria
para sua casa, em Lagoa
Santa. O médium resolveu
acompanhá-lo. Ali ficou
esperando condução para
Vespasiano, de onde tomaria
o comboio da Central do
Brasil para Pedro Leopoldo.
Enquanto aguardava a
condução, em Lagoa Santa,
Chico foi procurado por dois
amigos. Um deles disse que o
emprego em Belo Horizonte
sairia em breve. Estavam
sendo providenciados,
também, recursos para que
ele pudesse aprimorar sua
educação. E haveria outras
vantagens, beneficiando toda
a família. Chico exultou.
Foi então que o amigo lançou
a ducha fria: para conseguir
o emprego, ele deveria
renunciar ao Espiritismo e
declarar de público que o
Parnaso era obra sua.
Chico negou com veemência,
explicando de que forma os
Espíritos haviam escrito os
poemas através de suas mãos.
O amigo sorriu e perguntou
com um ar de desafio:
“Você conhece um passarinho
chamado sofrê?”
Chico respondeu que não.
“O sofrê é um pássaro que
imita os outros. Você nasceu
com a vocação desse
passarinho entre os poetas.
Não acredite em Espíritos.
Esses poemas que você julga
psicografar são seus,
somente seus.”
Entristecido com o ceticismo
do outro, o médium pensou em
Emmanuel, e imediatamente
ouviu uma voz ao seu lado:
“Volte a Pedro Leopoldo e
vamos trabalhar. Você não é
um sofrê, mas precisa sofrer
para aprender”.
E Chico voltou para o
armazém de Zé Felizardo,
para cortar linguiça, vender
cachaça, fazer entrega de
mercadorias em domicílio. A
temporada, no entanto, foi
breve. Pouco depois
ingressava na antiga
Inspetoria Regional do
Serviço de Fomento da
Produção Animal, órgão do
Ministério da Agricultura,
no cargo de auxiliar de
serviço.
(Texto extraído do livro
“Chico Xavier, Uma vida de
amor”, de Ubiratan Machado,
editora IDE.)
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