Intermundos: um
breve ensaio
sobre amor e
intimidade
Vem. Conversemos
através da alma.
Revelemos o que
é secreto aos
olhos e ouvidos.
(...) Fujamos
dos incrédulos
que só são
capazes
de entender se
escutam palavras
e veem rostos
-
(Encontro de
almas.)
Jalal ud-Din
Rumi.
Muitas vezes
temos de aceitar
como parte do
percurso humano
que os atritos
emocionais entre
o casal são
misteriosos ou
não admitem
intervenção de
racionalidade.
Mas às vezes
ressoam muito
destrutivos e
isto pode exigir
um apoio
especializado.
Além disso, com
o cristianismo e
sua repressão ao
mundo irracional
das emoções, a
partir da
prática
terapêutica,
notamos que a
variedade das
relações de
casal adota
inúmeras
maneiras de
conflitos que
alcançam, muitas
vezes, a ruína
da intimidade ou
de uma história
comum fecunda.
Assim, qualquer
reminiscência de
afeto,
admiração,
respeito,
gratidão vem
abaixo quando
confrontamos
vidas embotadas
de amarguras e
ressentimentos
familiares.
Ainda, no
decurso da
modernidade, as
forças complexas
de amor foram (e
são) reduzidas a
uma simplicidade
hipócrita à
medida que esta
última nos
remete a um
mimetismo
perigoso com
idealizações
pobres de
interioridade,
como o happy
end de
Hollywood –, e
infelizmente
adotado por
grande parte do
coletivo,
influenciando em
consequência
desastres
inevitáveis no
cenário privado
por sua
superficialidade.
Penso também que
o amor sempre
aparece em
oposição
excludente
ao poder, e
creio que é
assim porque,
quando aparece o
poder, com sua
carência de
formas e
comandos, pouca
coisa vai
prosperar em
termos de
confiança e
verdade para os
envolvidos no
relacionamento.
Na verdade,
quando o poder
regula a
relação, o peso
da vontade é
sempre
unilateral e, no
geral, as
necessidades
possuem
validez e
lastro de
“urgência”
apenas àquele
que domina o
relacionamento,
sendo isso muito
visível na
escolha dos
lugares para o
gozo das férias
ou mesmo os
critérios que
gerenciam os
papéis
domésticos, por
exemplo. Por sua
vez, isto
obedece
naturalmente ao
estereótipo da
família
patriarcal,
cujos enredos
ocultam, na
maioria das
vezes,
biografias
fracassadas e
feridas
emocionais
oriundas de
conflitos
variados que
chegam até o
ódio, mais ainda
quando existem
interesses
econômicos no
meio, ou mesmo
uma insatisfação
reprimida, no
geral nutrida
pela repressão
religiosa.
E se
paradoxalmente
nunca os humanos
foram tão
livres,
assistimos
diariamente a
casais que
viveram toda sua
vida odiando um
ao outro, em sua
maioria
mutilados por um
começo
idealizado, mas,
no tempo,
insustentável. E
este tipo de
casal pode ser
visto se
tiranizando um
ao outro
naqueles
intermináveis
almoços
familiares, cujo
protocolo obriga
domingos,
feriados, dias
santos. E essas
atitudes rudes,
incorrigíveis,
cruzam projeções
maciças de
emoções
negativas não
aceitas, muito
próprias a
relações onde ou
o amor tem um
significado
muito estreito,
ou um feeling
simultaneamente
positivo e
negativo tenha,
desde o início,
confundido o
casal.
Já a relação
amorosa
simétrica, à
qual poderíamos
nos afiliar,
porquanto nela é
difícil o
surgimento do
menosprezo
(mesmo porque,
caso ele
aparecesse,
implicaria o fim
do enredo
compartilhado),
os parceiros se
tratam e se
comunicam como
iguais.
Convivem sem
esquecer, na
presente
existência, de
contribuir para
que cada um
individualmente
desenvolva sua
perfectibilidade
possível
e no estágio
evolutivo em que
se encontra.
Creio mesmo que
seja tarefa do
casal estimular
as partes
vinculadas pelo
laço amoroso a
revelar sem medo
suas
características
individuais. Até
porque entre um
casal que vive
segundo as
regras de uma
democracia
emocional há
sempre o cuidado
atento para que
cada um dos
envolvidos seja
mais e mais
original, único,
com talentos e
virtudes
singulares – e
neste sentido é
também a relação
amorosa uma ação
educativa...
Assim, com
alegre lealdade
e por meio
também de um
mimetismo com
força erótica
interior, entre
o homem e a
mulher, a
intimidade é
celebrada em
seus níveis mais
superficiais e
mais profundos,
gerando riqueza
emocional para
os envolvidos, e
até mesmo para a
velhice, quando
o existir está
mais íntimo da
morte. Além
disso, ganham em
afeto e virtudes
importantes
também os
filhos, a
família e todos
aqueles que têm
contato com o
casal.
Minha avó
contava que
antigamente era
dito que os
casamentos se
celebram no céu.
Nada mais
verdadeiro para
almas
medianamente
esclarecidas e
que decidem, por
um ato de amor,
estagiar
aqui-por-enquanto
para compor uma
família.
E no rastro do
amor e dos
sentimentos
elevados,
reconhecem essas
almas que a
convivência
harmoniosa
exigirá, no
dia-a-dia,
afinidade sexual
e identidade de
ideais na vida.
Ainda
naturalmente
consideram que
ambos os
parceiros
poderão
criativamente,
munidos da arte
da atenção,
responder pela
longevidade do
relacionamento...