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Crônicas e Artigos

Ano 7 - N° 342 - 15 de Dezembro de 2013

EUGÊNIA PICKINA 
eugeniapickina@gmail.com
Campinas, SP (Brasil)

 
 


Intermundos: um breve ensaio sobre amor e intimidade

Vem. Conversemos através da alma. Revelemos o que é secreto aos olhos e ouvidos. (...) Fujamos dos incrédulos que só são capazes
de entender se escutam palavras e veem rostos
-
(Encontro de almas.) Jalal ud-Din Rumi.


Muitas vezes temos de aceitar como parte do percurso humano que os atritos emocionais entre o casal são misteriosos ou não admitem intervenção de racionalidade. Mas às vezes ressoam muito destrutivos e isto pode exigir um apoio especializado. 

Além disso, com o cristianismo e sua repressão ao mundo irracional das emoções, a partir da prática terapêutica, notamos que a variedade das relações de casal adota inúmeras maneiras de conflitos que alcançam, muitas vezes, a ruína da intimidade ou de uma história comum fecunda. 

Assim, qualquer reminiscência de afeto, admiração, respeito, gratidão vem abaixo quando confrontamos vidas embotadas de amarguras e ressentimentos familiares. 

Ainda, no decurso da modernidade, as forças complexas de amor foram (e são) reduzidas a uma simplicidade hipócrita à medida que esta última nos remete a um mimetismo perigoso com idealizações pobres de interioridade, como o happy end de Hollywood –, e infelizmente adotado por grande parte do coletivo, influenciando em consequência desastres inevitáveis no cenário privado por sua superficialidade. 

Penso também que o amor sempre aparece em oposição excludente ao poder, e creio que é assim porque, quando aparece o poder, com sua carência de formas e comandos, pouca coisa vai prosperar em termos de confiança e verdade para os envolvidos no relacionamento. 

Na verdade, quando o poder regula a relação, o peso da vontade é sempre unilateral e, no geral, as necessidades possuem validez e lastro de “urgência” apenas àquele que domina o relacionamento, sendo isso muito visível na escolha dos lugares para o gozo das férias ou mesmo os critérios que gerenciam os papéis domésticos, por exemplo. Por sua vez, isto obedece naturalmente ao estereótipo da família patriarcal, cujos enredos ocultam, na maioria das vezes, biografias fracassadas e feridas emocionais oriundas de conflitos variados que chegam até o ódio, mais ainda quando existem interesses econômicos no meio, ou mesmo uma insatisfação reprimida, no geral nutrida pela repressão religiosa. 

E se paradoxalmente nunca os humanos foram tão livres, assistimos diariamente a casais que viveram toda sua vida odiando um ao outro, em sua maioria mutilados por um começo idealizado, mas, no tempo, insustentável. E este tipo de casal pode ser visto se tiranizando um ao outro naqueles intermináveis almoços familiares, cujo protocolo obriga domingos, feriados, dias santos. E essas atitudes rudes, incorrigíveis, cruzam projeções maciças de emoções negativas não aceitas, muito próprias a relações onde ou o amor tem um significado muito estreito, ou um feeling simultaneamente positivo e negativo tenha, desde o início, confundido o casal.   

Já a relação amorosa simétrica, à qual poderíamos nos afiliar, porquanto nela é difícil o surgimento do menosprezo (mesmo porque, caso ele aparecesse, implicaria o fim do enredo compartilhado), os parceiros se tratam e se comunicam como iguais. Convivem sem esquecer, na presente existência, de contribuir para que cada um individualmente desenvolva sua perfectibilidade possível e no estágio evolutivo em que se encontra.  

Creio mesmo que seja tarefa do casal estimular as partes vinculadas pelo laço amoroso a revelar sem medo suas características individuais. Até porque entre um casal que vive segundo as regras de uma democracia emocional há sempre o cuidado atento para que cada um dos envolvidos seja mais e mais original, único, com talentos e virtudes singulares – e neste sentido é também a relação amorosa uma ação educativa... 

Assim, com alegre lealdade e por meio também de um mimetismo com força erótica interior, entre o homem e a mulher, a intimidade é celebrada em seus níveis mais superficiais e mais profundos, gerando riqueza emocional para os envolvidos, e até mesmo para a velhice, quando o existir está mais íntimo da morte. Além disso, ganham em afeto e virtudes importantes também os filhos, a família e todos aqueles que têm contato com o casal. 

Minha avó contava que antigamente era dito que os casamentos se celebram no céu. Nada mais verdadeiro para almas medianamente esclarecidas e que decidem, por um ato de amor, estagiar aqui-por-enquanto para compor uma família.  

E no rastro do amor e dos sentimentos elevados, reconhecem essas almas que a convivência harmoniosa exigirá, no dia-a-dia, afinidade sexual e identidade de ideais na vida. Ainda naturalmente consideram que ambos os parceiros poderão criativamente, munidos da arte da atenção, responder pela longevidade do relacionamento...   

 

 

 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita