559. Pode-se,
finalmente, ver nos
“Annales des Sciences
Psychiques”, de agosto
de 1905, a narrativa de
um caso descrito pelo “Messagero”,
de Roma:
“Um certo Marino Tonelli,
de 27 anos de idade,
residente em Rancidello
(República de San
Marino), regressava a
casa, em seu cabriolé,
na noite de 13 de junho.
Adormecera e, ao passar
por um lugar perigoso da
estrada, conhecido sob a
denominação de Coste di
Borgo, de repente
sentiu-se violentamente
sacudido e despertou.
Achou-se estendido num
campo, ao fundo de
pequena ribanceira, por
onde acabava de rolar
com o cavalo e o
cabriolé. Felizmente não
estava ferido e
começara, com o auxílio
de algumas pessoas que o
haviam acudido, a pôr a
salvo sua pequena
equipagem, quando viu
aparecer, com grande
espanto, sua mãe. A
pobre senhora, chorando
de comoção, o abraçou,
perguntando-lhe se não
se machucara e
acrescentou: – Eu te vi,
sabes? Não conseguia
dormir. Tua mulher e os
teus dois pequeninos já
estavam dormindo há
algum tempo; mas eu
sentia uma inquietação,
um mal-estar
extraordinário,
desconhecido, que não
podia explicar. De
repente vi aparecer
diante de mim este
caminho, exatamente este
lugar, com a ribanceira
ao lado; vi o cabriolé
virar e seres
precipitado neste campo;
tu me chamavas em teu
socorro. Senti, por
último, a necessidade
irresistível de aqui vir
e, sem despertar pessoa
alguma, resistindo ao
pavor da solidão, da
obscuridade e da
tempestade ameaçadora,
aqui estou, depois de
uma caminhada de quatro
quilômetros.” O
correspondente do
“Messagero” termina
dizendo: “Aí está o
fato, aí a narrativa
exata que colhi dos
lábios, ainda trêmulos
de comoção, dessa
honrada gente.”
560. De acordo com uma
indagação a que procedeu
ao Senhor Francesco, a
inquietação da mãe do
rapaz precedeu de
algumas horas a visão do
acidente, e este ocorreu
três quartos de hora
depois da visão, isto é,
o tempo necessário para
percorrer a pé a
distância que separa a
casa dos Tonelli do
lugar do acidente.
561. A premonição e os
pressentimentos são
difíceis de analisar-se,
do ponto de vista
científico. Não são
explicáveis, senão em
certos casos, quando o
acontecimento
pressentido tem
precedentes, subjetivos
ou objetivos. Na maioria
dos casos, porém, os
fatos anunciados nada
oferecem que se preste à
ideia de sucessão ou
encadeamento.
562. Donde vem o poder
de certas almas, de
lerem no futuro? Questão
profunda e obscura, que
causa vertigem como o
abismo, e que não
propomos sem uma certa
perturbação, porque a
sentimos quase insolúvel
para a nossa mesquinha
ciência. Do mesmo modo
que, girando no espaço,
cada mundo se comunica,
através da noite, com a
grande família dos
astros pelas leis do
magnetismo universal,
assim também a alma
humana, centelha emanada
do Divino Foco, se pode
comunicar com a grande
Alma eterna e dela
receber instruções,
inspirações, lampejos
instantâneos.
563. Desta explicação
podem sorrir os
cépticos. Não é, porém,
de nossa elevação para
Deus que derivam as
forças vivas, os
socorros espirituais,
tudo o que nos
engrandece e faz
melhores? Cada um de nós
possui, nas profundezas
de seu ser, como que uma
fresta rasgada sobre o
infinito. No estado de
desprendimento psíquico
– sonho, êxtase, transe
– o círculo de nossas
percepções se pode
dilatar em proporções
incalculáveis; entramos
em contacto com a imensa
hierarquia das almas e
dos poderes celestes.
Gradual e
sucessivamente, pode o
espírito remontar até à
Causa das causas, à
Inteligência divina,
para quem o passado, o
presente e o futuro se
confundem num todo
único, e que do conjunto
dos fatos conhecidos
sabe deduzir todas as
consequências que
comportam.
564. XIV - Visão e
audição psíquicas no
estado de vigília –
A visão e audição
psíquicas em estado de
vigília estão ligadas
aos fenômenos de
exteriorização, neste
sentido: necessitam de
um começo de
desprendimento no
percipiente. Não se
trata mais de fatos
fisiológicos ou de
manifestações do ser
vivo, a distância, e sim
de uma das formas de
mediunidade.
565. Na visão espírita,
a alma do sensitivo já
se acha parcialmente
exteriorizada, isto é,
fora do organismo
material. Sua faculdade
própria de visão se vem
acrescentar ao sentido
físico da vista. Às
vezes a substituição
deste pelo sentido
psíquico é completa.
Demonstra-o o fato de,
em certos casos, o
médium ver com os olhos
fechados. Fui muitas
vezes testemunha desse
fenômeno.
566. Convém ter o
cuidado de distinguir a
clarividência da visão
mediúnica. Acontece que
sonâmbulos muito
lúcidos, no que se
refere aos seres e às
coisas deste mundo, são
inteiramente cegos a
respeito de tudo o que
concerne ao mundo dos
Espíritos. Prende-se
isso à natureza das
irradiações fluídicas de
seu invólucro
exteriorizado e ao modo
peculiar de adestramento
a que os submete o
magnetizador. É o que
distingue o estado de
simples lucidez do de
mediunidade. Neste
último caso, já não é o
magnetismo humano que
intervém. O vidente se
acha sob a influência do
Espírito que sobre ele
opera, visando produzir
determinada
manifestação. Provocando
o estado de
semidesprendimento,
faculta ao sensitivo a
visão espiritual.
567. O sentido psíquico,
como vimos, é muito mais
sutil que o sentido
físico; pode distinguir
formas, radiações,
combinações da matéria
que a vista normal não
seria capaz de perceber.
Para tornar mais
distinta sua aparição, o
Espírito muitas vezes
recorre a um começo de
materialização.
Objetiva-se mediante as
forças hauridas nos
assistentes. Nessas
condições, sua forma
fluídica penetra no
campo visual do médium e
pode mesmo, em certos
casos, impressionar a
placa fotográfica.
568. Os videntes
descrevem os Espíritos
com particularidades que
são outros tantos
elementos de
comprovação. Depois vem
a fotografia confirmar,
ao mesmo tempo, a
fidelidade da descrição
e a identidade dos
Espíritos que se
manifestam. Estes são
muitas vezes
desconhecidos dos
médiuns.
569. No grupo de estudos
psíquicos de Tours, de
1897 a 1900, possuíamos
três médiuns videntes,
auditivos e de
incorporação. Antes de
adormecerem, feita a
obscuridade, eles
divisavam, ao pé de cada
um dos assistentes,
Espíritos de parentes ou
de amigos que nomeavam
quando os conheciam, ou
que descreviam
minuciosamente quando os
viam pela primeira vez.
Nesse caso, a descrição
era tal que, conforme a
atitude ou o vestuário,
os assistentes
reconheciam facilmente a
personalidade do
manifestante. Além
disso, os médiuns ouviam
e transmitiam a
linguagem dos Espíritos
e os desejos que estes
formulavam.
570. A impressão
produzida nos videntes
variava de modo muito
sensível, conforme o
desenvolvimento das
faculdades mediúnicas ou
o adiantamento dos
Espíritos. Onde uns só
distinguiam um ponto
brilhante, uma chama,
outro via uma forma
radiosa. O mesmo
acontecia com a audição,
que variava de
intensidade e precisão
conforme os sensitivos.
Enquanto um não percebia
mais que um vago som,
uma simples vibração,
outro escutava uma
harmonia doce e
penetrante que o comovia
até às lágrimas.
571. O estado de
adiantamento do
Espírito, como o
sabemos, se revela, à
primeira vista, no
Espaço, pelo brilho ou
obscuridade do seu
invólucro. Em nossas
experiências, já os
videntes reconheciam o
grau de elevação das
almas pela intensidade
de suas irradiações.
Muitas vezes fizemos
este reparo: médium
acordado, com os olhos
abertos, percebia um
certo número de
Espíritos de todas as
ordens. Fechados os
olhos, distinguia
somente alguns deles, os
mais adiantados, aqueles
cujas irradiações sutis
– a exemplo dos raios X
em relação às placas
fotográficas – podiam,
através das pálpebras
cerradas, influenciar o
sentido visual.
572. A História está
cheia de fenômenos de
visão e de aparição. Na
Judeia, a sombra de
Samuel exorta Saul. No
mundo latino aparecem
fantasmas a Numa, Brutus
e Pompeu. Os anais do
Cristianismo são ricos
em fatos desse gênero.
Na Idade Média os mais
notáveis fenômenos de
visão e audição
conhecidos são os de
Joana d'Arc. A essa
virgem incomparável, o
mais portentoso dos
médiuns que já produziu
o Ocidente, é que se
deverá sempre recorrer,
toda vez que se quiser
citar brilhantes provas
da intervenção do mundo
invisível em nossa
História.
573. A vida inteira da
heroína está cheia de
aparições e vozes,
sempre idênticas, e que
jamais são desmentidas.
Nos vales de Domrémy,
nos campos de batalha,
em presença de seus
arguidores de Poitiers e
dos juízes de Ruão, por
toda parte a assistem e
inspiram os Espíritos.
Suas “vozes” ressoam-lhe
aos ouvidos, marcando
sua tarefa cotidiana e
imprimindo à sua vida
uma direção precisa e um
glorioso objetivo. Elas
anunciam acontecimentos
que, sem exceção, se
realizam. Em seu
doloroso encarceramento,
essas vozes a encorajam
e consolam: “Leva tudo
com paciência; não te
inquietes com o teu
martírio; chegarás por
fim ao reino do
paraíso”. E os juízes,
a quem ela comunica
esses colóquios,
aparecem desassossegados
com semelhante predição,
cujo sentido
compreendem.
574. A todas as
perguntas pérfidas,
insidiosas, que lhe
dirigem, as vozes ditam
a resposta e, se esta se
fez esperar, ela o
declara: “Louvar-me-ei
em meu conselho”. Quando
as vozes se calam,
abandonada a si mesma,
ela não é mais que uma
mulher; fraqueja, se
retrata, se submete.
Durante a noite, porém,
a voz se faz novamente
ouvir. E ela o repete
aos seus juízes: “A voz
me disse que era pecado
abjurar; o que eu fiz
está bem feito”.
575. Certos sensitivos
só obtêm a visão por
meio de objetos em que
se concentra o
pensamento dos Espíritos
sob a forma de imagens
ou quadros, como, por
exemplo, um copo d'água,
um espelho, um cristal.
Quando o Espírito é
impotente para fazer
vibrar o cérebro do
médium ou provocar uma
exteriorização
suficiente, impregna de
fluidos os objetos que
acabamos de indicar;
faz, pela ação da
vontade, aparecerem
imagens, cenas muito
nítidas, que o sensitivo
descreverá em suas
menores particularidades
e que outros assistentes
poderão igualmente ver.
576. Eis aqui um dos
casos mais notáveis,
assinalado pelo “Light”
de 16 de fevereiro de
1901. O Espírito de um
homem assassinado faz
encontrarem seu corpo, a
princípio por meio da
visão no cristal, e
depois, diretamente,
pelos sentidos psíquicos
do médium:
“O Sr. Perey-Foxwell,
corretor de câmbio,
residente em Thames
Ditton, a pequena
distância de Londres,
saiu de casa no dia 20
de dezembro de 1900,
pela manhã, e dirigiu-se
para seu escritório, na
cidade. Aí não apareceu
ele nesse dia nem nunca
mais. Verificado o seu
desaparecimento, a
polícia procedeu a
longas e minuciosas
pesquisas, mas
inutilmente.
Desesperançada, a Sra.
Foxwell recorreu a um
médium, o Sr. Von Bourg,
que obteve, em um
espelho, a visão do
corretor de câmbio,
vivo, e depois o seu
corpo debaixo d’água.
Numa outra sessão o
médium vê um Espírito de
pé junto à Sra. Foxwell,
indicando com
insistência um relógio,
uma cadeia e berloques
que tem na mão. Naquele
se vê gravado um nome. A
Sra. Foxwell, pela
descrição, reconhece seu
marido e o relógio,
graças ao qual pôde mais
tarde ser o corpo
identificado. O Espírito
pede que procurem seu
despojo e promete
conduzir o médium ao
lugar em que foi lançado
à água. Faz-se uma nova
reunião, e o Espírito
desenha, pelo punho do
Sr. Von Bourg, a planta
do caminho que será
preciso percorrer.
Acompanhado de muitos
amigos do finado, o
médium toma esse caminho
e segue-lhe todas as
sinuosidades.
Experimenta a
repercussão muito viva
das impressões sentidas
pela vítima. No próprio
local em que esta foi
ferida, quase perdeu os
sentidos. Tiveram que
percorrer diversas
veredas, contornar
casas, transpor
barreiras, como o haviam
feito os assassinos.
Toda vez que vacilavam
na direção a tomar, os
médiuns – Srs. Von Bourg
e Knowles – viam
claramente o Espírito
adiante deles indicando
o caminho. Chegaram
finalmente à borda de um
riacho, de águas
tranquilas e profundas.
‘É aqui!’ declararam os
médiuns. Mas havia já
anoitecido, e foi
preciso voltar ao ponto
de partida. No dia
seguinte fizeram-se
pesquisas. Indivíduos
munidos de varas
sondaram o fundo do
riacho; e, pouco depois,
abaixo do sítio em que
se faziam as sondagens,
mesmo no lugar em que o
riacho se encontra com o
Tâmisa, viu-se boiar um
cadáver à flor d’água.
Um relógio, encontrado
com o fúnebre despojo,
permitiu reconhecer o
corpo do Sr. Foxwell.
Uma permanência de seis
semanas debaixo d’água
dera lugar à
decomposição das carnes.
O corpo se achava
revestido com os objetos
descritos pelo médium.
Pôde-se então reconhecer
a identidade, não
somente pela presença do
relógio e dos berloques,
como também por certas
particularidades
observadas nos dentes,
etc.”
577. O professor Bessi
relata na “Revue des
Études Psychiques” (maio
de 1901) um outro
fenômeno de visão
espontânea, de que foi
testemunha em uma casa
mal-assombrada da
Úmbria. O caso é tanto
mais digno de nota
quanto o professor,
segundo sua própria
confissão, era
absolutamente refratário
a toda ideia espírita:
“Trabalhava ele alta
noite, escrevendo as
derradeiras páginas de
uma brochura que ia
publicar, quando de
repente se apagou a
lâmpada. O gabinete
continuava, entretanto,
iluminado por débil
claridade um tanto
fosca. Diante dele um
espelho refletia uma luz
ainda mais viva e, com
ela, um quarto e móveis
que lhe eram
desconhecidos. Uma
senhora idosa, sentada
em frente a uma mesa,
escrevia lentamente, em
atitude muito absorta;
meteu depois a folha
escrita em um envelope,
que guardou na gaveta.
Por último encostou a
cabeça no espaldar da
poltrona e pareceu
adormecer. A luz se
extinguiu e a visão
desapareceu. Horas
depois, vinha o
professor a ter notícia
do falecimento de uma
tia de sua mulher, a
qual havia sido
encontrada morta, em sua
poltrona, encontrando-se
também na gaveta da mesa
um testamento hológrafo”.