Boca torta
Hilário Silva
Antes de sair
para lecionar
Evangelho às
crianças, no
templo espírita,
Da. Rosália
chamou a jovem
que lhe atendia
à cozinha e,
guardando certa
porção de
goiabada no
armário, avisou:
–
Guilhermina,
peço que reserve
o doce para as
visitas que
estou esperando.
Daí a instantes,
Joaninha, a
caçula da casa,
veio à copa e
retirou da
prateleira
pequeno bolo que
destinava a uma
colega que
sempre lhe pedia
merenda. E
seguiu a
mãezinha para a
aula.
A
preleção do dia
versava sobre a
mentira, e
perante mais de
trinta crianças
Da.
Rosália contou
vários casos
fatais de
meninos
mentirosos, como
aquela história
do garoto que
enganava sempre
a todos e acabou
morrendo
afogado, porque
julgavam
estivesse a
brincar.
A
miúda assembleia
escutava com
assombro.
–
E depois disso
tudo –
esclarecia a
professora –,
sempre ouvi
dizer que as
pessoas
mentirosas
trazem defeitos
na boca. Algumas
perdem a língua,
outras ficam de
lábios tortos.
Finda a aula,
todos os meninos
estavam muito
bem
impressionados.
De novo em casa
e ao tomar os
chinelos para
descanso, a dona
de casa é
procurada por
jovem da
vizinhança.
–
Da. Rosália –
diz respeitosa
–, tia Cota
mandou pedir à
senhora um
pedaço de
goiabada, se a
senhora tiver...
–
Ah! minha filha,
hoje não temos
doce algum – foi
a resposta.
Joaninha, porém,
que ouvia em
silêncio, falou
de pronto:
–
Tem sim, mamãe.
–
Ora essa! –
disse a
mãezinha,
desapontada –
acaso teremos
doces sem que eu
saiba?
–
Está no armário.
Vamos lá.
Da. Rosália
seguiu a
filhinha e
confirmou que
realmente se
enganara e,
sorrindo, embora
corada de
vergonha,
entregou toda a
goiabada
existente à
vizinha, que se
despediu com
sincero
agradecimento.
Em seguida, a
professora de
Evangelho
sentou-se
pensativa...
Mas, ao vê-la
nesse estado, a
pequenina, que
não passava dos
cinco anos de
idade,
abeirou-se dela,
abraçou-a e
disse
simplesmente:
–
Mãezinha, eu sei
que a senhora
não sabia onde
estava a
goiabada. Eu
tive, foi, muito
medo de a
senhora ficar
com a boca
torta...
Da. Rosália,
porém, afagou-a,
com mais
carinho, e
falou:
–
Não se preocupe,
minha filha.
Tudo está muito
bem. Nossas
visitas de hoje
não terão doce,
mas sua mãe terá
a consciência
tranquila.
Do cap. 23 do
livro A Vida
Escreve, de
Hilário Silva,
obra
psicografada
pelo médium
Francisco
Cândido Xavier.