ALEXANDRE FONTES
DA FONSECA
a.f.fonseca@bol.com.br
Campinas, SP
(Brasil)
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A pulga, o
cientista e
Kardec
Michio Kaku em
seu livro
Hiperespaço
[1], ao falar
sobre os enganos
e desenganos no
processo de
“fazer ciência”,
conta-nos uma
interessante e
divertida
história que
reproduzimos a
seguir. O
título: “o
cientista e a
pulga”:
Um cientista
treinou uma
pulga para pular
toda vez que uma
sirene fosse
tocada. Com a
ajuda de um
microscópio, ele
anestesiou uma
das perninhas da
pulga e tocou a
sirene. A pulga
pulou. O
cientista
anestesiou,
então, outra
perninha e tocou
a sirene. A
pulga novamente
pulou. Ele
repetiu o
processo
anestesiando
perninha por
perninha,
tocando a sirene
e verificando,
sucessivamente,
o pulo da pulga.
Porém, após
anestesiar a
última perninha,
a pulga não mais
pulou, não
importando
quantas vezes ou
com que
intensidade a
sirene era
tocada. O
cientista,
então, proferiu
solenemente sua
conclusão: as
pulgas ouvem
pelas pernas!
Kaku usou essa
história para
explicar as
razões do
elevado número
de esquemas
incorretos que
os físicos, na
década de 60,
criaram para
explicar a
enorme
quantidade de
dados
experimentais
sobre as
chamadas
partículas
elementares,
isto é, as
partículas
subatômicas que
compõem e
estruturam a
matéria. Nas
palavras de
Michio Kaku [1]:
“À medida que
centenas de
partículas
‘elementares’
eram descobertas
nos entulhos de
átomos
despedaçados, os
físicos de
partículas iam
propondo
inúmeros
esquemas para
explicá-las,
todos malfadados”.
Hoje, o chamado
Modelo Padrão
[2] é a teoria
que melhor
descreve as
partículas
elementares.
É fácil perceber
a ingenuidade
contida na
história do
cientista e a
pulga porque
conhecemos a
fisiologia da
pulga para saber
que pernas
não escutam.
A falta de
pernas é que
explica a
falta de reação
da pulga quando
a sirene era
soada, mas não
que a pulga
escuta pelas
pernas. Embora
pareça difícil
acreditar, com
frequência
cientistas
experientes
cometem erros
que,
posteriormente,
são percebidos
serem tão pueris
quanto o da
história acima.
Isso acontece
toda vez que um
campo novo de
pesquisas se
inicia, que
fenômenos novos
e inexplorados
surgem. A
história da
ciência possui
vários casos
desse tipo para
ilustrar. Por
essa razão, hoje
em dia, os
cientistas são
muito cautelosos
em apresentar
propostas,
teorias e
conclusões como
definitivas,
pois eles sabem
que elas podem
ser substituídas
por outras
ideias melhores
a qualquer
momento, que
novos
experimentos
podem mostrar
novos aspectos
do mesmo
fenômeno. É
oportuno
comentar que
esse aspecto
cuidadoso da
Ciência foi
destacado por
André Luiz no
prefácio da obra
Mecanismos da
Mediunidade [3]:
“Aliás,
quanto aos
apontamentos
científicos
humanos, é
preciso
reconhecer-lhes
o caráter
passageiro,
no que se refere
à definição e
nomenclatura,
atentos à
circunstância de
que a
experimentação
constante induz
os cientistas
de um século
a considerar,
muitas vezes,
como superado o
trabalho dos
cientistas que
os precederam”.
(Grifos nossos).
O movimento
espírita tem
enorme interesse
pelas novidades
da Ciência. Isso
decorre do
caráter
progressista do
Espiritismo que,
nas palavras de
Kardec (item 55
do cap. I de A
Gênese [4]), “assimilará
sempre todas as
doutrinas
progressivas, de
qualquer ordem
que sejam...”.
Porém, como nós
espíritas, em
geral, não
conhecemos os
rigores
profissionais da
atividade de
pesquisa, muitas
vezes tomamos
como verdades
definitivas
afirmativas e
novidades que
não passam de
hipóteses
exuberantes e
sistemas
pessoais. O que
acontece é que
nos esquecemos
de prestar
atenção ao que
Kardec disse
logo em seguida
à afirmação
acima: “...
desde que hajam
assumido o
estado de
verdades
práticas e
abandonado o
domínio da
utopia, sem o
que ele se
suicidaria”.
Isto é, o
Espiritismo deve
(e irá)
assimilar o
progresso das
ciências, mas na
medida em que
esse progresso
estiver bem
consolidado, bem
compreendido,
demonstrado e
confirmado pela
respectiva
comunidade
científica.
Nisso, sem
condições de
perceber que não
passam ainda de
utopias, e em
nome de
valorizar
cientificamente
o Espiritismo,
temos dado valor
a certas
novidades cujos
erros são tão ou
mais graves do
que acreditar
que as pulgas
ouvem pelas
pernas...
Exemplos podem
ser encontrados
nos artigos das
referências [5]
e [6].
E o que Kardec
teria a ver com
a história do
cientista e a
pulga? Aqui,
desejamos
destacar a
sensatez e
seriedade de
Kardec perante
os fenômenos
espíritas. Muito
à frente de sua
época, ao invés
de apresentar
conclusões
apressadas ou
formular
explicações com
base em teorias
vigentes à
época, Kardec
adota a postura
científica séria
e prudente de
observar
extensamente
esses fenômenos
antes de propor
explicações
definitivas. Em
outras palavras,
Kardec não caiu
na mesma
tentação do
cientista da
história da
pulga, que
concluiu
(apressadamente)
que as pulgas
escutariam pelas
pernas.
Curioso notar
que, na medida
em que Kardec
desenvolvia seus
estudos e
divulgava a
Doutrina
Espírita, os
críticos e
materialistas
começaram a agir
da mesma forma
que o cientista
da história da
pulga.
Apressadamente
propuseram
teorias e
explicações para
os fenômenos
espíritas –
alucinação,
fluido
magnético,
reflexo do
pensamento,
superexcitação
cerebral,
estado
sonambúlico,
estalido de
músculo [7,
8] – quando não
usaram de má-fé
para considerar
que tudo não
passava de
simulação e
fraude. O Leitor
é referido ao
capítulo IV da
1ª parte d’O
Livro dos
Médiuns [7] para
ver a análise e
contrarresposta
de Kardec a cada
uma dessas
propostas
precipitadas.
Aqui, como
exemplo de
lucidez e bom
senso,
reproduziremos
um comentário de
Kardec a
respeito da
hipótese do
estalido de
músculo que
foi proposta por
um médico para
explicar o
fenômeno de
batidas que os
Espíritos
realizavam: “Reconheçamos,
pois, que ele
[o médico]
julgou sem
ter visto, ou
sem ter
observado tudo e
observado bem.
É sempre de
lamentar que
homens de
ciência se
afoitem a dar,
do que não
conhecem,
explicações que
os fatos podem
desmentir. O
próprio saber
que possuem
devera torná-los
tanto mais
circunspectos,
em seus juízos,
quanto é certo
que esse saber
afasta deles os
limites do
desconhecido”.
(Kardec, item 41
de O Livro dos
Médiuns [7]. Os
grifos em
negrito são
meus.)
Essas teorias
poderiam, quando
muito, explicar
alguns fenômenos
isolados, mas
eram incapazes
de explicar o
conjunto extenso
de fenômenos
espíritas que só
a observação
cuidadosa e
atenta era capaz
de perceber. De
maneira
verdadeiramente
científica, sem
se deixar levar
por alguma
*conclusão
apressada*,
Kardec conclui a
formulação de
uma doutrina
consistente e
robusta, que não
somente revela a
existência da
alma e os meios
de comunicação
com os chamados
“mortos”, mas
demonstra,
através da razão
e dos fatos (as
comunicações
mediúnicas), a
importância da
prática da
caridade.
Recomendamos a
leitura da
resposta dada
por Kardec ao
cético em O
Que É o
Espiritismo [8],
questão sob o
título “Origem
das Ideias
Espíritas
Modernas” da
qual, por falta
de espaço,
reproduzimos
apenas o
comentário
final: “Tal
é, em poucas
palavras,
cavalheiro, a
história do
Espiritismo: bem
vedes, e
reconhecereis
ainda melhor
quando o
tiverdes
estudado a
fundo, que
tudo nele é o
resultado da
observação e não
de um sistema
preconcebido”.
(Grifos em
negrito, meus.)
Isso demonstra
que o
Espiritismo não
foi concebido a
partir de poucas
observações, sem
ter sido
bastante
refletido, ou
ainda, sem a
revisão dos bons
Espíritos.
A abrangência
moral do
Espiritismo só
pode ser
apreendida a
partir do estudo
da Doutrina como
um todo. Não foi
à-toa que
passados mais de
um século e
meio, o
Espiritismo
permanece firme
e inalterado
mesmo diante das
revoluções por
que passaram as
diversas
disciplinas
científicas. As
razões disso são
simples: por ser
uma Doutrina
fortemente
vinculada aos
fenômenos e
fatos [9], ela é
naturalmente
robusta, pois
fenômenos e
fatos
representam a
linguagem da
Natureza que,
por si, é quem
bate o martelo a
respeito das
teorias que são
ou não válidas
para a
Humanidade.
O Leitor amigo
que se interessa
pelo estudo do
Espiritismo e é
atuante no
Movimento
Espírita, sempre
que se deparar
com novidades
científicas ou
mediúnicas,
deve-se
perguntar se
conhece o
bastante a
respeito dessas
novidades para
formar uma
opinião segura a
respeito, e se
perceber que
pode cair na
mesma situação
do cientista
e a pulga, a
melhor
alternativa é
seguir a
recomendação de
Erasto (item 230
de O Livro dos
Médiuns [7]): “É
melhor repelir
dez verdades do
que admitir uma
única falsidade,
uma só teoria
errônea”.
Se desejamos de
fato trabalhar
pelo caráter
progressivo do
Espiritismo,
sigamos o
exemplo do
Codificador, de
paciência,
cautela,
seriedade e
prudência no
trato e pesquisa
de novos
fenômenos e
novas teorias.
Só assim
contribuiremos
de modo seguro
para o avanço de
nossa amada
Doutrina.
Referências:
[1] M. Kako,
Hiperespaço,
Editora Rocco
(2000).
[2] M. A.
Moreira, “O
Modelo Padrão da
Física de
Partículas”,
Revista
Brasileira de
Ensino de Física
31, p. 1306
(2009).
[3] A. Luiz,
Psicografia de
F. C. Xavier,
Mecanismos da
Mediunidade,
Editora FEB, 11ª
Edição (1990).
[4] A. Kardec,
A Gênese,
Editora FEB, 36ª
Edição, Rio de
Janeiro (1995).
[5] A. F. da
Fonseca, “A Obra
a ‘Física da
Alma’ e o
Espiritismo”,
O Consolador
188
(2010),
http://www.oconsolador.com.br/ano4/188/especial.html,
acessado em 1º
de Julho de
2012.
[6] A. F. da
Fonseca,
“Análise
Científica da
Apometria”, O
Consolador
289 (2012),
http://www.oconsolador.com.br/ano6/289/especial.html.
[7] A. Kardec,
O Livro dos
Médiuns, Ed.
FEB, 1ª Edição,
Rio de Janeiro
(2008).
[8] A. Kardec,
O Que É o
Espiritismo,
Editora FEB, Rio
de Janeiro
(2006).
[9] A. F. da
Fonseca,
“Permanentes
Mudanças e
Permanência”,
Revista
Internacional de
Espiritismo
2, p.93, (2003).