EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
Campinas, SP
(Brasil)
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Tessituras
“Se não
quisermos
permitir que o
mundo mergulhe
no caos, devemos
libertar o amor
preso no coração
de todos os
seres humanos.”
– Nikos
Kazantzakis.
A vida é música
contínua,
tessituras de
forças e ritmos
invisíveis que
impulsionam as
criaturas e suas
ímpares jornadas
rumo à evolução
e à felicidade.
Por isso, sem
amor e altruísmo
a existência se
decompõe e
estiola e, desse
modo, passamos a
viver
aterrorizados de
olhar para
dentro e,
sem contato
interior,
teremos
certamente
pobres
referenciais
para compor a
própria
biografia e
desfrutar de um
apoio externo
mais adequado às
nossas
necessidades
evolutivas.
Mas de uma
maneira muito
clara, ainda que
muitos duvidem,
a evolução
remete
necessariamente
à
espiritualização,
o que, por sua
vez, significa
para a
humanidade atual
o surgimento
gradativo de um
novo “tipo
humano”. Logo,
indivíduos mais
percucientes,
intuitivos,
sensíveis,
cooperativos e,
em consequência,
menos rudes,
obtusos,
egoístas,
competitivos ou
indiferentes. Ou
seja: o ser
humano peculiar
a este milênio
está, e estará,
a elaborar seu
registro
biográfico
principalmente
por meio de
comportamentos e
atitudes que
revelam Deus de
forma muito mais
efetiva.
E se por
enquanto,
conforme a
antropologia e a
psicologia
mostraram, os
humanos tendem a
tratar os “de
fora” pior do
que os membros
do seu próprio
grupo, porque,
segundo
Eibe-Eiberfeldt
(1989), a
socialidade
afiliativa
(laços de
pertença ao
grupo) que
governa as
relações grupais
humanas decresce
à medida que o
grupo aumenta
(1), vivemos
agora num mundo
em que as
questões
emocionais e os
dramas éticos
estão
globalizados e,
no geral, isso
demonstra que a
situação da
humanidade
modificou
bastante o
cenário
evolutivo dos
milênios
anteriores.
Assim, embora
continuemos a
escolher
pertencer a
pequenos grupos
e as nossas
tendências
altruístas se
inclinem a
beneficiar em
primeiro lugar
os nossos
familiares e, na
sequência, o
nosso grupo,
para somente
então a
comunidade, os
movimentos de
solidariedade
coletiva a que
assistimos com
frequência nos
diversos locais
do mundo, a
reflexão
contemporânea
sobre o
inexorável
direito aos
direitos, os
dilemas
socioambientais
refletem
felizmente a
presença de uma
compreensão mais
compassiva, mais
alargada, acerca
do sentido
coletivo da
vida. Por sua
vez, isso nos
serve desde já
de base
cognitiva
excelente para
articular e
eleger ações
cooperativas
como soluções
para os
problemas e
desafios que
desagregam a
nossa Casa
comum.
De outro lado,
mesmo que no
cenário global
ainda o vínculo
moral e afetivo
seja frágil, as
pessoas buscam
cada vez mais
estender sua
capacidade de
empatia ao
conjunto do
planeta.
Assim, caso
concordemos com
o biólogo e
pesquisador
holandês, Frans
de Waal, quando
ele afirma que
“os humanos são
ricos de
tendências
sociais”, creio
que começamos de
fato a perceber
nas relações
humanas a
presença
cada vez mais
dominante de
altruísmo,
bondade, ou
seja, de
comportamentos
de cooperação,
respeito,
solidariedade. E
isto em silêncio
avisa que
“existe outro
mundo, que é
este aqui”...
Com isso
naturalmente
podemos
pressentir que
estamos diante
de um modus
vivendi
cujas tendências
altruístas são
espontaneamente
aptas a
transcender os
muros de nossa
casa individual
para abarcar e
afetar,
positivamente, a
comunidade mais
alargada, pois
através de
conquistas
evolutivas
(biológicas e
sociais) estamos
no tempo de
agora mais
cientes de que
nosso futuro
comum
depende,
enquanto
experiência de
significado, da
realidade que
nos pertence
como
seres-em-relação.
Não é preciso
dispender muito
esforço para que
notemos o quanto
a compaixão, por
exemplo, é uma
emoção
fundamental para
nossa sanidade
mental,
especialmente
para quem vive
ilhado nas
grandes cidades
e seus (nossos)
entulhos de
miséria – uma
financiadora
cruel da
violência e da
intolerância.
E, sobretudo em
dezembro,
quando nos
abrimos ao céu
luminoso da
Natividade
e mesmo às
promessas
plurais para o
novo ano, creio
que pressentimos
que estar
consciente hoje
em dia quer
dizer estar
consciente dos
pensamentos que
se pensam, das
emoções que se
sentem e das
ações que se
executam, ou
seja, exercitar
com gentileza e
perseverança
cotas cotidianas
de amor,
bondade,
altruísmo,
respeito,
compaixão, pois
são elas que nos
ajudarão a
valorizar nosso
viver e o mundo
de relações em
que nos movemos.
Apenas porque
ser amoroso vale
a pena, são o
amor e os ritmos
emocionais e
éticos a ele
agregados que
abrem a
perspectiva de
um entendimento
muito mais
profundo e
suscetível à
empatia e à
indulgência
entre seres
humanos. E, ao
fazer isso, ao
menos sentimos,
e de verdade,
que estamos a
viver nossa vida
bem e que de
fato temos uma
conexão efetiva
com uma Ordem
maior de
significado – um
canal com Deus:
Ele que
atravessa, por
amor, a história
e insufla vida à
alma individual
e ao conjunto do
planeta e dos
mundos,
naturalmente
solidários.
(1) Trabalhos
recentes revelam
que o grupo
humano natural
inclina-se a ser
aproximadamente
de 100 a 150
indivíduos; e,
acima desse
número, o
anonimato tende
a se
estabelecer. E
também, no ser
humano, os
comportamentos
positivos,
baseados na
empatia, são
extremamente
precoces (Montagner,
1988).
Referências:
Eiber-Eiberfeldt,
I. Human
ethology.
NY: A de Gruyter,
1989.
Montagner, H.
L’áttachement.
Les débuts de la
tendresse.
Paris: Odile
Jacob, 1988.
Waal, F de.
Primates and
philosophers.
How morality
evolved.
Princeton:
Princeton
University
Press, 2006.