EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
Campinas, SP
(Brasil)
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Família
espírita:
cenário do amor
e da ética
“Dá-me amor, me
sorri e me ajuda
a ser bom.”
Pablo Neruda*
Não seria
adequado, no
início de outro
milênio,
gravitar em
torno de um
conceito único
de família. Por
isso talvez seja
mais honesto se
ater a um
sentimento de
família,
cujo imaginário
nos impulsiona a
um espaço de
amor, unidade,
solidariedade
entre pessoas
com vínculos
espirituais e/ou
laços
consanguíneos.
Cada família tem
uma organização
própria, mas
podemos supô-la
ainda como fruto
do Iluminismo
(família
ocidental
moderna) e,
portanto, imersa
(ou atolada)
por enquanto na
cultura do
individualismo e
do narcisismo.
Além disso,
pensar a família
pode de imediato
agregar
interesse sobre
a criança e, por
sua vez,
pressupor os
lugares de pai e
mãe, e
vice-versa.
Assim é a
família –
família,
adultos,
criança,
educação – e
educá-la é um
projeto sublime
por excelência
destinado aos
pais,
responsáveis
pela transmissão
do afeto e da
ética, da
cultura e dos
valores.
Mas afinal para
que educamos
nossas
crianças?
Se entendermos a
infância
como uma
construção
(1) dos
últimos dois
séculos, ela é
compreendida
como um tempo
apartado da vida
adulta,
compondo o
prelúdio da
existência,
quando o amor
parental
protege, cuida e
encaminha para
um tempo
futuro.
E como
caminhamos
ligados a uma
família que
ainda prossegue
herdeira do
individualismo,
a esperança dos
pais tende, no
geral, a se
orientar de duas
maneiras: a)
garantir à
criança a
felicidade e a
evitação da dor;
ou b) educar a
criança para que
ela possa
realizar-se em
um projeto de
vida próprio.
Infelizmente o
que mais
observamos são
pais reféns da
aprovação
infantil (cuja
demanda nunca é
suficiente) e
que por isso
renunciam
tacitamente ao
seu lugar na
cadeia
geracional.
Em consequência,
e não sem
motivo, M. Khel
(2001) (2)
afirma que o
abandono das
crianças mimadas
e de família
(a autora não se
refere aqui a
crianças de rua
ou órfãs) é um
abandono
moral, e
seus pais não
sustentam, por
medos ou
comodismo, o ato
necessário para
fazer de seu
filho um ser da
cultura.
Em consequência,
aquele que ocupa
provisoriamente
a posição de
“educando” não
assimila o
cuidado com a
dignidade de si
mesmo, pondo em
risco a
edificação de si
mesmo para cair
na cilada da
indiferença,
pois pouco
sensível à vida
de relação e na
maioria das
vezes confuso
acerca dos
compromissos que
lhe cabem na
sociedade.
O lamento às
crianças que
hoje não mais
se vestem de
crianças
(3), mas sim de
adultos em
miniatura, cujos
pais, que
desejam sem
cotas de
sacrifício ser
apenas pares e
iguais, e talvez
por isso não
consigam mais
estabelecer
nenhum tipo de
regra, porque
seguem eles às
cegas uma
pedagogia de
puro prazer...
Mas e um
educar a criança
segundo os
princípios
espíritas? O
que exigiria dos
pais?
Se pensarmos,
antes de mais
nada, que o
educando é
sempre um
Espírito eterno
e, ainda, que o
propósito
essencial da
tarefa educativa
deve incidir
sobre a
consciência
espiritual, não
podemos esquecer
que toda criança
tem tanto uma
enorme dose de
confiança e
ingenuidade como
é extremamente
permeável (4),
ou seja, apta a
captar todas as
vibrações ao seu
redor em razão
de seu natural
desarmamento
psíquico – por
isso todo
cuidado é pouco
para que elas
sejam alegres e
positivas,
esforçando-se os
pais para serem
o melhor exemplo
no propósito de
empurrá-las para
rumos mais
altos,
conjugando
oportunidades de
elevação e
impulsos de
autodesenvolvimento.
Apenas ser mãe e
pai, ocupar de
maneira
autêntica e
consciente os
lugares
indicados no
cenário da
família.
Entender a
educação como
projeto que se
inicia
precocemente
(antes mesmo da
reencarnação) e
num clima não
hierárquico, mas
de cultivo
permanente de
amor e respeito
mútuo; recordar
que a família,
antes de mais
nada, pressupõe
o primeiro
espaço para o
exercício das
virtudes
essenciais, como
altruísmo,
paciência, amor
ao próximo, o
que nos remete à
ideia de
posturas
compartilhadas,
lembrando que
somente aquilo
que é vivido, de
forma reiterada,
tem influência
efetiva no
processo de
formação.
Por fim, cabe
aos pais
espíritas nutrir
o espírito da
criança com a
certeza da
imortalidade, da
grandeza do
universo, pois
assim o
futuro ser
educado se
engajará em prol
do bem e da
verdade. Ora,
educado, logo
amado, estará
ele menos
permeável às
ilusões do
caminho que
podem obscurecer
um fecundo
destino, porque,
no prelúdio da
sua existência,
sob o cuidado
atento e amoroso
dos pais,
foram-lhe
concedidos,
sobretudo pelos
exemplos, os
melhores
recursos para a
ditosa luta
contra o
egoísmo, a
indiferença e a
serviço da causa
do Cristo.
Algumas notas e
referências:
*No original:
Ámame, tú,
sonríeme,/
ayúdame a ser
bueno (El
pozo).
(1) Ariès, P.
História social
da criança e da
família. 2.
ed. RJ: LTC,
1981.
(2) Khel, M. R.
Lugares do
feminino e do
masculino na
família. In:
Comparato, M. C.
M.; Monteiro, D.
S. F. (orgs.).
A criança na
contemporaneidade
e a psicanálise.
SP: Ed. Casa do
Psicólogo, pp.
29-38, 2001.
(3) O que
esperar do
futuro do
planeta se os
adultos de
amanhã forem
consumistas
desde o berço?
É preciso que os
pais prestem
atenção no
bombardeio
publicitário e
mesmo nos
produtos
destinados à
criança, sendo
ela mesma
transformada
pela mídia no
modelo ideal de
consumidor.
Assim, mais e
mais propagandas
surgem na
intenção de
seduzir o
público infantil
(e com a
anuência dos
pais, seduzidos
também pelo
vício do
consumo) para a
compra de
roupas,
brinquedos,
calçados, jogos
etc., sem
ignorar a
erotização dos
corpos infantis,
veiculada nas
propagandas e
outdoors.
Cf. Linn, Susan.
Criança do
consumo: a
infância roubada.
SP: Instituto
Alana, 2006.
(4) Até os sete
anos o
perispírito não
se encontra
inteiramente
encaixado no
corpo físico e
dessa forma a
criança está
como que
exteriorizada e
assim permeável
em razão do
estado de
adormecimento da
sua
personalidade
integral,
próprio à
infância, ou
seja,
naturalmente
mais apta a
captar todas as
vibrações ao seu
redor. É certo
que o corpo
espiritual,
durante a vida
na Terra, jamais
fica
completamente
aprisionado no
corpo, e é
justamente por
isso que se faz
possível a
assimilação das
vibrações que
nos chegam de
encarnados e
desencarnados,
através da
mediunidade. Mas
na criança,
repetimos, e
principalmente
até aos sete
anos, essa
permeabilidade/exteriorização
é ainda maior.
Além disso, o
desenvolvimento
das
neurociências
nos últimos anos
revela que
existe uma base
neural para essa
permeabilidade,
e por isso uma
natural
suscetibilidade
à absorção e
imitação:
trata-se dos
“neurônios-espelhos”,
presentes não só
na infância, mas
também na vida
adulta.