Falta
de caridade
Hilário Silva
O templo
espírita tinha
dimensões
pequenas. Mas os
amigos
arranjaram um
microfone. E
Neves da Cruz, o
orador
convidado, falou
para grande
multidão. Gente
por toda parte,
entupindo portas
e abafando
janelas.
A
maior parte dos
ouvintes
enfrentava a
noite, do lado
de fora.
Depois de belas
considerações em
alta voz, Neves
terminou:
–
Caridade, meus
amigos! Todos
podemos dar. Os
Mensageiros
Divinos
acompanham todos
aqueles que
servem com amor.
Fugir à caridade
é cair na
avareza. Viver
na preguiça é
cair no tédio. E
avareza e tédio
fazem as doenças
sem cura.
Muito aplaudido,
Neves retirou-se
para o lanche em
casa de amigos.
E, depois do
lanche, o
recolhimento no
hotel, para a
viagem no dia
seguinte.
Fazia calor e,
sem sono, desceu
à calçada e
pôs-se a ler sob
a luz da
marquise.
Nisso, passa um
velho
esfarrapado e
pede, estendendo
a mão magra como
graveto de carne
viva:
–
Uma esmola pelo
amor de Deus!
Neves enfia a
mão gorda e
quente no bolso
do paletó, e,
sentindo-se
antecipadamente
na posse da
oferta, diz o
mendigo:
–
Que os bons
Espíritos o
acompanhem...
O
provável doador,
no entanto, só
encontra uma
nota de cem
cruzeiros como
dinheiro
trocado, e
desiste.
Vendo que a mão
vinha vazia, o
ancião
completou,
revoltado:
–
E nunca o
alcancem...
Notando que
estava sendo
censurado, Neves
torna a
mergulhar os
dedos no bolso,
e o pedinte
falou, novamente
encorajado:
–
Que os bons
Espíritos o
acompanhem e
nunca o alcancem
com doenças...
Cem cruzeiros,
porém, no
conceito do
Neves, era
muito, e a mão
voltou sem nada.
Ao perder a
esperança, o
velho
acrescentou:
–
Que possam ser
curadas.
–
Mas isso é uma
injúria! – disse
Neves, irritado.
– Quem ensinou o
senhor a pedir
assim, rogando
pragas?
E
o velho:
–
Hoje, na casa
espírita, um
homem falou que
os bons
Espíritos
acompanham as
pessoas
caridosas e que
falta de
caridade faz as
moléstias sem
cura.
Neves,
ruborizado, sem
dizer palavra,
meteu a mão no
bolso, arrancou
a cédula de cem
cruzeiros e
deu-a ao velho.
Do livro Almas
em Desfile, de
Hilário Silva,
obra
psicografada
pelos médiuns
Francisco
Cândido Xavier e
Waldo Vieira.