PAULO DA SILVA NETO SOBRINHO
paulosnetos@gmail.com
Belo Horizonte,
MG (Brasil)
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Nada é definitivo nas
obras básicas
“[...] elaboramos um
plano de organização
para o qual aproveitamos
a experiência do
passado, a fim de evitar
os escolhos contra os
quais se tem chocado a
maioria das doutrinas
que apareceram no
mundo”. (KARDEC, 1868)
Embora, pelo título, o
leitor possa achar que
estejamos pretendendo
generalizar, na verdade,
o que estamos querendo
dizer é que nem tudo é
definitivo, já que os
princípios da Doutrina
são colunas inamovíveis,
diante da lógica com a
qual eles foram
assentados.
Não iremos nos estender
muito, pois queremos
apenas transcrever
trechos de várias falas
de Kardec, às quais
muitos companheiros não
estão lhes dando o
devido valor.
Vejamo-los:
Mas, dir-se-á, ao lado
destes fatos
[referindo-se às
manifestações espíritas]
tendes uma teoria, uma
doutrina; quem vos
diz que essa teoria não
sofrerá variações;
que a de hoje será a
mesma em alguns anos?
Sem dúvida, ela pode
sofrer modificações em
seus detalhes, em
consequência de novas
observações. Mas estando
o princípio doravante
adquirido, não pode
variar e ainda menos ser
anulado; aí está o
essencial.
Desde Copérnico e
Galileu, calculou-se
melhor o movimento da
Terra e dos astros, mas
o fato do movimento
permaneceu como
princípio. (Revista
Espírita de
fevereiro de 1865,
artigo Da
Perpetuidade do
Espiritismo, §§ 9º e
10) (KARDEC, 2000c, p.
40) (grifo nosso).
O Espiritismo não se
afastará da verdade e
nada terá a temer das
opiniões contraditórias,
enquanto sua teoria
científica e sua
doutrina moral forem uma
dedução dos fatos
escrupulosamente e
conscientemente
observados, sem
preconceitos nem
sistemas preconcebidos.
Foi diante de uma
observação mais completa
que todas as teorias
prematuras e arriscadas,
eclodidas na origem dos
fenômenos espíritas
modernos, caíram e
vieram fundir-se na
imponente unidade que
existe e contra a qual
não se obstinam mais
senão raras
individualidades, que
diminuem todos os dias.
As lacunas que a teoria
atual pode ainda
encerrar se encherão do
mesmo modo. O
Espiritismo está longe
de ter dito a última
palavra, quanto às suas
consequências, mas é
inabalável em sua base,
porque esta base se
assenta sobre os fatos
(Revista Espírita
de fevereiro de 1865,
artigo Da
Perpetuidade do
Espiritismo, § 13).
(KARDEC, 2000c, p. 41)
(grifo nosso).
O Livro dos Espíritos
não é um tratado
completo do Espiritismo;
não faz senão
colocar-lhe as bases e
os pontos fundamentais,
que devem se desenvolver
sucessivamente pelo
estudo e pela
observação. (Revista
Espírita de julho de
1866, artigo
Visão Retrospectiva das
existências dos
Espíritos, 3º §)
(KARDEC, p. 223) (grifo
nosso).
O Espiritismo teve, como
todas as coisas, seu
período de criação, e
até que todas as
questões, principais e
acessórias, que a ele se
ligam, tivessem sido
resolvidas, ele não
pôde dar senão
resultados incompletos;
pode-se lhe entrever o
objetivo, pressentir-lhe
as consequências, mas
unicamente de maneira
vaga. Da incerteza sobre
os pontos ainda não
determinados deveriam,
forçosamente, nascer
divergências sobre a
maneira de
considerá-los; a
unificação não poderia
ser senão a obra do
tempo; ela é feita
gradualmente, à medida
que os princípios são
elucidados. Não será
senão quando a Doutrina
houver abarcado todas as
partes que ela comporta,
que formará um todo
harmonioso, e será
somente então que se
poderá julgar
verdadeiramente o
Espiritismo.
[...]
Não se deve pedir às
coisas senão aquilo que
elas podem dar, à medida
que elas estão em estado
de produzir; não se pode
exigir de uma criança o
que se pode esperar de
um adulto, nem de uma
árvore jovem,
recentemente plantada, o
que produzirá quando
estiver em toda a sua
força. O Espiritismo, em
via de elaboração, não
poderia dar senão
resultados individuais;
os resultados coletivos
e gerais serão os
frutos do Espiritismo
completo que se
desenvolverá
sucessivamente.
Se bem que o Espiritismo
não haja dito ainda a
sua última palavra sobre
todos os pontos, ele se
aproxima de seu
complemento, e o momento
não está longe em que
lhe será necessário dar
uma base forte e
durável, suscetível,
no entanto, de receber
todos os
desenvolvimentos que as
circunstâncias
ulteriores comportarem,
e dando toda segurança
àqueles que se perguntam
quem lhe tomará as
rédeas depois de nós. (Revista
Espírita 1868,
artigo Constituição
Transitória do
Espiritismo, item I
– Considerações
preliminares, 1º, 3º e
4ª §§) (KARDEC, 1993j,
p. 369-370) (grifo
nosso).
O programa da Doutrina
não será, pois,
invariável senão sobre
os princípios passados
ao estado de verdades
constatadas;
para os outros, ela não
os admitirá, como sempre
o fez, senão a título
de hipóteses até a
confirmação. Se lhe
for demonstrado que ela
está no erro sobre um
ponto, ela se modificará
sobre esse ponto. (Revista
Espírita 1868,
artigo Constituição
Transitória do
Espiritismo, item
III – Dos Cismas, 12º §)
(KARDEC, 1993j, p. 377)
(grifo nosso).
Longe estamos de
considerar como absoluta
e como sendo a última
palavra a teoria que
apresentamos. Novos
estudos sem dúvida a
completarão, ou
retificarão mais tarde;
entretanto, por mais
incompleta ou imperfeita
que seja ainda hoje,
sempre pode auxiliar o
estudioso a reconhecer a
possibilidade dos fatos,
por efeito de causas que
nada têm de
sobrenaturais. Se é uma
hipótese, não se lhe
pode contudo negar o
mérito da racionalidade
e da probabilidade e,
como tal, vale tanto,
pelo menos, quanto todas
as explicações que os
negadores formulam, para
provar que nos fenômenos
espíritas só há ilusão,
fantasmagoria e
subterfúgios. (O
Livro dos Médiuns,
cap. VI, item 110)
(KARDEC, 2007b, p. 153)
(grifo nosso)
[…] Os Espíritos
não ensinam senão
justamente o que é
mister para guiá-lo
[referindo-se ao homem]
no caminho da
verdade, mas abstêm-se
de revelar o que o homem
pode descobrir por si
mesmo,
deixando-lhe o cuidado
de discutir, verificar e
submeter tudo ao cadinho
da razão, deixando
mesmo, muitas vezes, que
adquira experiência à
sua custa.
Fornecendo-lhe o
princípio, os materiais:
cabe-lhe a ele
aproveitá-los e pô-los
em obra. (A Gênese,
cap. I, item 50).
(KARDEC, 2007e, p. 48)
(grifo nosso).
Além disso, convém notar
que em parte alguma o
ensino espírita foi dado
integralmente; ele
diz respeito a tão
grande número de
observações, a assuntos
tão diferentes, exigindo
conhecimentos e aptidões
mediúnicas especiais,
que impossível era
acharem-se reunidas num
mesmo ponto todas as
condições necessárias.
Tendo o ensino que ser
coletivo e não
individual, os Espíritos
dividiram o trabalho
[não só no espaço senão
também no tempo],
disseminando os assuntos
de estudo e observação
como, em algumas
fábricas, a confecção de
cada parte de um mesmo
objeto é repartida por
diversos operários.
A revelação faz-se assim
parcialmente em diversos
lugares e por uma
multidão de
intermediários e é
dessa maneira que
prossegue ainda, pois
que nem tudo foi
revelado. (A
Gênese, cap. I, item
52). (KARDEC, 2007e, p.
49) (grifo nosso)
Nenhuma ciência existe
que haja saído prontinha
do cérebro de um homem.
Todas, sem exceção de
nenhuma, são fruto de
observações sucessivas,
apoiadas em observações
precedentes, como em um
ponto conhecido para
chegar a um desconhecido.
Foi assim que os
Espíritos procederam,
com relação ao
Espiritismo. Daí
o ser gradativo o
ensino que ministram.
Eles não enfrentam as
questões, senão à medida
que os princípios sobre
que hajam de apoiar-se
estejam suficientemente
elaborados e amadurecida
bastante a opinião para
os assimilar. É
mesmo de notar-se que,
de todas as vezes que os
centros particulares têm
querido tratar de
questões prematuras, não
obtiveram mais do que
respostas
contraditórias, nada
concludentes. Quando,
ao contrário, chega o
momento oportuno, o
ensino se generaliza e
se unifica na quase
universalidade dos
centros. (A
Gênese, cap. I, item
54) (KARDEC, 2007e, p.
52) (grifo nosso).
O Espiritismo, pois, não
estabelece como
princípio absoluto senão
o que se acha
evidentemente
demonstrado, ou o que
ressalta logicamente da
observação. Entendendo
com todos os ramos da
economia social, aos
quais dá o apoio das
suas próprias
descobertas, assimilará
sempre todas as
doutrinas progressistas,
de qualquer ordem que
sejam, desde que hajam
assumido o estado de
verdades práticas e
abandonado o domínio da
utopia, sem o que ele se
suicidaria. Deixando de
ser o que é, mentiria à
sua origem e ao seu fim
providencial.
Caminhando de par com o
progresso, o Espiritismo
jamais será
ultrapassado, porque, se
novas descobertas lhe
demonstrarem estar em
erro acerca de um ponto
qualquer, ele se
modificará nesse ponto.
Se uma verdade nova se
revelar, ele a aceitará
(A Gênese, cap.
I, item 55). (KARDEC,
2007e, p. 54) (grifo
nosso).
Pelo exposto,
concluímos, então, que o
Espiritismo não é
fechado; pode (e deve),
sim, incorporar novos
pontos que não foram
definidos no início da
codificação e, se for o
caso, modificar-se
naquilo em que a ciência
provar que ele está
errado.
Mas, infelizmente,
querem fazer das obras
da codificação
exatamente o que os que
se dizem cristãos
fizeram com a Bíblia:
nada pode ser mudado nem
acrescentado; como se
Deus tivesse fechado o
expediente e não mais
pretendesse Se revelar
aos homens.
Se, por um lado,
encontramos espíritas
querendo,
despreocupadamente,
dogmatizar o
Espiritismo, por outro,
vemos companheiros
desejando, em vista do
acima mencionado,
escancarar-lhe as portas
para toda e qualquer
novidade, seja ela de
que lavra for – própria
ou de Espíritos
isolados.
Ao que nos parece,
jogou-se por terra a
recomendação básica
feita, insistentemente,
por Kardec de que:
Uma só garantia séria
existe para o ensino dos
Espíritos: a
concordância que haja
entre as revelações que
eles façam
espontaneamente,
servindo-se de grande
número de médiuns
estranhos uns aos outros
e em vários lugares.
(KARDEC, 1996, p. 28-36)
(grifo nosso).
Oportunas, também, estas
considerações emanadas
do Codificador,
que jamais
deveríamos
desconsiderá-las, sob
pena de
descaracterizarmos a
Doutrina, “adaptando-a”
ou “acomodando-a” às
“conveniências
doutrinárias” de cada
um:
O Espiritismo não é mais
a obra de um único
Espírito como não é a de
um único homem; é a obra
dos Espíritos em geral.
Segue-se que a
opinião de um Espírito
sobre um princípio
qualquer não é
considerada pelos
Espíritos senão como uma
opinião individual, que
pode ser justa ou falsa,
e não tem valor senão
quando é sancionada pelo
ensino da maioria, dado
sobre os diversos pontos
do globo. Foi esse
ensino universal que fez
o que ele é, e que fará
o que será. Diante
desse poderoso critério
caem necessariamente
todas as teorias
particulares que sejam o
produto de ideias
sistemáticas, seja de um
homem, seja de um
Espírito isolado.
Uma ideia falsa pode,
sem dúvida, agrupar ao
seu redor alguns
partidários, mas não
prevalecerá jamais
contra aquela que é
ensinada por toda a
parte. (KARDEC, 2000c,
p. 306) (grifo nosso).
Quando tratarmos essas
questões, o faremos sem
cerimônia; mas é que,
então, teremos recolhido
os documentos bastante
numerosos, nos ensinos
dados de todos os lados
pelos Espíritos, para
poder falar
afirmativamente e ter a
certeza de estar de
acordo com a maioria; é
assim que fazemos todas
as vezes que se trata de
formular um princípio
capital. Nós o
dissemos cem vezes, para
nós a opinião de um
Espírito, qualquer que
seja o nome que traga,
não tem senão o valor de
uma opinião individual;
nosso critério está na
concordância universal,
corroborada por uma
rigorosa lógica, para as
coisas que não podemos
controlar por nossos
próprios olhos. De
que nos serviria dar
prematuramente uma
doutrina como uma
verdade absoluta, se,
mais tarde, ela devesse
ser combatida pela
generalidade dos
Espíritos? (KARDEC,
1993i, p. 191) (grifo
nosso).
Preocupado em não deixar
de dar uma orientação
segura, visto que se
preocupava com os
problemas aqui citados,
Kardec também fez
judiciosas
considerações, quando da
sua proposta de
Constituição Transitória
do Espiritismo
(KARDEC, 1993j, p.
369-394), na qual sugere
a criação de uma
Comissão Central para
coordenar a Doutrina.
Relaciona, inclusive, as
atribuições da comissão,
entre as quais
destacamos estes dois
itens (p. 387), que
grifamos:
2º Estudo dos
princípios novos,
suscetíveis de entrarem
no corpo da Doutrina;
7º O exame e a
interpretação das obras,
artigos de jornais, e
todo escrito
interessando à Doutrina.
A refutação dos ataques,
se tiverem lugar.
Com pesar percebemos
que, no Brasil, o
Movimento Espírita está
longe dessas duas
orientações. Mas quem
tiver o interesse em ler
o texto sobre a
Constituição Transitória
do Espiritismo ficará
ciente de que mais
recomendações não são
seguidas, especialmente,
pelas instituições
criadas para unificar e
uniformizar os
procedimentos e práticas
nas casas espíritas. Uma
pena, pois dizem seguir
as instruções de Kardec,
mas, de fato, não o
fazem.
Por oportuno, lembramos
Léon Denis, que disse:
“O Espiritismo será
aquilo que dele fizerem
os homens”. (DENIS,
1911).
Referências
bibliográficas:
KARDEC, A. Revista
Espírita 1865.
Araras, SP: IDE, 2000c.
KARDEC, A. Revista
Espírita 1866.
Araras, SP: IDE, 1993i.
KARDEC, A. Revista
Espírita 1868.
Araras, SP: IDE, 1993j.
KARDEC, A. O Livro
dos Médiuns. Rio de
Janeiro: FEB, 2007b.
KARDEC, A. A Gênese.
Rio de Janeiro: FEB,
2007e.
KARDEC, A. O
Evangelho segundo o
Espiritismo. Rio de
Janeiro, FEB, 1996.