799. A mão do Sr.
Desmoulins desenha com
vertiginosa rapidez, sem
que ele tenha a mínima
consciência do que faz.
Põe-se a mirá-la
curiosamente e ele
próprio o diz:
“Ela trabalha à maneira
de Rodin. Muitas vezes é
arrebatada com a rapidez
do raio, numa sorte de
turbilhão ou de giro
fulgurante. Curvas,
volutas e linhas retas,
olhos, nariz, boca e
cabelos, tudo é traçado,
desenhado num ápice. Um
retrato feito às avessas
representa uma velha de
semblante contraído,
apoiando a cabeça na
mão. Ora, eu comecei por
desenhar o braço ao
inverso, e como me era
naturalmente impossível
reconhecer que desenhava
um braço, pus-me a
indagar qual poderia ser
o objeto que esboçava.”
“Quando o Espírito quer
fazer, por nosso
intermédio, certos
retoques, opera deste
modo: o lápis, que
empunho, traça,
inconscientemente por
minha parte, antes de
tudo, um círculo em
determinada parte do
rosto – a que ele deseja
modificar – depois a
ponta do lápis é
conduzida para fora da
parte desenhada, a um
canto do papel, onde
escreve: apaga. Sei o
que isso quer dizer; com
a minha borracha apago a
parte compreendida pelo
círculo e retomo o
lápis. Ele gosta,
sobretudo, de causar-me
admiração. É assim que
várias vezes me tem
feito executar, em
presença de terceiros,
retratos de pessoas que
eu nunca vi e que se
verifica serem, quer
parentes, quer amigos
(falecidos) das pessoas
que me cercavam, e que
me atribuíam, não sem
espanto, essas espécies
de instantâneos do
invisível. Não tenho –
eu, o escrupuloso e
amigo da exatidão – a
mínima relação com esse
extravagante
“preceptor”, que faz um
retrato começando por
onde se acaba, sem
cuidar onde colocará os
olhos, o nariz e a
boca.”
800. Assim se afirma, sob mil formas, estranhas, inesperadas,
variadíssimas, a
comunhão do visível com
o invisível, a
colaboração do homem e
do Espírito. E por ela
ficamos sabendo que a
morte é irreal. Todas as
almas agem e trabalham,
tanto na carne como fora
dela. A vida reveste
aspectos diferentes, mas
não tem fim!
801. XIX - Transe e incorporações – O estado de transe é
esse grau de sono
magnético que permite ao
corpo fluídico
exteriorizar-se,
desprender-se do corpo
carnal, e à alma tornar
a viver por um instante
sua vida livre e
independente. A
separação, todavia,
nunca é completa; a
separação absoluta seria
a morte. Um laço
invisível continua a
prender a alma ao seu
invólucro terrestre.
Semelhante ao fio
telefônico que assegura
a transmissão entre dois
pontos, esse laço
fluídico permite à alma
desprendida transmitir
suas impressões pelos
órgãos do corpo
adormecido.
802. No transe, o médium fala, move-se, escreve automaticamente;
desses atos, porém,
nenhuma lembrança
conserva ao despertar. O
transe pode ser
provocado, quer pela
ação de um magnetizador,
quer pela de um
Espírito. Sob o influxo
magnético, os laços que
unem os dois corpos se
afrouxam. A alma, com
seu corpo sutil, vai-se
emancipando pouco a
pouco; recobra o uso de
seus poderes ocultos,
comprimidos pela
matéria.
803. Quanto mais profundo é o sono, mais completo vem a ser o
desprendimento. As
radiações da psique
aumentam e se dilatam;
um estado diferente de
consciência, faculdades
novas se revelam. Um
mundo de recordações e
conhecimentos,
sepultados nas
profundezas do “eu”, se
patenteia. O médium
pode, sob o império de
uma vontade superior,
reconstituir-se numa de
suas passadas
existências, revivê-la
em todas as suas
particularidades, com as
atitudes, a linguagem e
os atributos que
caracterizam essa
existência. Entram ao
mesmo tempo em ação os
sentidos psíquicos. A
visão e audição à
distância se produzem
tanto mais claras e
fiéis quanto mais
completa é a
exteriorização da alma.
804. No corpo do médium, momentaneamente abandonado, pode dar-se
uma substituição de
Espírito. É o fenômeno
das incorporações. A
alma de um desencarnado,
mesmo a alma de um vivo
adormecido, pode tomar o
lugar do médium e
servir-se de seu
organismo material, para
se comunicar pela
palavra e pelo gesto com
as pessoas presentes.
Sábios eminentes dão
testemunho da realidade
desses fatos.
805. O Dr. Oliver Lodge, em seu discurso na Royal Society, de
Londres, em 31 de
janeiro de 1902, assim
se exprime: “Uma
máquina, elaborada como
o são os nossos corpos,
pode ser empregada, no
caso de transe, não só
pela Inteligência que,
por assim dizer, a
fabricou, mas também por
outras Inteligências a
que dela se permite
fazer uso. Isso
naturalmente não se
realizaria senão por um
certo tempo e com
bastante dificuldade.”
806. Em sua comunicação transmitida ao Congresso Oficial de
Psicologia, de Paris, em
1900, o professor
Myers, de Cambridge, era
ainda mais afirmativo.
Depois de haver
enumerado os fenômenos
obtidos no estado de
transe pelas Sras. Piper
e Thompson, fenômenos
que ele estudava há 25
anos, assim concluía o
professor: “Em sua
maioria, os fatos
enunciados lembram o
caráter e a memória de
certas pessoas mortas...
Estou convencido de que
essa substituição de
personalidade, ou
mudança de Espírito, ou
possessão, é um sensível
progresso na evolução da
nossa raça.”
807. Durante o transe, o Espírito do médium pouco se afasta;
permanece quase sempre
confundido no grupo
espiritual que cerca o
seu invólucro terrestre.
Sua influência às vezes
se faz ainda sentir
sobre o corpo, ao qual
seus próprios hábitos o
atraem. Sua ação se
torna em tal caso um
incômodo, um estorvo
para os Espíritos que se
comunicam.
808. Quando a força oculta é insuficiente e o transe pouco
profundo, o
desprendimento é
incompleto; as
personalidades se
confundem. O médium
resiste à ação exterior
do Espírito, que se
esforça por tomar posse
de seus órgãos. Suas
radiações psíquicas se
mesclam às do
manifestante. Daí, em
variadas proporções,
conforme os casos, duas
partes se distinguem na
manifestação: a do
médium e a do Espírito,
operação delicada, que
exige profundo
conhecimento das
personalidades que se
apresentam e das
condições do fenômeno.
809. O estado de transe facilita a sugestão. Nos fenômenos de
escrita e da mesa o
médium se conserva na
plena posse do seu “eu”,
de sua vontade, e
poderia repelir as
inspirações que recebe.
No desprendimento já se
não dá o mesmo. A alma
se tem retirado e o
cérebro material fica
exposto a todas as
influências. Quando está
suficientemente
protegido, o médium
torna-se receptivo,
tanto às sugestões de um
magnetizador como às dos
assistentes ou de um
Espírito.
810. É o que muitas vezes lança uma certa confusão na interpretação
dos fatos e exige, da
parte dos
experimentadores,
extrema prudência. Em
tal caso é difícil
distinguir a natureza
real das influências
atuantes. Hudson Tuttle,
médium ele próprio, o
faz notar em seu livro
“Arcana of
Spiritualism”: “Os
grupos espíritas são
frequentemente joguete
de uma ilusão, enganados
por suas próprias forças
positivas. Afastam os
ditados espíritas,
substituindo-os pelo
reflexo de seus próprios
pensamentos; e então
observam contradições e
confusões que
ingenuamente atribuem à
intervenção de Espíritos
malévolos.”
811. É preferível, por isso, deixar agirem sozinhos os Espíritos
sobre o médium,
abstendo-se de toda
intervenção magnética
humana. Foi sempre o que
fizemos, no curso de
nossos estudos
experimentais. Em raras
circunstâncias, quando,
faltando-lhes de repente
a força psíquica, as
Inteligências nos pediam
que atuássemos sobre o
médium por meio de
passes, bastava essa
passageira intervenção
para fazer crer aos
assistentes numa ação
sugestiva de nossa
parte.
812. Na maioria das vezes, os fluidos de um magnetizador, por seu
estado vibratório
particular, contrariam
os dos Espíritos, em
lugar de auxiliá-los.
Têm estes que se
entregar a um trabalho
de adaptação, ou
purificação, que esgota
as forças indispensáveis
à manutenção. Um
magnetizador, cujos
fluidos não sejam puros,
que não possua um
caráter reto, nem
irrepreensível
moralidade, pode, mesmo
sem o querer,
influenciar o sensitivo
num sentido muito
desfavorável.
813. Ainda mesmo quando a ação oculta é poderosa e bem determinada,
é preciso ter ainda em
conta o embaraço do
Espírito que se deve
comunicar com o auxílio
de um organismo
estranho, mediante
recursos muitas vezes
restritos. O estado de
harmonia entre as
faculdades do Espírito e
as do médium raramente
existe; o
desenvolvimento dos
cérebros não é idêntico
e as manifestações são
por isso contrariadas.
814. É isso que nos diziam certos Espíritos, no curso de nossas
experiências de
incorporação: “Estamos
acanhadamente
encerrados; faltam-nos
meios suficientes para
exprimir os nossos
pensamentos. As
partículas físicas deste
cérebro são muito
grosseiras para poderem
vibrar sob nossa ação e
as nossas comunicações
se tornam por isso
consideravelmente
enfraquecidas.”
815. O Espírito Robert Hyslop o repete a seu filho, o professor
Hyslop. Quando penetra
na atmosfera terrestre e
no organismo do médium,
as coisas, diz ele, se
lhe amesquinham: “Todas
as coisas se me
apresentam tão
nitidamente, e quando
aqui venho para
exprimi-las, James, não
o posso”.
816. Quando, porém, se pode dispor de um médium de real valor,
quando a possessão é
completa e a força é
suficiente para afastar
as influências
contrárias, deparam-se
fenômenos imponentes. O
Espírito se manifesta na
plenitude do seu “eu”,
em toda a sua
originalidade. O
fenômeno das
incorporações se mostra
então superior a todos
os outros.
817. Indagam certos experimentadores: o Espírito do manifestante se
incorpora efetivamente
no organismo do médium?
ou opera ele antes, a
distância, pela sugestão
mental e pela
transmissão de
pensamento, como o pode
fazer um Espírito
exteriorizado do
sensitivo?
818. Um exame atento dos fatos nos leva a crer que essas duas
explicações são
igualmente admissíveis,
conforme os casos. As
citações que acabamos de
fazer provam que a
incorporação pode ser
real e completa. É mesmo
algumas vezes
inconsciente, quando,
por exemplo, certos
Espíritos pouco
adiantados são
conduzidos por uma
vontade superior ao
corpo de um médium e
postos em comunicação
conosco, a fim de serem
esclarecidos sobre sua
verdadeira situação.
819. Esses Espíritos, perturbados pela morte, acreditam ainda,
muito tempo depois,
pertencerem à vida
terrestre. Não lhes
permitindo seus fluidos
grosseiros entrarem em
relação com Espíritos
mais adiantados, são
levados aos grupos de
estudo, para serem
instruídos acerca de sua
nova condição. É difícil
às vezes fazer-lhes
compreender que
abandonaram a vida
carnal e sua estupefação
atinge o cômico, quando,
convidados a comparar o
organismo que
momentaneamente animam
com o que possuíam na
Terra, são obrigados a
reconhecer o seu engano.
Não se poderia duvidar,
em tal caso, na
incorporação completa do
Espírito.
820. Noutras circunstâncias, a teoria da transmissão à distância
parece melhor explicar
os fatos. As impressões
oriundas de fora são
mais ou menos fielmente
percebidas e
transmitidas pelos
órgãos. Ao lado de
provas de identidade,
que nenhuma hesitação
permitem sobre a
autenticidade do
fenômeno e intervenção
dos Espíritos,
verificam-se, na
linguagem do sensitivo
em transe, expressões,
construções de frases,
um modo de pronunciar
que lhe são habituais. O
Espírito parece projetar
o pensamento no cérebro
do médium, onde adquire,
de passagem, formas de
linguagem familiares a
este. A transmissão se
efetua, em tal caso, no
limite dos conhecimentos
e aptidões do sensitivo,
em termos vulgares ou
escolhidos, conforme o
seu grau de instrução.
Daí também certas
incoerências que se
devem atribuir à
imperfeição do
instrumento.
821. Ao despertar, o Espírito do médium perde toda consciência das
impressões recebidas no
sentido de liberdade, do
mesmo modo que não
guardará o menor
conhecimento do papel
que seu corpo tenha
desempenhado durante o
transe. Os sentidos
psíquicos, de que por um
momento havia
readquirido a posse, se
extinguem de novo; a
matéria estende o seu
manto; a noite se
produz; toda recordação
se desvanece. O médium
desperta num estado de
perturbação, que
lentamente se dissipa.
822. Às vezes o regresso à carne origina cenas pungitivas, quando o
médium, durante a
exteriorização, tornou a
ver, no Espaço, entes
amados, e no instante
que precede o despertar
ainda conserva essa
impressão. O contraste
entre a vida livre e
luminosa, que acaba de
fruir, e o cárcere
sombrio a que é obrigado
novamente a descer,
provoca cenas de
lágrimas e lamentos,
repugnâncias de
reintegrar-se na carne,
que se traduzem por
lamentos e comovedoras
súplicas. Temos sido
muitas vezes testemunhas
de tais cenas.
823. Não nos sendo possível examinar todos os fatos relacionados
com o fenômeno do
transe, limitar-nos-emos
a citar os mais
importantes, não só
entre os que têm sido
verificados nestes
últimos anos, por
diversos homens de
Ciência, como entre os
que temos por nossa
parte observado.
824. Figuram em primeiro plano as manifestações devidas à
mediunidade da Sra.
Piper, que esteve muito
tempo ligada por
contrato à Sociedade de
Investigações Psíquicas
(S.P.R.), de que já
temos falado, e que
possui uma seção em
Londres e outra em Nova
York. A Sra. Piper foi o
agente principal das
experiências levadas a
efeito nesses centros
por sábios como os
professores Lodge,
Myers, Hodgson, W.
James, Hyslop e outros,
todos pertencentes a
universidades inglesas
ou americanas, e que
são, decerto, os homens
mais competentes que
podem ser ainda citados
em matéria de Psiquismo.
825. O estudo de suas faculdades constituiu o objetivo de numerosas
sessões, cujos
resultados foram
consignados nos
“Proceedings”, boletins
da Sociedade
supramencionada. Esses
documentos formam um
volume de 650 páginas,
constituindo o tomo XVI
dos “Proceedings”. Um
resumo dele foi
publicado em francês.
826. A Sra. Piper – os
experimentadores o
atestam – goza de
excelente saúde. Não há
em sua família nenhuma
tara hereditária. Só
duas vezes no curso das
experiências, em 1893 e
1895, esteve enferma; em
ambas, suas faculdades
mediúnicas declinaram e
não foi possível obter
boas comunicações. Além,
foi ela objeto de
constante e minuciosa
vigilância. Policiais
lhe acompanhavam os
passos e observavam-lhe
os menores atos;
tomaram-se todas as
providências para
descobrir a fonte em que
ela poderia colher
informações.
827. Durante sua permanência na Inglaterra, em casa dos professores
Myers e Lodge, ela ficou
insulada, privada de
toda relação estranha;
suas malas foram
revistadas, suas cartas
abertas a pedido seu.
Nada se encontrou de
suspeito. Ao contrário,
quanto mais rigorosa era
a vigilância, maior
caráter de certeza
revestiam as
manifestações obtidas.
828. Durante o transe ela se conserva indiferente à dor e os globos
dos olhos se lhe reviram
nas órbitas. Fala ou
escreve, e a voz muda a
cada Espírito. Todas as
perguntas feitas são
breves e ela nunca sabe
quem as formula, porque
os visitantes são
introduzidos durante o
seu sono e uniformemente
designados sob o nome de
Sr. Smith. Alguns levam
a precaução a ponto de
vir de carruagem, tendo
o rosto coberto com uma
máscara.
829. Um testemunho, primeiro que todos, nos deve prender a atenção.
É o do Dr. Richard
Hodgson, vice-presidente
da S.P.R. na América,
que abordou o estudo do
fenômeno espírita como
crítico severo e
meticuloso. Foi ele quem
estudou os fatos
extraordinários
atribuídos à Sra.
Blavatsky e concluiu
pelo embuste. Pôs em
evidência as fraudes
inconscientes de Eusápia
Paladino e mostrou-se,
durante anos, um
implacável adversário da
mediunidade.