MARCOS PAULO DE OLIVEIRA
SANTOS
marcospauloeducador@gmail.com
Taguatinga, DF (Brasil)
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Cegueira
O ínclito escritor
português, José
Saramago, assim inicia
sua obra:
(...) O sinal verde
acendeu-se enfim,
bruscamente os carros
arrancaram, mas logo se
notou que não tinham
arrancado todos por
igual. O primeiro da
fila do meio está
parado, deve haver ali
um problema mecânico
qualquer, o acelerador
solto, a alavanca da
caixa de velocidades que
se encravou, ou uma
avaria do sistema
hidráulico, blocagem dos
travões, falha do
circuito elétrico, se é
que não se lhe acabou
simplesmente a gasolina,
não seria a primeira vez
que se dava o caso. O
novo ajuntamento de
peões que está a
formar-se nos passeios
vê o condutor do
automóvel imobilizado a
esbracejar por trás do
para-brisa, enquanto os
carros atrás dele
buzinam frenéticos.
Alguns condutores já
saltaram para a rua,
dispostos a empurrar o
automóvel empanado para
onde não fique a
estorvar o trânsito,
batem furiosamente nos
vidros fechados, o homem
que está lá dentro vira
a cabeça para eles, a um
lado, a outro, vê-se que
grita qualquer coisa,
pelos movimentos da boca
percebe-se que repete
uma palavra, uma não,
duas, assim é realmente,
consoante se vai ficar a
saber quando alguém,
enfim, conseguir abrir
uma porta: Estou cego.
A trama, muito bem
engendrada pelo
magistral escritor,
envolve o leitor e o faz
refletir acerca das
misérias humanas. A obra
é permeada por situações
angustiantes,
degradantes, aflitivas,
que denotam a condição
humana. É um libelo
contra as injustiças
sociais, contra a moral
e os costumes
aviltantes.
Em O Evangelho
segundo o Espiritismo,
capítulo X, intitulado:
Bem-aventurados os
que são misericordiosos,
encontramos o excerto do
Mestre Nazareno, que
transcrevemos abaixo:
Como é que vedes um
argueiro no olho do
vosso irmão, quando não
vedes uma trave no vosso
olho? Ou, como é que
dizeis ao vosso irmão:
─
Deixa-me tirar um
argueiro do teu olho
─,
vós que tendes no vosso
uma trave? Hipócritas,
tirai primeiro a trave
do vosso olho e depois,
então, vede como
podereis tirar o
argueiro do olho do
vosso irmão. (Mateus,
7:3 a 5).
Interessante o paralelo
que se pode estabelecer
entre a obra de Saramago
e a passagem evangélica.
Em verdade, para se
analisar as mazelas que
estão em nós mesmos,
faz-se mister que nos
transportemos para fora
de nós mesmos e nos
perguntemos: “Que
pensaria eu se visse
alguém fazer o que
faço?”.
É imperioso que nos
coloquemos diante de um
espelho e nos
autoanalisemos.
Diz-nos o evangelho que
o orgulho e a vaidade
nos obstam tal reflexão.
Curiosamente, porém,
Saramago elege a figura
feminina como a única a
conseguir ver diante da
cegueira branca.
Assim, a obra é passada
ao leitor pelos olhos
daquela única personagem
que vê.
Não é fortuita tal
eleição pelo feminino.
Já é um atributo da
mulher a nobreza nos
sentimentos. Logo, ela
não precisa ver para
compreender determinada
situação. Ao contrário,
ela sente e, por sentir,
consegue compreender e,
por conseguinte, AMAR!
Falta-nos justamente
essa percepção, essa
sublimação dos
sentimentos, já que
temos os olhos oblíquos
para o negativo, para os
estereótipos, para a
maledicência, para o
orgulho e a vaidade.
O Mestre de Nazaré já
sabiamente nos
recomendava “tirai
primeiro a trave do
vosso olho e depois,
então, vede como
podereis tirar o
argueiro do olho do
vosso irmão”, quer
dizer, devemos envidar
todo o esforço para nos
tornarmos bons, probos,
justos, caridosos.
E, imbuídos de virtudes
espirituais, ao invés de
julgarmos e
achincalharmos os nossos
irmãos, devemos traçar
meios de melhor
auxiliá-los, para a sua
e a nossa edificação
rumo ao Infinito de
Eterno Amor.
Referências
bibliográficas:
KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o
Espiritismo. 131.
ed. Brasília: FEB,
2013.
SARAMAGO, José.
Ensaio sobre a cegueira.
Disponível em:
http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/