ROGÉRIO COELHO
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, MG (Brasil)
|
|
Imaturidade do senso moral
A compreensão da parte essencial do Espiritismo exige
um certo grau de sensibilidade
“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral
e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más.”
- Allan Kardec
Numa página psicografada pelo médium René Pessa, em Rio das Flores, aprazível e morigerada cidade do Estado do Rio de Janeiro, terra natal de Dona Yvonne do Amaral Pereira, essa benfeitora abençoada identificou duas causas principais do mecanismo de interferência dos inimigos da Luz na seara espírita:
Primeira: É o próprio companheiro espírita que recebe todo o repositório de informações de uma Casa Espírita, mas que não o vivencia no dia a dia de sua existência.
Segunda: É a persistência dos chamados “donos dos Centros Espíritas”, que não observam os conteúdos da Codificação Kardequiana, deixando-se levar pelos reflexos da “modernidade” das teorias espiritualistas, que jamais se aproximam do vero exercício da Doutrina Espírita. (Torna-se evidente que a segunda causa decorre da primeira.)
Mas, por que o companheiro espírita, aquele que se diz “trabalhador” da Seara do Cristo, assenhoreando-se de todo o repositório de informações do conteúdo doutrinário do Espiritismo, torna-se um aliado das sombras, oferecendo “brechas” para a interferência nefasta e destruidora dos agentes das trevas?
Antes de apelar para Kardec, em busca da solução, devemos nos lembrar de que até mesmo o Colégio Apostólico teve o seu Judas. Além disso, arriscamos uma hipótese: movidas pelo orgulho, pelo egoísmo e pelo abominável personalismo dissolvente, tais criaturas não atentam para o lamentável corolário de seus “labores” na seara espírita, onde comumente não primam pela fidelidade doutrinária. Mas isso ainda não é tudo, porque não podemos subestimar a influência ativa e persistente dos Espíritos obsessores. Com tais ingredientes tão explosivos, fabrica-se a “dinamite” da cizânia, do destempero e da irresponsabilidade, com o consequente desmantelamento dos profícuos e sérios trabalhos da Casa Espírita e a evasão dos bons trabalhadores que os executavam.
No livro “Tormentos da Obsessão” de Manoel Philomeno de Miranda, psicografado por Divaldo Franco, podemos observar o destino que aguarda no Mundo Maior esses pretensos espíritas. Aliás, André Luiz também já deu mostras dessa realidade no livro “Os Mensageiros”, psicografado por Chico Xavier.
Kardec, assessorado pelos Maiores da Espiritualidade, elucida o problema da seguinte forma1: “(...) Muitos dos que acreditam nos fatos das manifestações não lhes apreendem as consequências, nem o alcance moral, ou, se os apreendem, não os aplicam a si mesmos. A que atribuir isso? A alguma falta de clareza da Doutrina? Não, pois que ela não contém alegorias nem figuras que possam dar lugar a falsas interpretações. A clareza é da sua essência mesma e é donde lhe vem toda a força, porque a faz ir direto à inteligência. Nada tem de misteriosa e seus iniciados não se acham de posse de qualquer segredo, oculto ao vulgo. Será então necessária, para compreendê-la, uma inteligência fora do comum? Não, tanto que há homens de notória capacidade que não a compreendem ao passo que inteligências vulgares, moços mesmo, apenas saídos da adolescência, lhes apreendem, com admirável precisão, os mais delicados matizes. Provém isso de que a parte por assim dizer material da ciência somente requer olhos que observem, enquanto a parte essencial exige um certo grau de sensibilidade, a que se pode chamar maturidade do senso moral, maturidade que independe da idade e do grau de instrução, porque é peculiar ao desenvolvimento, em sentido especial, do Espírito encarnado.
Nalguns, ainda muito tenazes são os laços da matéria para permitirem que o Espírito se desprenda das coisas da Terra; a névoa que os envolve tira-lhes a visão do Infinito, donde resulta não romperem facilmente com os seus pendores nem com seus hábitos, não percebendo haja qualquer coisa melhor do que aquilo de que são dotados. Têm a crença nos Espíritos como um simples fato, mas que nada ou bem pouco lhes modifica as tendências instintivas. Numa palavra: não divisam mais do que um raio de luz, insuficiente a guiá-los e a lhes facultar uma vigorosa aspiração, capaz de lhes sobrepujar as inclinações. Atêm-se mais aos fenômenos do que à moral, que se lhes afigura cediça e monótona. Pedem aos Espíritos que incessantemente os iniciem em novos mistérios, sem procurar saber se já se tornaram dignos de penetrar os arcanos do Criador. Esses são os espíritas imperfeitos, alguns dos quais ficam a meio caminho ou se afastam de seus irmãos em crença, porque recuam ante a obrigação de se reformarem, ou então guardam as suas simpatias para os que lhes compartilham das fraquezas ou das prevenções. Contudo, a aceitação do princípio da doutrina é um primeiro passo que lhes tornará mais fácil o segundo, noutra existência.
Aquele que pode ser, com razão, qualificado de espírita verdadeiro e sincero, se acha em grau superior de adiantamento moral. O Espírito, que nele domina de modo mais completo a matéria, dá-lhe uma percepção mais clara do futuro; os princípios da Doutrina lhe fazem vibrar fibras que nos outros se conservam inertes. Em suma: é tocado no coração, pelo que inabalável se lhe torna a fé”.
Identificamos, assim, com Kardec, ser a imaturidade do senso moral o vulnerável “tendão de Aquiles” dos “trabalhadores” espíritas, que tantos danos intestinos têm provocado no movimento doutrinário.
Jesus conclamou2: “Resplandeça a vossa luz diante dos homens”, e para tal, segundo Martins Peralva, torna-se necessário o aprendizado, a reflexão e o automelhoramento, através do trabalho.
Continua Peralva3: “(...) O interesse do Senhor é que os Seus discípulos de ontem, de hoje e de qualquer tempo, sejam enobrecidos por meio de uma existência moralizada, esclarecida, fraterna... O Evangelho aí está, como presente dos Céus, para que o ser humano se replete com as suas bênçãos, se inunde de suas luzes, se revigore com as suas energias, se enriqueça com os seus ensinos eternos.
O Espiritismo, em particular, como revivescência do Cristianismo, também aí está, ofertando-nos os oceânicos tesouros da Codificação. Então de que mais precisa o homem para engrandecer-se, pela cultura e pelo sentimento, se lhe não faltam os elementos de renovação, plena, integral, positiva?!... Que falta ao homem moderno, usufrutuário de tantas bênçãos, para que se lhes resplandeça a luz?!...
A renovação do homem, sob o ponto de vista moral, intelectual e espiritual, é difícil, sem dúvida; mas é francamente realizável. É indispensável, tão somente, disponha-se ele ao esforço transformativo, com a consequente utilização desses recursos, desses meios, desses elementos que o Evangelho e o Espiritismo lhe fornecem farta e exuberantemente, sem a exigência de qualquer outro preço a não ser o preço de algo bem simples: a boa vontade, a disposição de automelhoria.
(...) Renovação moral, cultural, espiritual... Tal o sublime programa ao qual fomos convocados por Jesus. A estrada é difícil, o caminho é longo, repleto de espinhos e pedras, de obstáculos e limitações, porém, a meta é perfeitamente alcançável. E uma condição apenas é indispensável: um pouco de boa vontade. Boa vontade construtiva, eficiente, positiva... O resto virá, no transcorrer natural da longa viagem...”.
- KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 125. ed. Rio: FEB, 2006, cap. XVII, item 4.