DIAMANTINO
LOURENÇO
RODRIGUES DE
BÁRTOLO
bartolo.profuniv@mail.pt
Venade - Caminha, Viana
do Castelo
(Portugal)
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Intervenção
cívica e
religião
Enquanto
princípio
constitucional,
é verdade que se
verifica a
separação e
interdependência
dos poderes:
entre os Órgãos
de Soberania do
Estado; e destes
para com as
instituições, em
geral, e com a
Igreja, em
particular,
principalmente,
nos países
democráticos,
não havendo
ingerência nas
competências de
um em relação às
outras: «A
República
Portuguesa é um
Estado de
direito
democrático,
baseado na
soberania
popular, no
pluralismo de
expressão e
organização
política
democráticas, no
respeito e na
garantia da
efetivação dos
direitos e
liberdades
fundamentais e
na separação e
interdependência
de poderes,
visando à
realização da
democracia
econômica,
social e
cultural e o
aprofundamento
da democracia
participativa»
(CRP, 2004: 19,
Artº 2º).
Significa que:
ao Estado cabem
as funções e
atividades
temporais; à
Igreja
pertencem-lhe:
primeiro, o
papel metafísico
da condução
espiritual dos
crentes e,
também, dos não
crentes,
entrando aqui a
sua dimensão
benevolente e
misericordiosa;
depois,
atividades
humanísticas.
Aparentemente,
esta separação
será correta,
lógica e
coerente,
independentemente
dos resultados e
das vantagens
que se poderiam
obter numa outra
dinâmica, sem
que qualquer das
instituições
perdesse a sua
verdadeira
identidade, nem
abdicar dos seus
objetivos.
Na realidade,
podem-se
discutir a
viabilidade e a
conveniência do
estabelecimento
de parcerias,
para
determinados
fins, entre o
Estado e a
Igreja, de
resto, e na
prática, esta
estratégia até
se verifica em
diversos
domínios:
educação, saúde,
assistência
social, entre
outros
possíveis,
embora menos
evidentes,
contudo,
igualmente
importantes. A
realidade
existente não
deverá ser
ignorada sob
nenhum pretexto.
Constitucionalmente,
a separação
entre estes dois
poderes – Poder
Político e Poder
religioso –, é
uma situação de
direito, embora
não se possa
considerar uma
realidade de
fato. E se em
certos países,
com regimes
ditatoriais, a
Igreja terá sido
ferozmente
perseguida, por
um certo poder
político que não
toleraria a
influência dos
distintos
dignitários
religiosos, nas
democracias, é
levado o Estado
a aceitar a
intervenção da
Igreja, nos
setores em que a
instituição
religiosa é
muito competente
e tem longa
tradição.
Excluir a Igreja
ou remetê-la
para posições
secundárias, por
exemplo, em
cerimônias
públicas
oficiais, onde
as regras
protocolares se
impõem, parece
ser uma atitude
incoerente e
injusta, até
porque as
dimensões:
política,
religiosa e
social do homem,
entre muitas
outras, são
essenciais, não
só na
dignificação das
respectivas
atividades,
obtenção de
resultados, como
também na busca
de uma sociedade
mais civilizada,
pacífica e
feliz, uma
sociedade mais
humanizada.
A intervenção
política ganha,
designadamente,
nas vertentes
sociais e
humanísticas,
quando e sempre
que se associa à
religião, esta
entendida nas
grandes e
milenares
correntes
religiosas,
dadas: a
experiência, a
ponderação, a
prudência e a
sabedoria dos
seus legítimos
representantes.
Não se trata de
substituir a
política pela
religião, ou
vice-versa. O
que importa é
congregar estas
duas dimensões
humanas, no
sentido de se
criarem melhores
condições para o
desenvolvimento
e progresso
sustentados da
sociedade.
O cidadão que
exerce funções
políticas, ele
próprio, poderá
ser uma pessoa
religiosa e, por
esse fato,
enquanto crente
e praticante de
uma determinada
religião, ele
poderá
significar para
os seus
concidadãos um
modelo,
naturalmente: a
seguir por
muitos; a
rejeitar por
alguns outros,
porque: «Fé,
fidelidade,
confiança são
manifestações de
um mesmo fundo
comum. A fé não
é uma atitude
que se manifeste
apenas perante o
divino. Esta é
propriamente a
fé religiosa. Há
também a fé como
atitude
existencial
básica. Em ambos
os casos, há uma
fidelidade a
princípios
reitores que
orientam e
sustentam a vida
da pessoa e há a
plena confiança
na verdade
destes
princípios»
(ROMERO,
1998:310).
A dimensão
religiosa, a
partir da fé num
ente divino,
facilita novas
atitudes para
que se tenha
outro tipo de
fé, desde logo
nas boas
consequências
dos atos
humanos,
praticados no
respeito pelos
valores humanos,
na obtenção dos
melhores
resultados, na
melhoria das
atitudes
individuais e
coletivas. Em
todo o caso,
salvaguardando-se
todas aquelas
situações que,
originadas,
patrocinadas e
verificadas por
cidadãos
alegadamente
neutros, em
termos
religiosos,
produzem,
igualmente,
excelentes
resultados e
desempenham
mandatos
políticos, com a
maior isenção e
humanismo.
A fé religiosa,
na
circunstância,
não é condição
fundamental para
que o político
possa exercer
eficazmente a
sua atividade,
considerando a
eficácia no
sentido do
bem-estar das
populações.
Aliás, a
História tem
revelado as duas
faces da
intervenção:
políticos,
alegadamente,
muito religiosos
que,
eventualmente,
terão sido
autênticos
ditadores;
políticos,
supostamente,
ateus e
agnósticos que
foram e,
certamente,
outros serão,
grandes
democratas. Num
e noutro caso,
com resultados
conhecidos em
todo o mundo.
A dimensão
política do
cidadão
constitui um
patrimônio que,
ao longo da
vida, cada
pessoa pode
construir,
aumentar e
preservar: quer
para a
realização de
projetos
materiais, com
objetivos
altruístas e
humanitários;
quer na
consecução de
planos de
intervenção
religiosa, de
apoio às
respectivas
instituições e
confissões,
representativas
e credíveis,
entre as grandes
comunidades.
Tal como a
saúde, o
emprego, a
habitação, a
educação, também
a religião tem o
seu papel na
vida da maioria
das pessoas.
Esta realidade,
nenhum político,
nenhum
cientista,
nenhum técnico,
enfim, nenhum
profissional
pode ignorar,
sob pena de vir
a cair em
situações de
falta de
isenção.
Apoiar quem não
professa nenhuma
religião, só
porque o Estado
é, ou se diz,
laico, já
constitui uma
discriminação
negativa para
com aqueles que
manifestam a sua
orientação
religiosa. No
respeito pelas
convicções
agnósticas, o
político
inserido numa
comunidade
religiosa, na
qual coexistem
várias correntes
confessionais,
como tais
reconhecidas e
seguidas pelos
respectivos
crentes, deve
colaborar,
imparcialmente,
com todas elas,
sem se imiscuir
nas competências
dos respectivos
dignitários.
A intervenção
política num
Estado de
Direito
Democrático não
pode alhear-se
das realidades
ancestrais que
sustentam
diversos e
fundamentais
valores, no seio
das comunidades.
Os exemplos da
dimensão
religiosa da
pessoa humana,
independentemente
do papel que
cada uma
desempenha,
sucedem-se
diariamente:
perante uma
calamidade
pública, quantas
vezes os crentes
se organizam em
procissões,
rezando e
pedindo ao Deus
que adoram a
solução para os
seus problemas
e, com estas
manifestações,
quaisquer que
venham a ser os
resultados,
estão a
colaborar com o
poder político,
este sim, que
tem o dever de
solucionar as
ocorrências,
mesmo aquelas
que são
originadas pela
Natureza.
Mas a situação
inversa também
ocorre,
frequentemente,
ou seja: agora é
o candidato a um
qualquer cargo
público que, por
exemplo, em
campanha
eleitoral, ou já
durante o
exercício de
funções,
resultantes do
desempenho do
cargo para que
concorreu e foi
eleito, ele
busca cair na
admiração e boas
graças dos
crentes,
participando,
voluntariamente,
ou a convite,
nos atos do
culto.
Ora, se a
religião serve
para dar
visibilidade a
certos
candidatos, para
tentar
transmitir uma
ideia favorável
sobre os seus
valores
religiosos,
então a mesma
religião e os
seus dignitários
devem merecer
mais atenção e
apoio, por parte
daqueles que os
procuram para
satisfação de
projetos: sejam
pessoais, sejam
comunitários.
Provavelmente,
constitui uma
incoerência
incompreensível
toda e qualquer
atitude que,
numa primeira
fase, se serve
da religião,
para, depois,
conseguido o
lugar
pretendido, não
só se ignorar a
dimensão
religiosa da
pessoa humana
como ainda,
muito pior,
executar
projetos de
desvalorização e
afastamento
dessa mesma
religião.
O cidadão para
se assumir,
verdadeira e
intelectualmente,
honesto e
eticamente
correto deveria,
durante a sua
campanha
eleitoral e
apresentação do
projeto
interventor,
referir e
esclarecer à
população sobre
várias
situações: em
primeiro lugar,
ter a atitude
ético-moral de
não pedir votos
àqueles que,
professando uma
certa religião,
ele, enquanto
candidato, é
contrário, não
se identifica
com ela, ou não
a apoia; em
segundo lugar,
informar que, no
caso de vir a
ser eleito,
determinados
direitos e
garantias, já
adquiridos, por
uma dada
religião, lhe
vão ser
retirados ou
mantidos; em
terceiro lugar,
deveria
escusar-se a
participar,
discriminadamente,
em atos do
culto, da
religião que
professa ou à
qual se opõe,
nem servir-se da
influência dos
seus dignitários
em quaisquer
eventos e
cerimónias.
Poderá ser
inaceitável
fazer “jogo” com
todas as
religiões,
apenas para
tentar
afirmar-se
neutro, porque
na verdade todo
o candidato
experiente sabe
muito bem qual a
sua posição
religiosa. Nem
sempre os meios
justificam os
fins.
Posição correta,
coerente e
apreciada será a
que trata de
igual modo todas
as religiões,
manifestando, em
todas as
circunstâncias,
seja no
exercício do
poder, seja como
simples cidadão,
o mesmo respeito
e consideração
por todas as
confissões
religiosas, que
não perfilhem
ideologias de
negação e
combate aos
valores,
princípios, usos
e tradições da
população.
Tratar a todos
de igual modo,
com idênticos e
proporcionais
benefícios, não
retirando
àqueles que já
beneficiam, com
o argumento de
que tem de haver
tratamento
igual, isso
poderá
configurar
parcialidade, na
medida em que
parece injusto
tirar a uns para
não dar a
outros, então, a
solução credível
e justa será
manter os
direitos
adquiridos e
facultar
idênticos e
proporcionais
direitos àquelas
religiões que
não tinham nada.
Ao candidato não
lhe basta ser
sério, também
tem de parecer,
realizando os
atos necessários
nesse sentido.
Em coerente
posição, também
o religioso não
pode aproveitar
o seu
magistério, as
suas funções de
grande
influência
espiritual, nos
cidadãos-crentes,
para levar estes
a se revoltarem
contra os
candidatos e/ou
poderes
legitimamente
constituídos, ou
contra uma
determinada
ideologia,
força, grupo ou
partido
político.
Certamente que
em tempo e local
próprios, pode
(e deve) o
religioso apelar
à sensibilidade
do governante,
nomeadamente
para as questões
sociais, quando
as condições de
vida de toda uma
população se
encontram abaixo
da dignidade
humana. O papel
da Igreja, neste
domínio, é
fundamental e
reconhece-se-lhe
o direito
indeclinável de
defender,
proteger e lutar
pelos e ao lado
dos mais fracos,
desfavorecidos e
marginalizados.
Intervenção
política e
religião,
cidadão-político
e
cidadão-religioso
têm, pois, uma
missão altruísta
a cumprir,
sempre ao
serviço das
comunidades, em
leal e produtiva
parceria. No
respeito pela
separação de
poderes, no
cumprimento dos
deveres
ético-morais e
político-religiosos,
é perfeitamente
possível,
exequível e,
dir-se-á,
desejável, a
congregação de
esforços, dentro
de um certo
eclectismo, na
elaboração de
projectos
comunitários de
diversa natureza
e com objectivos
bem definidos,
cujos resultados
satisfaçam os
fins da
governação e da
religião, sempre
em benefício da
população onde
se inserem.
Desta harmonia
resulta a paz e
a sua
consolidação. A
estes parceiros,
outros se
juntarão,
nomeadamente,
todos aqueles
que estão
empenhados no
bem-estar da
sociedade, sejam
empresários,
trabalhadores,
artistas,
liberais,
economistas,
juristas,
docentes,
políticos e
todos os demais
cidadãos de boa
vontade.
Bibliografia:
ROMERO, Emílio,
(1998). As
Dimensões
da Vida Humana:
Existência e
Experiência,
São José dos
Campos: Novos
Horizontes
Editora.
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