Como dissemos na semana
passada, hoje apresentaremos
o diálogo entre Da.
Leocádia, que, depois de um
importante período de
depressão pela perda súbita
do marido, aceita o convite
e vai ao Centro Espírita
onde Chico se dedica ao
trabalho de mensagens, em
busca de conforto para sua
alma cansada. Após receber a
mensagem que ela julga
autêntica, a cidade entra em
frenesi e os filhos de D.
Leocádia trazem o pároco da
cidade para uma conversa com
a mãe.
Ouçamos o diálogo e a
firmeza no caráter daquela
que não tem dúvidas de que
encontrou na mensagem as
respostas para suas
aflições. Ouçamos a
narrativa de Victor Hugo, no
livro “Árdua Ascensão”
(colocamos as letras P e L
antes das falas do Pároco e
de D. Leocádia,
respectivamente, para
facilitar a compreensão):
– Isto ocorreu quando os
familiares preocupados lhe
trouxeram ao lar o sacerdote
católico, para um lanche, à
tarde, e posterior
conversação.
Gentilmente recebido, depois
das preliminares e das
divagações comuns, foi o
cura quem se adentrou no
assunto que o levara até
ali.
P - Reconhecemos o seu
natural estado de
perturbação, após o
falecimento do esposo. A
Igreja, portanto,
perdoar-lhe-á o pecado de
haver recorrido aos demônios
ou à charlatanice do nosso
pobre Chico, de todos nós
muito conhecido...
L - Perguntaria ao bom amigo
se tomou conhecimento da
mensagem do meu marido, por
que a leu ou por que lhe
informaram?
P - Por informação de
terceiros...
L - Então, mesmo com a sua
bondade e critério, que
sempre respeitei, não lhe
reconheço autoridade para
opinar a respeito de algo
que não conhece. Estive,
sim, com a mente alterada,
porque a alma se encontrava
extenuada ante o acontecido.
A minha religião não
conseguiu armar-me para o
inevitável, aquilo que,
afinal, deve ser a base da
crença: a Imortalidade da
Alma! Nada conheço, ainda, a
respeito do Espiritismo, que
pretendo estudar, mas
afianço-lhe que não fui nem
estou ludibriada por um
intrujão, nem por um
demônio, pela imediata
dedução lógica de que o mal
não faz o bem e a mentira
não suplanta a verdade.
Quanto mais leio as páginas
que me dirigiu o meu esposo,
mais certeza e conforto
moral adquiro, a ponto de
não mais lamentar em
desespero a sua partida,
resignando-me e confiando no
reencontro, mediante o qual
nos é acenada a esperança de
felicidade. Agora, passo-lhe
às mãos a carta do Além,
para que o senhor a possa
julgar com conhecimento de
causa.
O sacerdote ficou
estarrecido diante da
nobreza da senhora, tanto
quanto da sua argumentação e
sinceridade. Saindo do
estupor, retomou a presunção
e redarguiu:
P - Nego-me à afronta. Ler
uma peça elaborada por um
farsante ou insuflada pelo
Tentador constitui um
desrespeito à minha condição
religiosa.
L - Admira-me essa postura
do amigo sacerdote, que
muitas vezes nos referiu a
advertência do Cristo a
respeito do “não julgar”, e,
no entanto, sem querer
examinar o fato, não apenas
julga-o, como o condena
liminarmente.
P - A senhora está possessa
por uma força demoníaca!
L - Se é verdade, cumpre-lhe
afastá-la de mim, pois que
continuo católica, vinculada
à Igreja que o senhor
representa, buscando Deus
pelo amor e pela razão.
P - A senhora foi
enfeitiçada por bruxos...
D. Leocádia sorriu, mas não
saberia dizer se da
ingenuidade do sacerdote ou
da sua imensa ignorância.
L - Padre, observe. Desde
que aqui chegou, ao invés de
consolar-me da irreparável
perda de meu marido e
esclarecer-me, o senhor
somente acusa e deplora...
Lá, recebi palavras de
alento e conselhos de fé. A
oração dominical abriu e
fechou a reunião, em cujo
transcurso as lições do
Evangelho foram recordadas
através de comentários
amenos e de atualidade,
convidando-nos ao
fortalecimento das virtudes
e dos valores morais. Onde a
presença de Satanás, ou a
manifestação de qualquer
outro interesse, exceto o da
solidariedade?
P - É uma armadilha! No
começo utilizam-se de uma
técnica de hábil
aliciamento, para se
desvelarem depois.
L - Nada o indica. Fui ali
por indução de pessoas não
vinculadas à Casa... Não me
dispensaram tratamento
especial, bajulatório,
diferente daquele dado às
pessoas mais pobres de nossa
cidade, inclusive a alguns
mendigos presentes, e não me
foi feito nenhum
interrogatório... Tudo se
apresentou simples e puro
como deve ter sido o
Evangelho ao tempo de
Jesus...
P - Eles não são cristãos...
L - Não discuto o que sejam,
porque os não conheço ainda.
Refiro-me ao que os vi
fazer, que me parece mais
importante, conforme
respondeu o cego de nascença
aos que acusavam Jesus de
mistificador, e que o
preclaro amigo certamente
recorda: “Se é profeta, são
sei. O que sei é que eu era
cego e agora vejo”. É
exatamente o que se dá
comigo. Agora vejo luz
diferente que me arranca da
cegueira e pacifica-me
interiormente.
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