EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
Campinas, SP
(Brasil)
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Há algo errado,
concorda?
Hoje fui à
feira, uma
tarefa que
particularmente
sempre
considerei
agradável e
nunca a havia
pensado como
algo
non-sense –
ao menos até
agora, e
explicarei por
quê.
Uma terça-feira
de maio (2014)
ali estava eu,
euzinha,
na feira do
meu bairro. E
diante de uma
banca de legumes
e frutas (de
produção
nacional),
pensei que o
absurdo pode,
sim, ser o
avesso de uma
coisa que parece
racionalmente
lógica. Pois,
quando o
feirante me
pediu dois reais
por uma espiga
de milho, pasma
e indignada, me
pus a
questionar:
"este absurdo é
o avesso de
quê?"
Veio-me então um
insight
repentino: há
muitas pessoas
hoje, no Brasil,
que continuam a
fomentar este
jeito distorcido
de "levar
vantagem em
tudo" e,
deslocados de um
olhar
cosmopolita,
gostam de atuar
na vida social
enfeitiçados
pela ganância
insaciável.
E além dos
gananciosos que
estão a
engrossar a fila
dos aspirantes
às estratégias
dos exploradores
[que normalmente
“furam filas”],
outros, os
transformados em
pasta homogênea
não pensante,
desprezam o fato
de que a
construção de um
destino comum
não pode
subtrair da
utilidade
econômica o
comando ético,
senão tudo que
participa e
compõe a vida,
individual e
coletiva, passa
a assumir a
função de
uma
condicionante
para se obter
mais lucro.
Com isso, a
gente fica
olhando para uma
coisa e vê
outra, e, por
isso, uma
simples espiga
de milho passa a
agregar com
naturalidade em
uma banca de
feira o germe
infeccioso da
intolerável
superexploração...
E então fez
sentido o grito
da mulher para
ele, o feirante:
"Meu senhor,
isto não é
extorsão?"
Passamos a ter a
sensação neste
país de uma
democracia
semelhante a
pássaro
engaiolado,
que pula de
poleiro em
poleiro porque
não sabe (mais)
de onde refulgem
os sonhos dos
povos que não
têm as mentes
colonizadas.
E consumidos por
esta democracia
que tanto
falseia quanto
nos explora, nos
furta o justo
até mesmo no
preço da
farinha, do
leite e das
maçãs, que
viraram opção
privilegiada,
seguimos
atônitos,
apressados e
anêmicos do
ponto de vista
da ética e da
ousadia,
esquecidos do
fascínio de
pensar, porque
só pensamos
em marchar...
A cada semana
seguimos o fluxo
de uma agenda
econômica (de
mercado, mas
adjetivada de
política)
que alimenta a
invisível
servidão das
gentes (estamos
visceralmente
adestrados),
pois esta última
é pelos
“controladores
da democracia
engaiolada”
criativamente
disfarçada na
alegria gerada
pelos muitos
feriados que os
legisladores das
cidades
inventaram - e,
de fato, não
para fazermos,
enquanto
indivíduos e
comunidades,
destes dias
inteiros de ócio
manifestações de
bem e beleza,
mas sim para
continuarmos a
seguir a direção
desse
conhecimento de
coisas já
sabidas... Logo
naturalmente
aceitamos ser
levados para os
lugares que
todos vão.
E, perdoem-me,
mas vamos para
estes mesmos
lugares não por
ousadia, mas por
imitação
e letargia. Nada
de aventuras,
porque, mais do
que nunca, neste
instante do
milênio, somos
os pássaros
treinados pelos
"controladores
da democracia
engaiolada",
adestrados para
tanto aceitar
viver explorados
e pesados como
tolos o bastante
para continuar a
fazer o mesmo,
pois seguramente
protegidos pela
prudência dos
que habitam
gaiolas das
(destemidas)
certezas.
*Uma única nota.
Indignada,
contei a dois
amigos, um que
vive na Suíça,
em Zurique, e
outro,
americano, que
mora na Flórida,
sobre o preço
que me foi
pedido por uma
espiga de milho
verde na feira
do bairro em
Campinas-SP.
O primeiro,
brasileiro que
vive na Suíça
desde a saída da
infância, me
disse que este é
o preço pedido
nas feiras da
cidade e por um
fato simples: a
Suíça não produz
milho, logo, as
espigas verdes
são importadas;
e o americano,
por usa vez, me
disse que por
este preço, na
feira da
comunidade de
sua região, ele
leva seis
espigas. Então,
ele lançou a
pergunta:
“Querida, não há
algo errado?”