JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
Brasília, DF (Brasil)
|
|
O artigo
Ainda que
a justiça dos homens não
puna nossas
faltas, nada escapa a
Deus
Após anos de sucesso, o
concurso de artigos
destinado a alunos,
funcionários e
professores foi, mais
uma vez, lançado naquela
famosa faculdade. Os
alunos competiam entre
si, mas os funcionários
graduados concorriam com
os professores. Naquele
ano, um dos concorrentes
do corpo docente soube
de uma funcionária muito
dedicada que, embora ela
jamais houvesse
participado do concurso
antes, daquela vez seria
sua vencedora, ainda que
aquela fosse, também, a
primeira vez que
escreveria um artigo.
O prêmio para o vencedor
era bastante generoso:
três mil reais. Isso
equivalia a dois meses
de trabalho de Marcela,
a concorrente imbatível.
Assim mesmo, Genebaldo,
professor de História da
instituição promotora do
concurso, resolvera
participar. Afinal, no
evento do ano anterior
fora o vencedor, com o
ensaio intitulado A
ética na educação.
Por isso mesmo, confiava
na lisura de sua
coordenadora. Entre
professores e
funcionários, havia mais
de trinta participantes
do certame.
Genebaldo trabalhava no
mesmo departamento da
exemplar funcionária, a
quem devia favores mil,
como o de conferir
lançamentos de menções
de seus alunos em
diários, tirar cópias de
exercícios e provas,
fornecer materiais
didáticos para suas
aulas etc. É certo que
havia outras secretárias
e secretários no local,
que faziam o mesmo
serviço, mas a
funcionária-chefa de
todos eles era Marcela.
Sem sua autorização,
nada de cópias, nada de
material didático, nada
de conferência de
diários etc.
Dias antes de Marcela
inscrever seu trabalho,
a coordenadora do
concurso saíra catando
todos os artigos
premiados dos anos
anteriores e, como
cedera alguns a
Genebaldo, para que este
os utilizasse com seus
alunos no ensino de
produção textual
referente ao gênero,
perguntou-lhe se o
preclaro professor
poderia devolver-lhe o
material cedido, com o
que este aquiesceu.
Numa bela manhã, após o
encerramento das
inscrições, uma colega
de Marcela, que se
chamava Larissa, muito
querida por todos os
colegas e professores,
ao atender Genebaldo com
o fornecimento de pincel
para anotações no quadro
branco, espontaneamente,
disse-lhe o seguinte:
“Professor, o resultado
do concurso do qual o
senhor participou deve
sair na próxima semana,
e a Marcela, que também
participou, vai ser
premiada como autora do
melhor trabalho, pois a
coordenadora do evento
está ajudando-a. Esse
será também um
reconhecimento público à
competência profissional
da colega, que trabalha
aqui há mais de dez anos
e está meia
individada”.
“Como assim? O
regulamento prevê
autoria exclusiva, os
artigos ainda nem foram
avaliados e você já sabe
quem vai ganhar? Não
sabia que era médium
clarividente, pois os
dados dos concorrentes
são sigilosos.”
“Não é nada disso,
fessô. Acontece que
a colega está passando
uma grande dificuldade
financeira e precisa do
dinheiro para pagar suas
dívidas. E ela
merece...”
“Ah, sim, já entendi.
Uma semana antes de
serem avaliados todos os
artigos e ser publicado
o resultado do concurso,
com os nomes dos
ganhadores dos prêmios,
há uma participante,
mais você e a professora
coordenadora do evento
que estão cientes de
quem será sua vencedora,
na categoria professores
e funcionários, não é
isso mesmo? É justo, é
justíssimo... Só não sei
se os demais
concorrentes, se
souberem disso, também
acharão justo.”
Na semana seguinte,
Marcela foi declarada a
vencedora do evento e,
dias depois, falou, meio
sem graça, a Genebaldo:
“Pois é, professor, esta
foi a primeira vez que
participei do concurso e
consegui o primeiro
lugar... Muita sorte,
né?”.
“Parabéns”,
respondeu-lhe o
professor, abraçando-a.
“Você precisa...”
Mas não deixou de
pensar: “Sorte nada,
alto QI. Bem
feito para nós, mestres,
doutores e outros
funcionários graduados
que não soubemos
escrever um bom artigo”.
Por coincidência, aquele
foi o último ano do
concurso. Como há
coordenadores generosos
neste mundo...
A história acima foi-nos
contada por um professor
nostálgico dos tempos em
que já se pensou em uma
educação voltada para
formar hábitos
saudáveis, respeito à
ética, aos valores
fundamentais do direito,
dos bons costumes e da
moral. “Infelizmente -
dizia-nos ele - há muita
gente que faz da teoria
um meio de alcançar seus
objetivos espúrios, sem
nenhuma preocupação em
reformular seus próprios
princípios duvidosos e
sem cogitar sobre as
consequências do mau uso
do livre-arbítrio em
nossas curtas vidas na
Terra.”
Segundo Allan Kardec, na
questão 685-a de O
Livro dos Espíritos,
há um elemento, que se
não costuma fazer pesar
na balança e sem o qual
a ciência econômica não
passa de simples teoria.
Esse elemento é a
educação, não a educação
intelectual, mas a
educação moral. Não nos
referimos, porém, à
educação moral pelos
livros e sim à que
consiste na arte de
formar os caracteres, à
que incute hábitos,
porquanto a educação é o
conjunto dos hábitos
adquiridos.
Considerando-se a
aluvião de indivíduos
que todos os dias são
lançados na torrente da
população, sem
princípios, sem freio e
entregues a seus
próprios instintos,
serão de espantar as
consequências
desastrosas que daí
decorrem? Quando essa
arte for conhecida,
compreendida e
praticada, o homem terá
no mundo hábitos de
ordem e de previdência
para consigo mesmo e
para com os seus, de
respeito a tudo o que é
respeitável, hábitos que
lhe permitirão
atravessar menos
penosamente os maus dias
inevitáveis. A desordem
e a imprevidência são
duas chagas que só uma
educação bem entendida
pode curar. Esse o ponto
de partida, o elemento
real do bem-estar, o
penhor da segurança de
todos.
Infelizmente, algumas
pessoas, quando
investidas do poder
temporal na Terra,
deturpam, com seus atos,
os valores mais
elementares da ética, se
desejam beneficiar as
criaturas que estimam,
com um paliativo para
suas dificuldades
financeiras, quando
podem, perfeitamente,
aumentar seus salários.
Preferem fingir que
premiam esse ou aquele
com a criação de
concursos fraudulentos
do que respeitar o
trabalho e o mérito de
muitos outros que,
ingenuamente, creem na
lisura da avaliação de
seus esforços.
Vemos, com indignação,
em nossa sociedade
contemporânea,
tornarem-se comuns
situações como a
descrita na história
acima, seja em concursos
públicos ou na
iniciativa privada.
Difícil é provar a falta
de lisura, ainda que
isso fique evidente,
pois, mesmo que o
consigamos, tal
“atrevimento” poderá
implicar em nossa
demissão, caso
pertençamos ao quadro de
funcionários da empresa.
Quando a educação tiver
por norma criar hábitos
saudáveis, preparar o
caráter do educando para
os benefícios perenes da
prática do bem, do
respeito aos direitos do
próximo, tais ajudas
antiéticas não mais
terão lugar em nosso
mundo. Para isso
acontecer, é
imprescindível que se
invista na educação do
espírito como um todo,
não somente na formação
de uma mente
intelectual.
A educação, segundo o
educador Edgar Morin,
deve basear-se nos
quatro pilares
seguintes: aprender a
ser, a conhecer, a fazer
e a conviver.
Os bons e os maus
exemplos sempre deixam
suas marcas, por isso
precisamos pensar
seriamente em sua força
e influência. “Quantos
prosseguem ou quantos
desistem, influenciados,
quase sempre sem
consciência do fato,
pelos nossos exemplos
bons ou maus”.
A verdadeira educação
fundamenta-se na
elevação moral do
espírito eterno, base de
todas as crenças. Ainda
que muitos não creiam, a
Lei de Deus retribui “a
cada um segundo suas
obras”, conforme os
ensinamentos de Jesus
confirmados pelo
Espiritismo.
Quem hoje lesa alguém,
amanhã será lesado
igualmente. Os que não
acreditam nisso
fatalmente terão sua
comprovação quando menos
esperarem. Por isso, é
importante que busquemos
sempre o bem, sem jamais
esquecermos que, diante
de Deus, não existem
privilégios entre seus
filhos; e não nos cabe
tomar-Lhe o lugar.
Lembremo-nos da
recomendação de Jesus,
para que, de futuro, não
venhamos a sofrer as
consequências do mau uso
do nosso livre-arbítrio,
tão negado pelos
niilistas atuais, mas a
mais certa verdade
cristã, que nos
esclarece sobre a
existência da justiça de
Deus na consciência de
cada um de nós:
“Portanto, tudo o que
vós quereis que os
homens vos façam,
fazei-lhos também vós,
porque esta é a lei e os
profetas” (Mateus, cap.
6, v. 12).