CLÁUDIO BUENO DA SILVA
Klardec1857@yahoo.com.br
Osasco, SP
(Brasil)
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Somos uma grande nação
Há muitos anos – em 1982
– escrevi um artigo cujo
título era "Chorando de
barriga cheia". Nele
discorria sobre o
comportamento social e
moral dos que, mesmo
tendo como e com o que
viver em períodos de
crise, reclamam de tudo
e de todos, achando
sempre que os direitos
são seus e os deveres
são dos outros. Mais ou
menos como aquele que vê
uma casca de banana no
meio da calçada e não se
importa nem um pouco,
pois não foi ele quem a
jogou ali.
Vivíamos os estertores
do chamado regime de
exceção no Brasil e, por
consequência, à beira da
retomada do processo de
redemocratização do
nosso país, que se deu
em 1985. Havia uma crise
brava e a desorganização
predominava em muitos
setores da economia e da
política. No entanto, o
sofrido povo brasileiro
demonstrou vontade de
mudar e, a duras penas,
mas sem violência, se
organizou e colaborou na
busca da normalização
democrática, que vem se
desenvolvendo a pouco e
pouco desde lá.
Embora a forte crise
afetasse a vida de todos
os brasileiros,
principalmente a dos
mais pobres que sempre
foram a grande maioria,
houve muita gente que se
aproveitou da comoção
social e, até podemos
dizer, a fomentou para
tirar vantagens da
situação caótica.
Apesar do aperto
financeiro que rondava
as famílias brasileiras,
em linhas gerais não
faltava o mínimo
necessário para viver
com dignidade àqueles
que levavam a vida a
sério, trabalhando, se
esforçando e lutando
para contornar as
dificuldades. Posso
afirmar isso com
convicção, pois fazia
parte daquela maioria e
convivia socialmente com
muitas famílias do mesmo
padrão simples. É
preciso considerar, no
entanto, as muitas
exceções espalhadas por
várias regiões do Brasil
de então, regiões aonde
o progresso não chegara
e que raramente eram
atendidas pelas
autoridades públicas e
que também por isso
viviam uma realidade bem
mais difícil.
Nestes últimos trinta
anos o Brasil melhorou
em muitos aspectos.
Avaliando-se o conjunto
se percebe esse avanço.
Analisando-se as partes,
vê-se o quanto há ainda
por fazer e alcançar.
Mas isso é natural num
país em desenvolvimento.
O progresso não se dá
homogeneamente,
considerando-se a
heterogeneidade de
caracteres de um povo
como o brasileiro,
espalhado em grandes
regiões territoriais,
cada uma com suas
características e
peculiaridades próprias
referentes a geografia,
clima, costumes,
tradições etc.
O fato é que sempre
houve insatisfeitos e no
meio deles os
“eternamente
insatisfeitos”, que
fazem grande barulho. O
ruim é quando estes
últimos são formadores
de opinião, com
influência em grandes ou
pequenos círculos. É
compreensível que
pessoas e grupos se
organizem legitimamente
para encontrar soluções
que lhes atendam. Mas a
liberdade de reivindicar
não dispensa o dever de
respeitar os parâmetros
do direito comum. A
violência, não só física
como também moral, nos
afasta do direito, nos
tira a razão.
Muitos não se contentam
nunca com nada, de onde
se percebe que a
insatisfação teimosa
anda junto com o
egoísmo. O insatisfeito
sistemático quer sempre
mais para si, não para o
outro, ainda mais se
este for de outra
condição social, de
outra raça, de outra
região. Nesse
estágio se chega ao
preconceito, que só
agrava as coisas.
Há muito que melhorar,
sim, em nosso Brasil de
hoje, pois não podemos
continuar vivendo “de
costas” para a ética e
os valores construtivos.
Não podemos ser
coniventes com
injustiças flagrantes.
Não podemos calar ante
aqueles que se julgam
imunes às leis e que não
são só os políticos. Na
realidade, os problemas
brasileiros (quem sou eu
para avaliá-los?) não
derivam apenas da
política ostensiva, mas
principalmente (em
essência) do
comportamento antiético
individual quase
generalizado, o que
caracteriza a
imperfeição de
comandantes e
comandados. E a reflexão
sobre isso, que passa
também pela reforma do
modelo de Educação que
temos, compete a cada um
de nós, brasileiros
comuns. A revolta e o
pessimismo sistêmicos
que se estão instalando
no Brasil são altamente
prejudiciais a todos e
não atenderão às nossas
necessidades.
Tem aumentado muito a
pauta de reivindicações
sociais ao mesmo tempo
em que cresce
desafiadoramente o
empuxo egoísta das
exigências de toda ordem
(nem todas válidas),
mascaradas na forma de
direitos. Há um dito
popular que diz: “Quanto
mais se tem, mais se
quer”. Será errado
associar essa
insatisfação ao auge das
tendências consumistas
orientadas pelo
materialismo e pela
incredulidade que tanto
mal fazem ao Espírito?
Não estará aí a causa
que faz emergir no
cotidiano social o que
realmente ainda somos
como pessoas?
Lembro aqui o excelente
texto “Credo espírita”¹,
de Allan Kardec, o
coordenador do
Espiritismo, um homem
profundamente verdadeiro
e humilde, além de
grande humanista, onde
ele diz: ...“A bondade
das leis está em relação
com a bondade dos
homens” ... “A lei civil
não modifica senão a
superfície; a lei moral
é que penetra no foro
íntimo da consciência e
o reforma” ... “Por
melhor que seja uma
instituição social, se
os homens forem maus,
hão de falsificá-la e
desnaturá-la para que a
explorem em seu
particular proveito”.
Afirma ainda “que é rico
quem se satisfaz com o
necessário”.
“Mas isso seria a
inércia, a
passividade!”, dirão. De
forma alguma. Viver em
sociedade não é só ver
atendidas as
expectativas materiais,
individuais ou de
grupos. Mesmo que todas
elas fossem realizadas,
a insatisfação
continuaria. Examinemos
o exemplo de países
ultradesenvolvidos onde
aparentemente “não falta
nada”. Seus habitantes
não fazem guerras, não
têm conflitos, não se
suicidam, não espionam,
não corrompem, não se
prostituem?
“Deus fez o homem para
viver em sociedade”
(...) “E devem todos
concorrer para o
progresso, ajudando-se
mutuamente”². Ninguém
avança para a paz, “para
o melhoramento do estado
social”, destruindo,
agredindo, difamando,
instigando revolta e
insubordinação. Esse
comportamento retarda as
verdadeiras conquistas.
Se compreendermos a vida
como o caminho para a
transcendência, para a
evolução do Espírito (o
que é a pura verdade)
precisaremos exercitar o
desprendimento, o
desapego, a abnegação,
ou seja, seguir a
direção contrária
daquela em que muitos
pensam encontrar a
satisfação plena.
Evoluir espiritualmente
é exigir mais de nós e
menos dos outros.
Portanto, otimismo e
esperança são mais que
necessários no momento
atual. As crises
costumam oferecer
oportunidades de
crescimento e
amadurecimento para os
homens e as
instituições. Somos uma
grande nação, basta
enxergar. Temos muito
que aprender
trabalhando. Nosso povo
precisa sair da infância
e realizar os sonhos
próprios da juventude
forte e saudável. A
maturidade virá com o
tempo. O progresso não
para e a consciência
serena e pacificada nos
levará à construção do
país feliz que tanto
almejamos e que será
reconhecido em toda
parte como pátria do
Evangelho, se assim
tiver que ser.
Referências:
¹ Obras Póstumas,
Allan Kardec, 2ª parte,
LAKE.
² O Livro dos
Espíritos, Allan
Kardec, Livro terceiro,
“As leis morais”, LAKE.