JOSÉ LUCAS
jcmlucas@gmail.com
Óbidos, Portugal
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O maluco
Mais um dia de trabalho.
Após os cumprimentos da
praxe, cada um ia
relatando, como de
costume, algo mais
inusitado que tivesse
acontecido recentemente.
Um colega, que vem todos
os dias de longe,
utilizando vários meios
de transporte, vinha
alegre, sorridente,
passando a explicar: "Oh
pá, hoje no autocarro
vinha um cromo do
caraças; o gajo entrou
no autocarro a falar
alto e imagina...
cumprimentou todas as
pessoas do autocarro,
uma a uma e depois foi
um fartote de rir com as
anedotas dele... Há cada
cromo neste mundo...!!!".
Depois de ter repetido
algumas anedotas,
alegres e sem malícia,
fiquei a pensar com os
meus botões: "então
fulano é maluco, é
conhecido pelo maluco,
mas... quando o "maluco"
não aparece, os
"normais" vão de cara
cerrada, cada um com os
seus auscultadores na
cabeça, cada um no seu
mundo, ninguém se fala,
chegam ao trabalho
cansados... e o outro, o
tal que cumprimenta toda
a gente, o tal que
distribui alegria e
bem-estar, o tal que faz
com que as pessoas
cheguem sorridentes ao
trabalho, esse é que é
‘maluco’?"
Na minha simples lógica
algo não batia muito
bem...
Afinal, quem são os
"malucos" e os
"normais"?
Dir-me-ão que não é
"normal" um adulto
entrar num autocarro
pejado de gente e
começar a distribuir
cumprimentos e alegria a
toda a gente... e eu
pergunto: por quê?
Dir-me-ão que, se ainda
fosse uma criança, as
pessoas achavam graça,
agora um adulto...
parece mal... e eu
pergunto: por quê?
Dir-me-ão que a
sociedade tem regras,
tem expectativas, que
não é expectável um
adulto comportar-se
assim... e eu pergunto:
por quê?
Dir-me-ão que o "normal"
é sermos recatados e não
falarmos por dá cá
aquela palha com gente
desconhecida... e eu
pergunto: por quê?
Em "O Livro dos
Espíritos", de Allan
Kardec, podemos
encontrar na 3ª parte,
as "Leis Morais",
sendo que uma delas é a
"Lei de Sociedade",
que aborda dentro da
óptica espírita a
necessidade da vida
social, fala sobre a
vida de isolamento,
sobre o voto de silêncio
e os laços de família.
Se adentrarmos pelas
restantes Leis Morais,
verificamos que um dos
objetivos da nossa vida
em sociedade é
precisamente a nossa
interação, a
aprendizagem e auxílio
mútuo, no sentido da
evolução intelectual e
moral do ser humano,
como Espírito eterno que
é ao longo das suas
múltiplas reencarnações
(vidas sucessivas).
No meio da nossa
sociedade, egoísta,
triste, ansiosa,
queixosa, a Doutrina
Espírita (ou
Espiritismo) mostra-nos
que a vida é bela, que é
um conjunto de
oportunidades que temos
para sermos mais
felizes, passo a passo,
vida após vida, e que
vivemos uma vida de
relação precisamente
para que possamos
evoluir, aprender uns
com os outros,
apoiarmo-nos mutuamente,
fraternalmente,
procurando contribuir
para uma sociedade mais
feliz, mais justa, mais
pacífica.
Nesse ínterim, fico cá a
pensar com os meus
botões quem será o
"maluco" e quem serão os
"normais", no caso em
pauta.
Por mim, preferia
partilhar todos os dias
a presença do "maluco"
do que partilhar um
autocarro cheio de gente
triste, com "headphones"
na cabeça, onde cada um
finge que os outros
seres humanos que o
rodeiam não existem ou
não têm nada para
conversar, para
partilhar...