IVOMAR SCHÜLER
DA COSTA
ivomarcosta@gmail.com
Pelotas, RS
(Brasil)
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Desinteresse
pessoal e
desapego: dois
lados da mesma
moeda
A caridade é o
centro da moral
espírita e
cristã. Ninguém
poderá se
declarar
verdadeiramente
espírita sem
compreender e
esforçar-se por
praticá-la. É
uma virtude
sintética, ou
seja, é o
resultado da
interação entre
várias virtudes.
Entre estas
encontramos
duas, o
desinteresse
pessoal e desapego,
que são
simultaneamente
elementares e
componentes
nucleares da
caridade.
Benevolência,
indulgência,
abnegação e
devotamento, as
outras
elementares[1],
são
influenciadas e
dependentes das
nucleares.
Pode-se dizer
que sem os
vínculos
produzidos por
estas, aquelas
virtudes por si
sós, apesar do
seu valor
intrínseco, não
produzem a
caridade. As
virtudes
nucleares
estabelecem os
vínculos entre
as outras
gerando unidade
e lhes
potencializando
simultaneamente
os efeitos. Esta
unidade e
sinergia é que
forma a
caridade.
Conseguintemente,
nessa
perspectiva, a
caridade é
também a
propriedade que
emerge das
relações entre
estas virtudes.
Se
representarmos a
caridade como
dois círculos,
sendo um deles
menor,
concêntrico e
central, as
nucleares
estariam
localizadas no
menor e as
outras
distribuídas em
seções do maior.
As nucleares
estão unidas de
tal forma que
não se pode
separá-las sem
prejudicar o
entendimento e a
prática da
caridade,
porquanto formam
um todo, como se
fossem os dois
lados de uma
moeda.
Nas obras
fundamentais, os
Espíritos
costumam tratar
o desinteresse
pessoal e o
desapego como
sinônimos. No
entanto, é
possível
perceber que
existem algumas
diferenças
significativas
somente
compreensíveis por
meio de uma
análise atenta.
Vejamos cada um
dos conceitos
destas virtudes.
A perfeição
moral está em
relação direta
com o amor[2].
Quanto mais
amamos, mais nos
aproximamos da
perfeição. Amar
é fazer o bem. A
característica
marcante da
perfeição é a
presença da
virtude[3]
do desinteresse
pessoal[4],
que é a recusa
de qualquer
retribuição,
material, social
ou psicológica,
pelo bem
praticado.
Aquele que não
alimenta
interesses
individuais faz
o bem com o
único objetivo
de agradar a
Deus e ao
próximo,
impelido pelo
amor que tem
dentro de si, ao
contrário
daquele que o
faz esperando
receber algum
tipo de vantagem[5];
ou seja, faz o
bem por cálculo,
como se fosse
uma conta em que
subtraído o bem
feito ainda
restaria algum
bem como lucro
para si mesmo, e
não por amor[6].
O interesse
ocorre quando o
bem é realizado
com a ideia
preconcebida, ou
seja, com a
intenção de
obter alguma
vantagem para o
autor da ação. A
ostentação, isto
é, a divulgação
do bem realizado
com o objetivo
de obter a
admiração alheia
é também uma das
manifestações
desse interesse.
Nesta situação
não existe a
prática do bem
pelo bem, mas
sim a realização
de uma troca.
Atentemos que a
gratuidade é a
condição da
existência da
caridade. O
desinteresse
pessoal atinge o
suprassumo, a
sublimidade[7],
quando o
benfeitor
inverte os
papéis e se
coloca como
beneficiado[8].
O amor é uma
potência
existente em
todos os seres
da criação[9].
Embora possa
parecer um
contrassenso,
tanto o bem
quanto o mal têm
origem nele, ou
melhor, na
direção que a
vontade[10]
dá a essa
potência divina.
Quando dirigido
ao bem exclusivo
e em primeiro
lugar ao próprio
indivíduo
amante, é
chamado de
egoísmo[11].
Ele pode também
ser dirigido
para coisas,
animais ou
pessoas, mas
visando
primeiramente ao
bem do emissor.
Neste caso ele
se utiliza das
pessoas como
instrumentos
para o próprio
bem, e não como
finalidade do
seu amor. Quer
dizer, ele ama a
si em primeiro
lugar. Ainda que
o seu amor
beneficie outrem
é a si mesmo que
busca
satisfazer. O
benefício ao
outro é,
portanto, apenas
um efeito
colateral. Ao
amor às coisas,
sobretudo às
riquezas
materiais, se
chama cobiça[12].
O amor à posse
exclusiva e
concentração
improdutiva de
bens materiais
ou intelectuais
é conhecido como
avareza. De
maneira geral,
esse amor,
carregado de
desejo de posse
exclusiva,
independentemente
do objeto ao
qual é dirigido,
sejam coisas,
animais,
pessoas,
situações,
posições,
imagens e
estados recebe o
nome de apego.
Não se deve
confundir, no
entanto, a
satisfação
natural pela
conquista justa
de bens terrenos
com o apego.
O apego aos bens
terrenos é um
forte obstáculo
à libertação do
egoísmo[13],
pois sendo
aquele filho
deste, a sua
conservação nada
mais é do que o
estímulo e
fortalecimento
do mau uso de
uma potência
extraordinária;
mau uso que ao
invés de
libertar,
aprisiona ainda
mais. Além de
aprisionar,
também destrói.
O apego
constitui um dos
mais fortes
óbices ao nosso
progresso moral
e espiritual.
Pelo apego à
posse de tais
bens, destruímos
as nossas
faculdades de
amar, ao as
aplicarmos às
coisas materiais[14].
Assim, quando
aumenta o apego,
expressão de
egoísmo, diminui
a caridade, que
é o bom uso e
expressão do
amor. O órgão ou
faculdade que
não é usado
definha; a
pessoa que não
ama aos outros
acaba amando
somente a si
mesma,
aprisionando-se
num círculo de
egoísmo.
Contrariamente,
“O desapego aos
bens terrenos
consiste em
apreciá-los no
seu justo valor,
em saber
servir-se deles
em benefício dos
outros e não
apenas em
benefício
próprio, em não
sacrificar por
eles os
interesses da
vida futura, em
perdê-los sem
murmurar, caso
apraza a Deus
retirá-los”
[15].
Está evidente
que o desapego é
o bom uso do
amor, isto é, o
direcionamento
dele para o bem
de outrem,
utilizando as
coisas como
instrumentos,
partilhando-as e
distribuindo-as
inteligentemente[16]
e não com
prodigalidade,
tornando
produtivos os
bens materiais
ou imateriais,
tangíveis ou
intangíveis do
qual o amante é
o possuidor,
procurando
promover o bem
do próximo em
primeiro lugar e
sabendo
desprender-se
deles quando as
alterações da
vida no-los
retirarem ou a
necessidade do
próximo exigir
satisfação.
Todavia, não há
que se confundir
desapego com
despojamento
total dos bens
que o indivíduo
possua, com
miséria
voluntária, pois
isso apenas o
tornaria
dependente de
outras pessoas
e, portanto,
mais um problema
a ser resolvido.
Tal ação seria
um modo
diferente de
egoísmo por fuga
da
responsabilidade.
A explicitação
dos conteúdos de
cada uma dessas
virtudes tornou
claro que embora
sendo tão
próximas a ponto
de serem
consideradas
idênticas, pelo
menos
intelectualmente,
podemos
separá-las. No
desinteresse
pessoal
predominam os
aspectos
intelectivos, e
está mais
voltado para os
fins, que é o
bem do próximo.
No desapego
predominam os
aspectos
afetivos, e está
mais voltado
para a correta
utilização dos
meios que
produzirão
aquele bem.
Portanto, estas
duas virtudes
contêm aspectos
que as
complementam e
as acoplam
fortemente,
constituindo um
todo. Entender
esta relação é
uma tarefa
essencial para
quem deseja
sinceramente
praticar a
verdadeira
caridade, tendo
em vista que
elas unificam,
influenciam e
potencializam as
outras virtudes.
Desinteresse
pessoal e
desapego são
condições
necessárias à
existência da
caridade.
[1]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap.
XVII –
Sede
perfeitos.
Item 2.
[2]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap.
XVII –
Sede
perfeitos.
Item 2.
[3]
O Livro
dos
Espíritos.
Cap.
XII.
Questões
896.
[4]
O Livro
dos
Espíritos.
Cap.
XII.
Questão
895.
[5]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap.
XIII –
Não
saiba a
vossa
mão
esquerda...
Item 8.
[6]
O Livro
dos
Espíritos.
Cap.
XII.
Questões
897,
897a, e
897b.
[7]
O Livro
dos
Espíritos.
Cap.
XII.
Questão
893.
[8]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap.
XIII –
Não
saiba a
vossa
mão
esquerda...
Item 3.
[9]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap. XI
– Amar o
próximo
como a
si
mesmo.
Item 9.
[10]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap. XVI
– Não se
pode
amar a
Deus e a
Mamon.
Item 8.
[11]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap. XVI
– Não se
pode
amar a
Deus e a
Mamon.
Item 8.
[12]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap. XVI
– Não se
pode
amar a
Deus e a
Mamon.
Item 14.
[13]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap. XVI
– Não se
pode
amar a
Deus e a
Mamon.
Item 7.
[14]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap. XVI
– Não se
pode
amar a
Deus e a
Mamon.
Item 14.
[15]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap. XVI
– Não se
pode
amar a
Deus e a
Mamon.
Item 14,
§ 9.
[16]
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Cap. XVI
– Não se
pode
amar a
Deus e a
Mamon.
Itens 7,
11 e 14.