EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
Campinas, SP
(Brasil)
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Obesidade
infantil: é
urgente
reinventar a
infância
Em dez anos
triplicou no
Brasil o número
de atestados de
óbito nos quais
a obesidade
aparece como
causa. Morre-se
de quê? De
excesso de
peso.
Para tornar o
cenário mais
sombrio,
infelizmente um
terço das
crianças no País
está com
sobrepeso e
obesidade. Ainda
é sabido que, em
cada cinco
crianças obesas,
quatro
permanecerão
assim quando
adultas.
O governo, é
claro, ganharia
muito se fizesse
uma campanha
persistente/adequada
de prevenção e
alteração de
hábitos
alimentares
(para os
saudáveis). Mas
isso não ocorre
por enquanto e a
ausência desta
proposta feliz
pode estar
orientada por
questão política
(mercado).
E a indústria
alimentícia, por
sua vez, é muito
competente e
interessada
tanto na
distribuição de
alimentos como
para deixar o
(seu) produto
barato e
ultrapalatável –
sim, pois a
mistura de sal,
gordura e açúcar
é viciante, e o
consumidor
(criança) fica
acorrentado pela
língua/paladar.
Basta observar a
agonia dos pais
nos
supermercados,
quando os filhos
infernizam
motivados pelo
inculcado desejo
de compra de
tudo aquilo que
eles não sabem
mais viver sem
(e o desespero é
um claro indício
da possibilidade
dolorosa, para a
criança, de uma
tortuosa crise
de abstinência
na hipótese da
recusa dos pais
e, em termos
simples: a falta
que faz a ela o
biscoito
recheado, o
salgadinho rico
de sódio, os
sucos
excessivamente
adoçados etc.).
Podemos, então,
pensar o drama
de crianças que
chegaram ao
sobrepeso e à
obesidade e de
maneira
ansiosamente
distraída (não
discutimos aqui
o caso de
obesidade
familiar/genética,
também
preocupante).
Muitas delas, e
em diversos
lugares do
Brasil, não
sabem
diferenciar
rabanete de
abobrinha.
Abominam manga,
detestam tomate,
melão, uma
“chatice o tal
do pepino”, elas
afirmam.
Muitos diriam:
mas a obesidade
é
multifatorial.
Contudo, alguns
"costumes"
nocivos estão
cada vez mais a
fincar espaço
nos grandes
centros, nas
médias e
pequenas
cidades, vilas e
interior deste
País e, em
consequência, a
concorrer para
que as crianças
engordem, entre
eles:
a) transição do
alimento natural
para o
industrializado
– e por isso
assistimos a
restaurantes e
praças de
alimentação
lotados, com TV,
na maioria
deles;
b) estímulo à
compra de lixo
plástico que as
crianças passam
a acumular em
suas casas;
c) cantinas
escolares que
continuam a
vender
refrigerantes,
salgadinhos e
comida trash;
d) muitas horas
diante da TV,
tablet e
computador
(aqui, o brincar
está reduzido ao
uso dos “dedões”);
e) falta de
estímulo para
brincar, ou
seja, brincar
como direito
inegociável da
infância –
logo, brincar
usando o corpo
(mover-se!),
brincar com o
amigo, na grama,
experimentando
andar, correr,
pular, cantar,
girar, suar de
verdade.
No trabalho
terapêutico,
quando discuto
com os pais e/ou
cuidador a
respeito de
hábitos
importantes para
o primeiro
setênio, muitos
comentam sobre
os diversos
perigos que o
filho hoje está
sujeito.
Entretanto, por
descuido ou
ausência de um
pensar crítico,
muitos pais (e
cuidadores)
ignoram que
deixar uma
criança sozinha
na frente da TV
é quase sempre
(muito)
arriscado e
nocivo, pois
implica deixá-la
à mercê de uma
comunicação
mercadológica
sedutora e
dirigida a ela
para estimular
alimentos
engordativos (comida
lixo) e
venda de
produtos
infantis
(desnecessários!),
auxiliando no
processo do
lastimável
“roubo da
infância”, sim,
pois a criança
hoje vale “lucros
& negócios
rentáveis”...
A favor do
bem-estar dos
menores, a
Prefeitura de S.
Paulo, por
exemplo, ciente
do alastramento
da epidemia da
obesidade
infantil na
cidade, está
lançando um
prêmio chamado
Educação além
do Prato
(primeiro
semestre/2014),
que deve premiar
escolas com o
trabalho mais
interessante
junto às
merendeiras, o
que quer dizer
receitas mais
saudáveis.
Quem questiona
que a infância
seja magia,
encantamento?
Mas quem se
atreveria a
duvidar da cota
dramática que o
prelúdio da vida
carrega consigo?
Assim, se a
infância tem sua
faceta de
inocência e
deslumbramento,
ela também
sugere que toda
criança, ao
menos na fase
escolar, seja
chamada a
enfrentar o
desafio de ser
aceita/querida,
segundo os
iniciais
experimentos da
sociabilidade
vividos longe da
segurança da
casa, dos
cuidadores. O
excesso de peso,
consequentemente,
apenas
acrescentaria um
obstáculo (=
sofrimento) a
mais para ela, a
criança, no
contexto de quem
ensaia os
primeiros passos
do “estar fora”
da segura rotina
doméstica.
E, no futuro,
mesmo que a
criança se torne
uma "adulta
magra", talvez
ela nunca se
recupere dessa
infância – na
qual ela foi
invisível ou
hostilizada
(maltratada).
* Para saber
mais, assista ao
documentário
Muito Além do
Peso, da
cineasta Estela
Renner/Equipe da
Maria Farinha
Filmes.