O
que me faz pular
– uma viagem ao
mundo autista
Já escrevi aqui
sobre o
autismo. Mas
continuo a
insistir. Por
quê?
Claro, o autismo
é uma condição
para a vida
inteira e isso
por enquanto não
é novidade.
Contudo, nós que
em terapia ou
projetos sociais
convivemos com
autistas nos
perguntamos
sempre: qual
será o próximo
passo quando
pensamos
crianças
autistas e
(seus) pais?
No geral as
publicações
sobre "como
ajudar seu filho
autista" são
tecidas com uma
regularidade
deprimente e
pouco auxiliam
de maneira
objetiva no
contexto diário
e diverso de um
filho que
pertence ao
espectro do
autismo.
E textos
acadêmicos, por
sua vez, são
ótimos e
necessários,
indicam que há
pessoas
estudando o
tema, mas na
maioria das
vezes são
adequados aos
"especialistas",
pois dispõem de
um código muito
próprio e
largamente
aplicado apenas
aos adeptos do
reino da (santa)
ciência...
Felizmente, para
ajudar pais (e
mesmo educadores
e pessoas
interessadas)
temos um livro
impressionante,
cujo autor,
Naoki Higashida,
um autista
nascido na
década de 90,
desautoriza, no
meu entender,
uma das mais
sombrias
falácias sobre o
autismo: o
mito de que as
pessoas com essa
condição são
solitárias,
antissociais e
despidas de
empatia. E
para fazê-lo, de
maneira
assertiva e
poética, Naoki
repete diversas
vezes, no
decurso da
história, que
ele aprecia
muito a
companhia das
pessoas.
O livro, na
verdade uma
autobiografia,
escrita por
alguém com o pé
recém-saído da
infância, é um
presente porque
demonstra que
tanto a aridez
emocional como a
aversão de
companhia não
são sintomas do
autismo, mas sim
consequências
dele, ou seja,
"efeitos" do
doloroso
aprisionamento
dentro de si
mesmo e da "quase
completa
ignorância da
sociedade sobre
o que acontece
na cabeça do
autista",
conforme explica
David Mitchell,
o sujeito quem
faz a introdução
do importante
relato (em suas
versões para o
solo ocidental),
e, ele mesmo,
pai de um filho
autista.
Para apagar as
inverdades que
prosperam acerca
do autismo, como
as que continuo
a ouvir na
antessala de
seminários,
consultórios e
workshops que
amarram educação
e autismo, o
relato de
Higashida pode
amparar famílias
e educadores que
lidam com
crianças
autistas,
desvencilhando-se
principalmente
da ideia do
transtorno como
uma "doença
incapacitante".
O que me faz
pular
é um presente,
pois seu autor,
que sofre de
autismo severo,
consegue
compartilhar
conosco suas
percepções de
tempo e
existência, sua
maneira delicada
e íntima de ser,
trazendo uma
nova luz para
entendermos a
mente autista,
despojando-nos
de juízos
equivocados e
conceitos áridos
e vazios.
Originalmente, o
relato foi
escrito em
japonês, a
língua materna
do sensível
autor, que só
tinha treze anos
quando o
escreveu... E
não é acaso que
os três
caracteres
japoneses usados
"na palavra
'autismo'
significam 'eu',
'fechado' e
'doença'. Minha
imaginação vê
nesses símbolos
um prisioneiro
trancado e
esquecido numa
cela de
confinamento
solitário à
espera de que
alguém o note. O
que me faz pular
arranca um
tijolo da parede",
afirma Daniel
Mitchell, que
foi ajudado a
lidar com o
próprio filho
autista após a
leitura desta
valiosa
biografia, que é
uma referência
essencial para
todos os
interessados no
autismo e suas
implicações no
mundo da gente
de todo dia.
Sim, a leitura
merece nossa
atenção.
Por fim, deixo a
sugestão da
preciosa leitura
incentivada
pelas palavras
do delicado
autor:
“Não se pode
julgar uma
pessoa pela
aparência. Mas,
a partir do
momento em que
você entende o
que acontece
dentro do outro,
vocês dois podem
se tornar bem
mais próximos.
Do seu ponto de
vista, o mundo
do autismo deve
parecer um lugar
extremamente
misterioso.
Portanto, por
favor, pare um
pouco e ouça o
que tenho a
dizer. E
faça uma boa
viagem através
do nosso mundo”
– Naoki Higashi,
Japão, 2006.
*Meu exemplar:
O que me faz
pular.
Tradução de
Rogério Durst.
Introdução David
Mitchell, 2013.
Edição digital,
2014. Editora
Intrínseca: RJ,
2014.