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Crônicas e Artigos

Ano 8 - N° 388 - 9 de Novembro de 2014

EUGÊNIA PICKINA 
eugeniapickina@gmail.com
Indaiatuba, SP (Brasil)

 
 

Família à mesa e o essencial
na convivência


O cotidiano é a família, mas que tipo de convivência estamos a tecer juntos?

“Como é seu amor por mim?” – perguntam os filhos: “é grande como o quê? Como o mundo, do tamanho do céu?”

Será que podemos ter a certeza de que somos amados?

À minha frente, e entristecida, observo uma família à mesa na grande pizzaria, noite de quarta-feira, com muito vento, pois aqui ainda é inverno.

São quatro: o pai, a mãe, dois meninos – o mais velho, acima do peso, indica dez anos, e o menor, olhos cinzentos, parece ter no máximo cinco anos. Nada dizem, nada trocam, a não ser a pizza portuguesa.

Reinam ali nenhuma nota, escassa palavra, nenhuma consideração pelo encontro familiar, pois o instante gastronômico está tomado para o deleite dos adereços tecnológicos.

A criança mais nova está capturada por seu game e vez ou outra expira uma interjeição, enquanto o irmão envia mensagens de seu robusto smartphone... Pai e mãe, concentrados, organizam fotos em redes sociais e, de forma esporádica, dizem algo entre si.

Cada um, então, está à mesa acompanhado por suas “i-coisas” preferidas – tablets e smartphones (mas o caçula, em razão da sua pouca idade, está provisoriamente impedido de possuir um celular e por isso apenas desfruta de um modesto tablet). Uma família engajada na tecnologia, árida para a troca afetiva.

Por que o pai nada diz?

Penso que o pai, esquecido da presença física, corporal, dos filhos, afasta-se deles e se vale do jantar, na pizzaria, para justificar para si mesmo que alguma coisa está sendo feita. Está?

Por que a mãe, quando as promessas da vida estão em jogo à sua frente, jura lealdade ao hábito virtual e cuja natureza do vício jaz oculta sob a intenção de utilidade social?

O pai nada confidencia a nenhum dos filhos. A mãe responde por monossílabos ao mais novo, uma vez que sua atenção se prende a outro destino, e não à narrativa emocional do agora, e eles ainda nem deixaram de ser crianças.

Tenho dó, perco o apetite. Minha amiga me contesta: “eles são crianças ainda e tudo se ajeita”.

São estas coisas que as pessoas vão dizendo que aliviam a negligência dos pais em relação aos seus filhos: que chance tem o fraco diante do mau exemplo do poder forte?

Aí, bem pertinho da minha mesa, na rústica pizzaria, vai se travando uma batalha. Eles não sabem, mas os pais já procuram encolher os meninos do desejo simples de “comer porque está gostoso” e isso temperado com conversas que se prolongam, com risos francos e nutrição de vínculos.

Ao avesso, felizmente, para muitas famílias, a saúde emocional e psíquica das crianças está assegurada, pois, arrisco dizer, a mesa ensina a vida – a mistura culinária da farinha, água e senso de sal para o manter do corpo e o avivar da alma... E os laços mantidos pela magia da fruição, porque a refeição se faz guiada por um lugar de palavra, de partilha, de segredo que vem à tona e dá lugar ao riso. Imitar os que ensinam às crianças sabores, valores, atitudes, gostos, histórias tristes e alegres.

A essencial lição, portanto, é que não há “i-coisa” que possa substituir o elaborar da intimidade, da troca afetiva, do vínculo mais tarde fonte do tranquilo convívio em que pais e filhos serão apenas bons amigos, porque superado o fecundo tempo de ensinar.

“Vamos, me conte um pouco do seu dia...” Palavras que irrigam a relevância da convivência emocional, tecida em primeiro plano nos ritmos da família, no espaço privado, mas que antecipa o molde da vida futura na polis, no contexto variegado da urbanidade, pois a amizade não é essencial à vida na cidade?...

No restaurante, esquecidas as “i-coisas”, como numa refeição eucarística, a pizza dividida entre companheiros de coração aberto, portanto, zero de licença para gadgets à mesa.

Por lembrar que “toda vida adulta é uma negação da infância” (Rubem Alves), assegurar o amor à mesa, especialmente quando assistimos a palavras que ressoam para celebrar a esperança, a importância das vidas, pois é sempre o amor que nos faz viver para fazer harmonia sobre a Terra. Além disso, esta última, a harmonia, tem a ver com afeto e acordes, nunca com vida em fuga, consumismo ou utilidade social... 

Algumas observações:

*Alguns efeitos negativos para crianças [e para adolescentes...] que vivem imersas na tecnologia: a) excesso de peso e/ou obesidade; b) problemas de atenção e hiperatividade; c) dessensibilização dos sentimentos; d) riscos para a saúde (hipertensão, diabetes do tipo 2, por exemplo); e) indução ao consumismo; f) isolamento e outros problemas sociais etc.

**No caso da criança, dê uma oportunidade para os brinquedos esquecidos no armário, para amigos, brincadeiras e passeios na natureza, o expressivo livro infantil...

***Família e comunidade não são projetos “acabados” e por isso o elaborar familiar e coletivo depende de tudo aquilo que elegemos como “prioridade” para nossas vidas.


Cf. Bauman, Z.
Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. RJ: Jorge Zahar, 2008.

Cf. Setzer, V. W. Meios eletrônicos e educação: uma visão alternativa. 3ª ed. SP: Escrituras, 2005. 




 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita