EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
Indaiatuba, SP
(Brasil)
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Família à mesa e
o essencial
na
convivência
O cotidiano é a
família, mas que
tipo de
convivência
estamos a tecer
juntos?
“Como é seu amor
por mim?” –
perguntam os
filhos: “é
grande como o
quê? Como o
mundo, do
tamanho do céu?”
Será que podemos
ter a certeza de
que somos
amados?
À minha frente,
e entristecida,
observo uma
família à mesa
na grande
pizzaria, noite
de quarta-feira,
com muito vento,
pois aqui ainda
é inverno.
São quatro: o
pai, a mãe, dois
meninos – o mais
velho, acima do
peso, indica dez
anos, e o menor,
olhos cinzentos,
parece ter no
máximo cinco
anos. Nada
dizem, nada
trocam, a não
ser a pizza
portuguesa.
Reinam ali
nenhuma nota,
escassa palavra,
nenhuma
consideração
pelo encontro
familiar, pois o
instante
gastronômico
está tomado para
o deleite dos
adereços
tecnológicos.
A criança mais
nova está
capturada por
seu game
e vez ou outra
expira uma
interjeição,
enquanto o irmão
envia mensagens
de seu robusto
smartphone...
Pai e mãe,
concentrados,
organizam fotos
em redes sociais
e, de forma
esporádica,
dizem algo entre
si.
Cada um, então,
está à mesa
acompanhado por
suas “i-coisas”
preferidas –
tablets e
smartphones
(mas o caçula,
em razão da sua
pouca idade,
está
provisoriamente
impedido de
possuir um
celular e por
isso apenas
desfruta de um
modesto
tablet). Uma
família engajada
na tecnologia,
árida para a
troca afetiva.
Por que o pai
nada diz?
Penso que o pai,
esquecido da
presença física,
corporal, dos
filhos,
afasta-se deles
e se vale do
jantar, na
pizzaria, para
justificar para
si mesmo que
alguma coisa
está sendo
feita. Está?
Por que a mãe,
quando as
promessas da
vida estão em
jogo à sua
frente, jura
lealdade ao
hábito virtual e
cuja natureza do
vício jaz oculta
sob a intenção
de utilidade
social?
O pai nada
confidencia a
nenhum dos
filhos. A mãe
responde por
monossílabos ao
mais novo, uma
vez que sua
atenção se
prende a outro
destino, e não à
narrativa
emocional do
agora, e eles
ainda nem
deixaram de ser
crianças.
Tenho dó, perco
o apetite. Minha
amiga me
contesta: “eles
são crianças
ainda e tudo se
ajeita”.
São estas coisas
que as pessoas
vão dizendo que
aliviam a
negligência dos
pais em relação
aos seus filhos:
que chance tem o
fraco diante do
mau exemplo do
poder forte?
Aí, bem pertinho
da minha mesa,
na rústica
pizzaria, vai se
travando uma
batalha. Eles
não sabem, mas
os pais já
procuram
encolher os
meninos do
desejo simples
de “comer porque
está gostoso” e
isso temperado
com conversas
que se
prolongam, com
risos francos e
nutrição de
vínculos.
Ao avesso,
felizmente, para
muitas famílias,
a saúde
emocional e
psíquica das
crianças está
assegurada,
pois, arrisco
dizer, a mesa
ensina a vida –
a mistura
culinária da
farinha, água e
senso de sal
para o manter do
corpo e o avivar
da alma... E os
laços mantidos
pela magia da
fruição, porque
a refeição se
faz guiada por
um lugar de
palavra, de
partilha, de
segredo que vem
à tona e dá
lugar ao riso.
Imitar os que
ensinam às
crianças
sabores,
valores,
atitudes,
gostos,
histórias
tristes e
alegres.
A essencial
lição, portanto,
é que não há “i-coisa”
que possa
substituir o
elaborar da
intimidade, da
troca afetiva,
do vínculo mais
tarde fonte do
tranquilo
convívio em que
pais e filhos
serão apenas
bons amigos,
porque superado
o fecundo tempo
de ensinar.
“Vamos, me conte
um pouco do seu
dia...” Palavras
que irrigam a
relevância da
convivência
emocional,
tecida em
primeiro plano
nos ritmos da
família, no
espaço privado,
mas que antecipa
o molde da vida
futura na
polis, no
contexto
variegado da
urbanidade, pois
a amizade não é
essencial à vida
na cidade?...
No restaurante,
esquecidas as “i-coisas”,
como numa
refeição
eucarística, a
pizza dividida
entre
companheiros de
coração aberto,
portanto, zero
de licença para
gadgets à
mesa.
Por lembrar que
“toda
vida
adulta é
uma negação
da
infância”
(Rubem Alves),
assegurar o amor
à mesa,
especialmente
quando
assistimos a
palavras que
ressoam para
celebrar a
esperança, a
importância das
vidas, pois é
sempre o amor
que nos faz
viver para fazer
harmonia sobre a
Terra. Além
disso, esta
última, a
harmonia, tem a
ver com afeto e
acordes, nunca
com vida em
fuga, consumismo
ou utilidade
social...
Algumas
observações:
*Alguns efeitos
negativos para
crianças [e para
adolescentes...]
que vivem
imersas na
tecnologia: a)
excesso de peso
e/ou obesidade;
b) problemas de
atenção e
hiperatividade;
c)
dessensibilização
dos sentimentos;
d) riscos para a
saúde
(hipertensão,
diabetes do tipo
2, por exemplo);
e) indução ao
consumismo; f)
isolamento e
outros problemas
sociais etc.
**No caso da
criança, dê uma
oportunidade
para os
brinquedos
esquecidos no
armário, para
amigos,
brincadeiras e
passeios na
natureza, o
expressivo livro
infantil...
***Família e
comunidade não
são projetos
“acabados” e por
isso o elaborar
familiar e
coletivo depende
de tudo aquilo
que elegemos
como
“prioridade”
para nossas
vidas.
Cf. Bauman, Z.
Vida para o
consumo: a
transformação
das pessoas em
mercadorias.
Tradução: Carlos
Alberto
Medeiros. RJ:
Jorge Zahar,
2008.
Cf. Setzer, V.
W. Meios
eletrônicos e
educação:
uma visão
alternativa.
3ª ed. SP:
Escrituras,
2005.