EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
Indaiatuba, SP
(Brasil)
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Pôr a solidão em
página nova
Hermann Hesse
afirma que
“viver é ser
solitário.
Ninguém conhece
o outro, cada um
está só”.
Nas vilas, nas
cidades, meu
Deus, em tantos
lugares, cada
vez mais
pessoas,
sobretudo os
divorciados,
viúvos, os
maiores de
setenta se
sentem isolados,
solitários. E
muitos
indivíduos ainda
se queixam de
estarem
excluídos do
círculo dos
alegres,
pois não se
reconhecem
inseridos em
grupo algum,
apartados, desse
modo, de
qualquer extrato
criativo da
existência.
Quando aquele
homem me
procurou para
pedir apoio
de resiliência,
me pus a pensar,
especialmente
sobre o desejo
de querer acabar
com seu pequeno
jardim: “as
rosas me dão
muito trabalho”,
definiu.(1)
O vazio do
olhar, quase
transparente, um
chiado incômodo
no peito, um
cheiro de
temporal
trancado na
parte superior
do armário,
escondido atrás
da mala de
viagem – e “sem
uso há muito
anos“,
confidenciou, e
a voz muito
baixa.
A vida exprime
diferenças, mas
às vezes “oculta
com esmero as
grandes feridas”,
me contou
distraído com a
janela aberta
àquela hora no
meu
espaço-peregrino,
um pouco
desarrumado,
porque fazia
tempo que tinha
aparecido por
aquelas bandas
do país.
Questionei sobre
perguntas. Disse
que não
havia nenhuma.
Estendi então um
olhar
decepcionado. E
me corrigi
intimamente.
Pedi em silêncio
para sermos
ambos ali
nutridos pelo
amor de Deus,
tal qual uma mãe
sem traço de
petulância a
rogar amparo
para seu filho.
Ajeitou as
longas pernas,
os pés descalços
no chão creme, e
calamos por
alguns momentos
juntos.
De súbito me vêm
à mente boas
imagens criadas
por emoções
reconfortantes,
um impulso
metafórico que
me abre, em uma
paisagem sem
domínio, um
menino a brincar
com uma pipa
muito íntima do
vento.
“Há muito
tempo esqueci
aquele
deslumbramento
sensorial da
época de criança
e talvez por
isso não ando
mais cheio de
perguntas. A
contragosto me
percebo também
bastante sem
tato, letárgico
entre o
invisível pelo
visível” –
tossiu e lhe
ofereci um chá
de flor
vermelha.
Para desvendar,
entremeada no
isolamento
pesado, fui
impelida a
peneirar entre
os seus refugos
de memória, e
como uma
repescagem
cognitiva,
alguma mensagem
afetiva (e ainda
de ordem
anímica) para
lhe dar algum
referencial para
abrir-se [de
novo] a um
mundo-caminho
que continua
inseguramente
interminável
– apenas por
isso uma razão
forte de
esperança
honesta ou
íntegro
otimismo.
Mais à frente,
notamos juntos
um desejo de
atuação dirigido
à criatividade
comunitária e
apta,
consequentemente,
a lhe promover,
além do
estremecimento
próprio à idade,
75 anos,
curiosidade e um
sentido
despretensiosos,
mas adequados
àquele que se
compreende “tão
antigo e tão
novo como a luz
de cada dia”
(Mario Quintana).
Com o passar das
semanas, sem se
sentir
abandonado,
passou a
entabular uma
nova maneira de
lidar com a
(sua) solidão. E
essa solidão
aceita, extraiu
do chiado a
tristeza antiga,
firmando o
coração, depois
de muitas
lágrimas, um
contato com o
mundo através do
ofício
solidário
junto à (sua)
comunidade. No
bairro, a
prática coletiva
de jardinagem
sustenta agora a
reconexão
com o mistério,
os infinitos da
existência.
“As rosas me
conectam ao
mundo” –
relata
satisfeito ao
grupo de
resistência.
É preciso viver,
mas viver
vivo,
concluímos, e
unos com todos e
com tudo.
Cariños.
Observação
– este texto faz
parte dos
cadernos
terapêuticos
colhidos nas
experiências
vividas junto a
grupos
comunitários (na
categoria “grupo
de resistência +
essências
florais”).
Alguns
depoimentos/lições
se tornam
preciosos e para
todos nós que
estamos a
realizar o
caminho e para
“mais um dia de
colégio”… Os
grupos, no
geral, são
fundados de
acordo com
determinados
temas e/ou
idades (ex.
grupos de
resistência à
depressão;
grupos de
resistência para
um envelhecer
saudável; grupos
de resistência
para um feminino
saudável etc.),
porém a depender
sempre das
necessidades do
próprio grupo e
que são, por
isso,
construídos e
reconstruídos
segundo uma
visão sistêmica,
dinâmica.
(1)
Resiliência [do
ingl. resilience]
significa: Fís.
Propriedade pela
qual a energia
armazenada em um
corpo deformado
é devolvida
quando cessa a
tensão causadora
duma deformação
elástica. Fig.
Resistência ao
choque.