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Crônicas e Artigos

Ano 8 - N° 390 - 23 de Novembro de 2014

EUGÊNIA PICKINA 
eugeniapickina@gmail.com
Indaiatuba, SP (Brasil)

 
 

Pôr a solidão em
página nova


Hermann Hesse afirma que “viver é ser solitário. Ninguém conhece o outro, cada um está só”.

Nas vilas, nas cidades, meu Deus, em tantos lugares, cada vez mais pessoas, sobretudo os divorciados, viúvos, os maiores de setenta se sentem isolados, solitários. E muitos indivíduos ainda se queixam de estarem excluídos do círculo dos alegres, pois não se reconhecem inseridos em grupo algum, apartados, desse modo, de qualquer extrato criativo da existência.

Quando aquele homem me procurou para pedir apoio de resiliência, me pus a pensar, especialmente sobre o desejo de querer acabar com seu pequeno jardim: “as rosas me dão muito trabalho”, definiu.(1) 

O vazio do olhar, quase transparente, um chiado incômodo no peito, um cheiro de temporal trancado na parte superior do armário, escondido atrás da mala de viagem – e “sem uso há muito anos“, confidenciou, e a voz muito baixa. 

A vida exprime diferenças, mas às vezes “oculta com esmero as grandes feridas”, me contou distraído com a janela aberta àquela hora no meu espaço-peregrino, um pouco desarrumado, porque fazia tempo que tinha aparecido por aquelas bandas do país. 

Questionei sobre perguntas. Disse que não havia nenhuma. 

Estendi então um olhar decepcionado. E me corrigi intimamente. Pedi em silêncio para sermos ambos ali nutridos pelo amor de Deus, tal qual uma mãe sem traço de petulância a rogar amparo para seu filho. 

Ajeitou as longas pernas, os pés descalços no chão creme, e calamos por alguns momentos juntos. 

De súbito me vêm à mente boas imagens criadas por emoções reconfortantes, um impulso metafórico que me abre, em uma paisagem sem domínio, um menino a brincar com uma pipa muito íntima do vento. 

Há muito tempo esqueci aquele deslumbramento sensorial da época de criança e talvez por isso não ando mais cheio de perguntas. A contragosto me percebo também bastante sem tato, letárgico entre o invisível pelo visível” – tossiu e lhe ofereci um chá de flor vermelha. 

Para desvendar, entremeada no isolamento pesado, fui impelida a peneirar entre os seus refugos de memória, e como uma repescagem cognitiva, alguma mensagem afetiva (e ainda de ordem anímica) para lhe dar algum referencial para abrir-se [de novo] a um mundo-caminho que continua inseguramente interminável – apenas por isso uma razão forte de esperança honesta ou íntegro otimismo. 

Mais à frente, notamos juntos um desejo de atuação dirigido à criatividade comunitária e apta, consequentemente, a lhe promover, além do estremecimento próprio à idade, 75 anos, curiosidade e um sentido despretensiosos, mas adequados àquele que se compreende “tão antigo e tão novo como a luz de cada dia” (Mario Quintana). 

Com o passar das semanas, sem se sentir abandonado, passou a entabular uma nova maneira de lidar com a (sua) solidão. E essa solidão aceita, extraiu do chiado a tristeza antiga, firmando o coração, depois de muitas lágrimas, um contato com o mundo através do ofício solidário junto à (sua) comunidade. No bairro, a prática coletiva de jardinagem sustenta agora a reconexão com o mistério, os infinitos da existência. 

As rosas me conectam ao mundo” – relata satisfeito ao grupo de resistência. 

É preciso viver, mas viver vivo, concluímos, e unos com todos e com tudo.

Cariños. 

Observação – este texto faz parte dos cadernos terapêuticos colhidos nas experiências vividas junto a grupos comunitários (na categoria “grupo de resistência + essências florais”). Alguns depoimentos/lições se tornam preciosos e para todos nós que estamos a realizar o caminho e para “mais um dia de colégio”… Os grupos, no geral, são fundados de acordo com determinados temas e/ou idades (ex. grupos de resistência à depressão; grupos de resistência para um envelhecer saudável; grupos de resistência para um feminino saudável etc.), porém a depender sempre das necessidades do próprio grupo e que são, por isso, construídos e reconstruídos segundo uma visão sistêmica, dinâmica.


(1)
Resiliência [do ingl. resilience] significa: Fís. Propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica. Fig. Resistência ao choque. 



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita