ARÍSIO
FONSECA JUNIOR
arisiofonsecajr@gmail.com
Juiz de Fora,
MG
(Brasil)
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A força
da obra
O
Evangelho segundo o
Espiritismo
Em 2014, nós espíritas
comemoramos os 150 anos
de publicação da
primeira edição de O
Evangelho segundo o
Espiritismo por
Allan Kardec. No dia 15
de abril daquele ano,
surgia para o mundo a
obra que orientaria o
pensamento espírita na
interpretação e
compreensão acerca do
ensino moral do
Espiritismo, que mais
não é que a concordância
plena com o ensino moral
de Jesus. Conforme dito
por Kardec, desde O
Livro dos Espíritos,
Jesus nos foi oferecido
por Deus “como o mais
perfeito modelo e a
doutrina que ele ensinou
é a mais pura expressão
de sua lei, porque ele
estava animado do
espírito divino e foi o
ser mais puro que já
apareceu na Terra”.
Assim, estudar os
Evangelhos merece
atenção de todos quantos
se dedicam a conhecer o
Espiritismo.
Não obstante a
necessidade de nos
introduzirmos na moral
do Cristo por meio da
leitura dos Evangelhos,
impõe-se-nos a
utilização da chave de
leitura correta. Na
introdução de O
Evangelho segundo o
Espiritismo, Kardec
assim afirma: “muitos
pontos dos Evangelhos,
da Bíblia e dos autores
sacros em geral, por si
sós, são ininteligíveis,
parecendo alguns até
irracionais, por falta
da chave que faculte se
lhes apreenda o
verdadeiro sentido. Essa
chave está completa no
Espiritismo”; e, no
capítulo I da mesma
obra, arremata,
esclarecendo: “o
Espiritismo é a chave
com o auxílio da qual
tudo se explica de modo
fácil”. Vemos que Kardec
demonstra clara intenção
de observar o Evangelho
à luz do Espiritismo, de
compreender os
ensinamentos morais
decorrentes dos atos e
das falas de Jesus
conforme os princípios
espíritas. Este ponto é
importante, vez que
retirar dos olhos essa
lente espírita pode
prejudicar o
entendimento. Nas
palavras de Deolindo
Amorim, “a exaltação
evangélica, sem
conhecimento da
Doutrina, está sujeita a
cair no sectarismo ou
ainda no pieguismo, que
não melhora ninguém”.
O Evangelho segundo o
Espiritismo talvez
seja a obra mais
utilizada pelos
espíritas e, ao mesmo
tempo, a menos
compreendida. A matriz
religiosa católica da
qual boa parte dos
espíritas procede, desta
ou de outra vida,
influencia bastante o
entendimento que se tem
do conteúdo do livro. O
religiosismo igrejeiro,
a necessidade de santos
e deuses
antropomorfizados em
seus avatares promovem
um empobrecimento dos
princípios filosóficos
espíritas, transformando
o Espiritismo num
“Espiritismo à
brasileira”, miscigenado
às matrizes africanas de
religiosidade, cujo
resultado é um
sentimentalismo
exagerado da visão
evangélica e uma
idolatria mediúnica sem
sentido. Não só nas
práticas espíritas, mas
também na cultura
espírita, esse resquício
místico e supersticioso
faz enfraquecer a
energia da Doutrina
Espírita e provoca,
especificamente em
relação à obra O
Evangelho segundo o
Espiritismo, uma
distorção do escopo da
obra.
A propósito do objetivo
de O Evangelho
segundo o Espiritismo,
Kardec assim se
manifesta também na
introdução do livro:
“Para os homens, em
particular, constitui
aquele código [o ensino
moral dos Evangelhos]
uma regra de proceder
que abrange todas as
circunstâncias da vida
privada e da vida
pública, o princípio
básico de todas as
relações sociais que se
fundam na mais rigorosa
justiça. E, finalmente e
acima de tudo, o roteiro
infalível para a
felicidade vindoura, o
levantamento de uma
ponta do véu que nos
oculta a vida futura.
Essa parte é a que será
objeto exclusivo desta
obra”. Como é que
podemos nos esquecer
desta expressiva
passagem, escrita logo
no primeiro parágrafo,
quando ela é essencial
para conformar o modo
como devemos encarar
O Evangelho segundo o
Espiritismo?
Da leitura deste excerto
da introdução de O
Evangelho segundo o
Espiritismo,
percebemos que Kardec
tem um propósito maior
para o livro. Não serve
a obra apenas para ser
lida como um texto de
consolo ou um texto-base
de procedimentos
cultuais. Há consolo em
O Evangelho segundo o
Espiritismo? Claro,
inegável! Não podemos
perder de vista as belas
palavras sobre dor e
sofrimento nos capítulos
V e VI, Bem-aventurados
os aflitos e O Cristo
Consolador. É preciso
perceber que O
Evangelho segundo o
Espiritismo,
juntamente com O Livro
dos Espíritos, e as
outras obras
fundamentais publicadas
por Allan Kardec propõem
uma consolação pela
possibilidade de
compreensão da realidade
espiritual; não através
do mantra muito ouvido
“é preciso sofrer para
evoluir, portanto leia
palavras de conforto
para passar bem pelo
mundo”, que é uma das
mais evidentes
manifestações do
Espiritismo mal
compreendido que decorre
de palavras edulcoradas
recebidas
mediunicamente.
Para termos sempre em
mente que a função
consoladora da Doutrina
Espírita deriva de sua
amplitude, não se podem
olvidar capítulos de
O Evangelho segundo o
Espiritismo tão
fortes quanto aqueles
mencionados, como Sede
perfeitos (XVII), Buscai
e achareis (XXV), Amai
os vossos inimigos (XII)
ou Fora da caridade não
há salvação (XV). Estes,
exemplificativamente
lembrados, nos propõem
outro modo de ver o
mundo, a vida, os outros
e nós mesmos. Do
capítulo I ao capítulo
XXVIII, Kardec nos
apresenta a comprovação
daquilo que estabeleceu
na introdução do livro.
O ensino moral do
Cristo, observado,
meditado, estudado e
compreendido à luz do
Espiritismo, nos mostra
as regras de proceder
assim na vida privada
como na pública. A moral
da Doutrina Espírita,
relembrada na Parte
Terceira de O Livro dos
Espíritos, coincide com
a moral do Cristo e, por
isso, é possível
escrever um livro
concentrando ambas,
visto que, conforme se
encontra no capítulo I
da obra, “assim como o
Cristo disse: ‘Não vim
destruir a lei, porém
cumpri-la’, também o
Espiritismo diz: ‘Não
venho destruir a lei
cristã, mas dar-lhe
execução’. Nada ensina
em contrário ao que
ensinou o Cristo; mas
desenvolve, completa e
explica, em termos
claros e para toda
gente, o que dito apenas
sob forma alegórica”.
Sendo “o objetivo
essencial do Espiritismo
o adiantamento dos
homens”, O Evangelho
segundo o Espiritismo
é uma das ferramentas
fundamentais para
orientar-nos durante
nossas passagens pelo
mundo corpóreo. Conforme
dito acima, esta obra
nos informa sobre as
consequências morais que
extraímos da revelação
espírita e, de acordo
com Kardec, nela se
encontra “o roteiro
infalível para a
felicidade vindoura”. Se
lembrarmos a resposta
dada pelos Espíritos no
item 614 de O Livro dos
Espíritos, veremos que
somente somos infelizes
quando nos afastamos da
Lei de Deus. Estando às
nossas vistas a
aplicação prática da
moral de Jesus e a
explicação cristalina
das causas e
consequências desta
regra de proceder, não
podemos adotar O
Evangelho segundo o
Espiritismo como
base de um religiosismo
piegas de “rezadores
pedinchões”, mas nos
compete lê-lo absorvendo
toda a força que a moral
espírita possui.
Essas consequências
morais, que resultam do
conhecimento sobre Deus,
o mundo espiritual, a
vida futura, a
imortalidade da alma, a
constante
intercomunicação entre
encarnados e
desencarnados, merecem
nossa atenção vinte e
quatro horas por dia.
São os belos frutos
divinos que devemos
fazer amadurecer em nós,
a fim de melhor nos
portarmos em casa, no
trabalho, na rua, no
Centro Espírita, na
política, no mundo. Não
seremos santos do dia
para a noite ou da noite
para o dia, como querem
os defensores da
“ditadura do amor”; nos
tornaremos mais puros,
contudo, à medida que
nossos esforços forem
empenhados na
compreensão da mensagem
transcendente do
Espiritismo,
desenvolvendo em nós as
virtudes existentes e
“domando as más
inclinações”. Isto
consiste em um trabalho
lento, mas que deve ser
permanente e constante.
É preciso amar, sem
dúvida; mas só a
incompreensão das ideias
espíritas e do ensino
moral de Jesus pode nos
forçar a amar de forma
desmedida e imposta, a
querer amar como o
Cristo amou. Cada um no
seu passo e “a cada um
segundo as suas obras”.
O Evangelho segundo o
Espiritismo, na
condição de obra que
apresenta de modo claro
e inteligível as
consequências morais da
ciência e da filosofia
espíritas, merece
respeito. Respeito não
meramente reverencial,
mas respeito na inserção
do livro no conjunto
espírita kardeciano,
para que a leitura dele
seja sempre amparada nas
outras obras de Kardec,
no trabalho incansável
de todos os encarnados e
desencarnados, que nos
proporcionaram o
conhecimento da vida
espiritual do homem e da
base sólida da
existência de Deus. O
objetivo de O
Evangelho segundo o
Espiritismo está
muito bem delineado por
Kardec na introdução,
por isso, não podemos
enfraquecer sua função
transformando-o em livro
de autoajuda. A força e
o vigor desta obra nos
chamam à verdadeira
transformação moral, ao
compromisso sério com o
autoconhecimento, ao
comprometimento
indelével com a justiça
nas relações sociais.
O Evangelho segundo o
Espiritismo é a
confirmação de que o
chamado para o
cumprimento das Leis
Divinas se encontra há
muito na face da Terra e
cabe a nós, assumindo
nossa responsabilidade
diante de Deus, de nós
mesmos e dos demais
homens e mulheres,
tornar efetivos os
mandamentos divinos.