CHRISTINA NUNES
meridius@superig.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
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A doutrina do
elogio
Elogiar é
atitude que,
quando revestida
de sinceridade,
honestidade de
intenções, se
associa
naturalmente ao
exercício do
amor confraterno,
tão necessário
em todos os
tempos para que
as sociedades
humanas,
imbuídas da
noção exata do
valor da vida,
progridam
gradativamente
do estado da
barbárie
egoística até ao
nível do homem
situado em
patamares de
ordem espiritual
evolutiva
superiores.
Nada obstante,
singular a
percepção de
que, na medida
em que o mundo
avança em
conquistas
materiais e
tecnológicas, a
simplicidade
suprema desta
verdade
aparentemente se
perca da
capacidade do
ser humano para
apreendê-la em
seu íntimo, e
aplicá-la em
benefício
próprio e no dos
semelhantes que
o cercam.
Lembro-me de
dois episódios
dos quais retive
marcante
impressão,
embora em níveis
paradoxais: da
lição positiva
deixada por uma
senhora distinta
do meu
conhecimento,
durante breve
diálogo no
decorrer de um
dia de trabalho,
tanto mais
porque, de
índole, me
dedico a
praticá-la, na
medida de minhas
possibilidades,
podendo
constatar a sua
eficácia
natural; e de
algo ouvido
também em outra
conversa casual,
muitos anos
antes, de pessoa
da qual me
surpreendeu
grandemente as
diretrizes das
atitudes, tanto
mais por ser
benquista, e
repercutida como
indivíduo
devotado ao
exercício amável
e confraterno
nos
relacionamentos.
A primeira
personagem - a
senhora gentil -
comentou que
criou seus
filhos "na base
do elogio". Mas
não entendam a
assertiva com
base no elogio
irresponsável e
imerecido.
Aludiu, ela, ao
incentivo
saudável,
idôneo, das
qualidades
verificadas
naqueles que nos
foram confiados
à
responsabilidade
de pais e mães
que sabem também
o modo correto
de orientar e
lapidar as
facetas
necessitadas de
reformulação nos
caracteres em
formação dos
pequenos.
É o se aplaudir
o bom coração, a
tendência por
vezes
prestativa,
espontânea, nas
iniciativas dos
filhos, a
inteligência por
vezes aguçada;
todavia,
alertando-os,
noutros
momentos, quando
necessário, para
a inconveniência
da indolência, e
do egoísmo muito
comum em muitos
na fase
turbulenta da
adolescência.
Isso,
efetivamente, é
o se educar: o
se valorizar um
"por favor" e um
"muito obrigada"
que as crianças
aprendem,
porventura com
facilidade, para
a boa
convivência; o
se oferecer o
lugar aos idosos
no coletivo
urbano.
Valorizar, nas
personalidades
em formação, o
que em todas as
fases da
história humana
se reveste de
valor próprio -
não transitório!
Não acessório,
como pode
ocorrer ao se
ser benquisto
por se adotar o
último estilo de
corte de cabelo
da moda!
O segundo
episódio foi,
como dito, um
comentário
inusitado,
ouvido ao acaso
durante diálogo
informal,
justamente sobre
a importância do
elogio:
"- Ah, eu não
elogio mesmo,
pra não dar
cartaz!"...
Inacreditável
para alguns dos
leitores? Sim. A
mim também
causou espécie
ouvir tamanha
mostra de falta
de percepção
para o modo como
as coisas podem
acontecer de
forma mais feliz
na convivência
diária, com
benefícios para
todos; mas é
preciso que se
entenda a
verdade
indiscutível de
que este tipo de
mentalidade
distorcida é
produto
crescente, com o
passar das
últimas décadas,
de uma formação
calcada num
padrão quase
selvagem de
competitividade,
no qual se
assentou como
rocha inabalável
a ideia de que o
indivíduo vale
em função de seu
utilitarismo, e
não do que, de
fato, é!
Pouco importa,
portanto, sob
esta ótica, os
prováveis
talentos e
qualidades
naturais de que
cada um de nós é
portador, e que,
em sendo
reconhecido com
equanimidade
por, e para
todos,
reverteria num
modelo de
sociedade na
qual seus
cidadãos seriam
muito mais
realizados,
felizes naquilo
que criam e
produzem.
Todavia, no uso
do conceito, em
muitas mentes
generalizado, de
que "não se
elogia para não
dar cartaz",
o que se requer,
imperativamente,
é o "se dar
melhor que o
outro". É o
sobressair mais
as
autointituladas
virtudes, de
preferência em
detrimento às
existentes no
seu próximo, que
se pretende a
mais apagada
possível da
percepção
alheia, com o
fim de fazer
notar somente a
si; de se
vencer, deste
modo, na
competição
salarial e
profissional, em
quaisquer meios
existentes,
pois, afinal, há
que se ganhar,
em tempos
difíceis, o
feijão com
arroz. Há bocas
a alimentar em
casa, contas a
pagar no final
do mês, então,
que me perdoe o
próximo com seus
talentos,
capacidade e
virtudes,
certamente úteis
se adequadamente
aproveitadas em
contexto
condizente -
mas, "primeiro,
eu"!
E, assim,
orientando-se
sob essas
diretrizes
mesquinhas,
alguém, em sã
consciência, se
dedicará a
elogiar quem, ou
o que quer que
seja?
Trata-se de uma
doença grave,
com origem no
ego e na
estrutura social
vigente nos dias
atuais, que,
infelizmente,
brota com vigor
no íntimo dos
adultos
responsáveis
pela criação
saudável dos
filhos;
alastra-se,
dali, para a
formação de
personalidade
deles, e, daí,
materializando
efeitos tristes,
em proliferação
geométrica, no
meio onde são e
serão chamados a
viver,
transmudado, a
partir disso,
numa selva
feroz.
Do ambiente da
escola onde o bullying violento
oprime as
diferenças, sem
que o sistema
pedagógico ainda
tenha atinado
com meios de
orientar com
eficiência para
o se enaltecer
as qualidades
presentes em
todos, à
concorrência em
concursos
vestibulares
discrepantes,
nos quais quem
tem mais chances
de vencer são
justamente os
mais bem
aquinhoados
materialmente, a
quem foi dada a
oportunidade de
se frequentar os
melhores
colégios; até
aos círculos
profissionais de
trabalho, onde o
foco é se
superar o outro
a todo custo,
visando a cargos
e salários
vantajosos, o
observável é que
a singeleza
quase cândida
da Doutrina
do Elogio vai
por terra em
mentes e
comportamentos,
pela desvantagem
de,
aparentemente,
se ver
destituída de
utilidade no
contexto das
sociedades de
hoje, nas quais
as prioridades
de ordem prática
terminam por se
impor no
cotidiano de
todos.
O que é preciso
que se desperte
no espírito da
humanidade,
todavia, é a
compreensão
definitiva de
que o fracasso e
a opressão sobre
um será sempre o
fracasso e a
opressão sobre
todos, mesmo
acima e além do
que possam
sugerir todas as
aparências.
Porque ignorar
conscientemente
as virtudes
alheias -
existentes em
todos, sem
margens a
dúvidas, apenas
que somente mal
aplicadas e
aproveitadas - é
pretender que a
engrenagem
simbiótica da
vida prescinda
de indivíduos
robustos em
motivação e
realização
própria; é
iludir-se de que
uma peça da
engrenagem
destituída de
manutenção e
cuidados não
venha fatalmente
a prejudicar o
bom andamento de
todo o resto! É
isolar-se em uma
ilha ilusória de
vantagens
pessoais,
esquecendo-se
convenientemente
- mas não por
muito tempo -
que fatores
deverão existir
para um contexto
de trocas
saudáveis que
visem,
inclusive, aos
próprios
interesses e
necessidades
mais simples, na
hora de se
alimentar,
vestir, de se
saciar a sede...
E, numa
realidade
mundial em que
seus componentes
não são peças de
maquinaria fria,
passíveis de
manutenção
fácil, mas seres
humanos, cujos
meandros íntimos
são exclusivos e
muito mais
complexos, o
desfecho certo e
fácil a se
depreender de um
tal atraso de
concepção e
aplicação das
Leis da Vida
será o fracasso
individual e
coletivo, em
prazo não muito
distante!
Valorizemos os
nossos
semelhantes,
como queremos
que se faça a
nós mesmos. Nos
inúmeros setores
da vida,
busquemos
soluções que
ofereçam, a
todos, adequação
de qualidades,
realização
íntima na
produtividade em
comum. Façamos
assim em
quaisquer
ambientes aos
quais sejamos
chamados a
conviver. E, um
dia, haveremos
de confirmar que
a amorável Doutrina
do Elogio -
a da valorização
ostensiva de
toda e qualquer
manifestação da
vida humana -
será, sempre, o
caminho mais
curto, mais
próspero, para a
realização
efetiva e
crescente de uma
humanidade mais
feliz!