Civilização em ruínas
Augusto dos Anjos
Todo
o mundo moderno
horrendo, em ruínas,
Deixa agora escapar o
horrendo fruto
De miséria e de dor, de
pranto e luto,
Feito de sânie(1)
e de cadaverinas(2).
Em vão, sobre o Calvário
áspero e bruto,
Sangrou Jesus em
lágrimas divinas,
Sob as ofensas torpes e
tigrinas(3)
A tentarem-lhe o
espírito incorruto.(4)
Saturada de treva,
angústia e pena,
A Civilização que se
condena
Suicida-se num báratro
profundo...
Porque na luz dos
círculos da Terra,
Nos turbilhões fatídicos
da guerra,
Ainda é Caim que impera
sobre o mundo.
(1)
Sânie [do lat. sanie,
'sangue corrompido']:
pus ou matéria purulenta
gerada pelas úlceras e
chagas não tratadas;
icor. P. ext.:
podridão.
(2)
Cadaverina: diamina
encontrada nos tecidos
animais putrefatos.
Diamina designa qualquer
substância que contém
dois grupos amina.
(3)
Tigrina: relativa,
pertencente ou
semelhante ao tigre, ou
próprio dele;
sanguinária como o
tigre.
(4)
Incorruto: o mesmo que
incorrupto; isento de
corrupção; que não se
corrompeu.
Augusto dos Anjos nasceu
na Paraíba em 1884 e
desencarnou em 1914, na
cidade de Leopoldina
(MG). Foi poeta e
professor no Colégio
Pedro II. O soneto acima
integra o Parnaso de
Além-Túmulo, obra
mediúnica psicografada
pelo médium Francisco
Cândido Xavier.
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