MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis, RJ (Brasil)
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Puritanismo espírita
No estupendo livro “Além
do Rosa e do Azul:
Recortes Terapêuticos
sobre Homossexualidade à
Luz da Doutrina
Espírita” o psicólogo
Gibson Bastos conta a
história de uma senhora
espírita que, certa vez,
disse a alguns jovens do
centro que sexo era
apenas para reprodução.
Ela não é a única. Já
ouvi isso de alguns
expositores espíritas,
mas foi na década de 80
do século passado.
Espero que eles ainda
não estejam dizendo isso
por aí. É muito chato
quando,
inadvertidamente,
falamos, em nome da
Doutrina, palavras que a
Doutrina não disse. A
afirmativa dessa
senhora, pelo que o
livro descreve, foi mais
recente.
Após ter dito o que
disse, foi questionada
por um dos jovens. Ele
perguntou quantos filhos
ela tinha. Resposta:
dois. Não teve mais
porque as condições, na
ocasião, não permitiram.
Ela fez laqueadura de
trompas e fechou a
fábrica, mas, segundo
disse, gostaria de ter
engravidado mais vezes.
O jovem, então,
argumentou que ela e o
marido provavelmente
nunca mais tiveram
relações sexuais, já que
sexo é só para
reprodução. Nesse caso,
ela nem precisaria ter
feito a laqueadura. Se
sexo é só para
reprodução, para que
fazer essa cirurgia? Era
só nunca mais transar.
Afinal, sexo é apenas
para reprodução.
Chateada e ofendida, a
senhora afastou-se. Não
deveria ter se agastado
tanto. O argumento do
jovem é pra lá de
correto.
Fico pensando em que
livro espírita ela leu
que sexo é apenas para
reprodução. Gibson, ao
comentar esse fato, cita
o capítulo 18 da obra
“Evolução em Dois
Mundos”, do espírito
André Luiz e
psicografada pelo médium
mineiro Chico Xavier.
Nela, André Luiz
esclarece que o sexo,
muito mais que agente de
reprodução, é um
reconstituinte
espiritual por meio do
qual as criaturas se
alimentam mutuamente. É
a permuta de forças
psicomagnéticas, tão
necessárias ao progresso
humano. Em suma: sexo é
para reprodução para
quem quer procriar. Mas
é, antes de tudo,
importante meio de
harmonização de energias
físicas e espirituais.
Isso me lembra de um
seminário a que assisti
da psiquiatra carioca
Anete Guimarães. Ela,
expondo com muita
propriedade sobre os
circuitos cerebrais
beneficiados pela
energia do sexo, disse
que quando um casal se
entende muito bem
sexualmente libera uma
energia tão grande a
ponto de ambos ficarem
48 horas ouvindo melhor
e enxergando com cores
mais nítidas. Sexo,
portanto, faz um grande
bem, principalmente
entre pessoas que se
amam e se desejam.
A Doutrina Espírita é
moderna. Acompanha as
mudanças sociais e
sempre dá respostas
consoladoras às
criaturas. E é moderna
também porque joga por
terra muitos temores
infundados e conceitos
equivocados que as
religiões tradicionais
puseram na cabeça dos
homens ao longo dos
séculos.
Há tempos somos – e
muitos ainda são –
doutrinados por
religiões que condenam o
prazer sexual. O
Espiritismo é
relativamente novo. Foi
codificado por Allan
Kardec em meados do
século 19, na França. Ao
migrarmos para o
movimento espírita, às
vezes trazemos para ele,
sem perceber, várias
posturas oriundas de
outras religiões. Dentre
elas, a de que sexo
existe apenas para fins
reprodutivos.
É comum que tais
equívocos aconteçam. Não
estamos acostumados com
um Consolador Prometido
que liberta a criatura
de grilhões seculares.
Mas devemos ter cuidado
em não deturpar a
mensagem espírita,
adaptando-a aos
preconceitos e
puritanismos que ainda
trazemos em nossa
bagagem. Precisamos
jogar essa bagagem fora.
Ela é pesada e não é
mais apropriada. Tratar
o sexo como assunto
proibido e feio que só
deve ser praticado para
fins reprodutivos não
condiz mais com os
tempos atuais.
Principalmente quando se
fala em nome do
Espiritismo.
São vários os exemplos
dessa monta. No livro
“Para Rir e Refletir”,
logo no primeiro
capítulo, o escritor e
expositor paulista
Richard Simonetti
comenta sobre a seguinte
dúvida de um colega
espírita: a prece antes
de dormir deveria ser
feita antes ou depois do
ato sexual? Ele achava
que se fizesse sexo logo
depois da prece, o
efeito da mesma cairia
por terra, já que ele e
a esposa se entregariam
aos prazeres da carne. E
se fosse depois, não
teria coragem de
conectar-se com Deus;
sentir-se-ia como uma
criança que vai se
explicar com o pai
depois de ter feito uma
travessura. Simonetti
responde que, quando o
casal se ama, o ato
sexual já é uma prece.
Nada de culpa ou pecado.
Apenas o momento mais
profundo da intimidade
de duas pessoas que se
gostam. Simples assim.
É interessante notar
como muitos espíritas, a
pretexto de serem
espiritualizados, tratam
a questão sexual como
algo negativo.
O mesmo Gibson Bastos
citado há pouco contou,
num seminário sobre
homossexualidade
realizado em Petrópolis,
RJ, que, certa vez, foi
abordado por dois
rapazes no centro
espírita onde evangeliza
a mocidade. Gibson é
psicólogo especialista
em sexualidade, e os
dois jovens tinham
dúvidas sobre o assunto.
Ele, então, prestou os
esclarecimentos
necessários. Uma
senhora, colaboradora do
centro, estava por perto
e acabou ouvindo parte
da conversa. Quando os
rapazes se retiraram,
ela, de forma severa,
perguntou ao Gibson:
- Precisava ter
utilizado um vocabulário
tão pesado? Gibson,
sem entender a
argumentação,
questionou: - O que a
senhora acha que eu
falei demais? Ela
retrucou: - Você
falou pênis e vagina!
Gibson arrematou:
- Vem cá, a senhora
queria que eu dissesse o
que para dois rapazes? O
piu-piu e a florzinha?
Ofendida com a resposta
e contrafeita, a senhora
afastou-se, resmungando.
Decerto foi educada de
forma puritana e não
percebeu que a Doutrina
Espírita é libertadora.
Todas as partes do corpo
humano têm nome
específico. Fígado,
mediastino, braço,
fêmur, tímpano, perna,
estômago, uretra etc. Os
órgãos reprodutores
também. Chamam-se pênis
e vagina. No entanto,
são os únicos que levam
apelidinhos fofos ou
termos pejorativos. Como
o sexo ainda é um tabu
na cabeça de muita
gente! De espíritas,
inclusive.
Que mal há em falar
pênis e vagina dentro de
um centro espírita? Será
que as pessoas pensam
que a vibração
espiritual vai cair e
espíritos menos
esclarecidos, afeitos a
viciações sexuais, irão
entrar e fazer a festa?
Como eu disse, os órgãos
genitais têm nome.
Tratemo-los pelos nomes,
portanto. O problema
está em trazer a
educação puritana para
dentro do centro
espírita e, em nome da
Doutrina, exercer falso
moralismo. Deixemos o
Espiritismo fora disso e
mudemos a mentalidade.
Sexo faz parte da vida e
deve ser tratado com
naturalidade. Lógico que
com o respeito e
seriedade, pois tem a
ver com a vida íntima
das pessoas. Nunca, no
entanto, como se fosse
um tabu. Não é essa a
proposta da Doutrina
Espírita, que tem
inúmeros autores
encarnados e
desencarnados debruçados
sobre o tema.