MARCELO TEIXEIRA
maltemtx@uol.com.br
Petrópolis, RJ (Brasil)
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Mas é ciúme. Ciúme de
você
Leonardo era um jovem
assíduo e empolgado com
o Espiritismo e com a
mocidade. Filho de pais
espíritas, crescera no
centro e tinha amizades
sólidas na mocidade. Era
muito querido.
Tudo ia bem na vida de
Leonardo até o dia em
que ele, por volta dos
22 anos, começou a
namorar Alice, também
espírita, mas
frequentadora de outro
centro. A princípio
nenhum problema. Dois
jovens espíritas
namorando e frequentando
um o centro do outro. Só
que Alice tinha um
problema: ciúme. Ela
morria de ciúmes não só
das meninas da mocidade,
como dos meninos também.
Em sua imaginação, todas
as meninas davam em cima
de Leonardo. Ou então,
ele se insinuava para
todas. Já os meninos,
por serem amigos de
longa data, provocavam a
ira de Alice, já que
Leonardo deixava de dar
atenção a ela para
conversar com eles. Em
suma: ela tinha ciúmes
de todos –
frequentadores e
evangelizadores – por
tratarem Leonardo com
carinho.
Conversando a respeito
com Soraia, mãe de
Leonardo, ouvi dela que
Alice estava sendo um
problema. Criançola,
estendia o ciúme aos
amigos da faculdade de
Leonardo e também aos
colegas de trabalho
dele. E tinha ciúmes da
família também. Se ele
desse muita atenção à
mãe ou a uma tia, prima
ou cunhada, Alice
emburrava, discutia,
brigava, choramingava.
Dizia que ele não
gostava dela, somente
dos outros e que ele
tinha de dar atenção
somente a ela. Enfim,
aquela chorumela enjoada
que todo ciumento
utiliza para cansar as
pessoas.
O ciúme de Alice era
tanto que certa vez ela
brigou com Leonardo só
porque ele parou numa
banca de jornal para dar
uma olhada nas notícias.
Na mente de Alice, o
motivo da parada era
outro: revistas
eróticas. Leonardo havia
parado para ver mulher
pelada. Alice, portanto,
sentiu-se preterida por
um provável nu
feminino.
Quando soube dessa
história, lembrei-me de
outras semelhantes. Na
juventude, tive um
colega de teatro
espírita a quem chamarei
de Breno. Ele enfrentou
sérios problemas com
Lígia (nome fictício
também), a noiva. Ela
ficou com tanto ciúme do
sucesso que Breno
começou a fazer como
ator que terminou o
noivado. Não que alguém
estivesse se insinuando
para Breno. Pelo
contrário. Ele e Lígia
eram amigos de todos.
Ela simplesmente não
suportava o fato de
vê-lo fazendo sucesso.
Tempos depois, Lígia
conheceu Tadeu, rapaz
fora do meio espírita, e
se casou. O início foi
bem desgastante, pois
ela brigava com ele
simplesmente porque ele
visitava os pais e os
irmãos. Tadeu, mais
velho e mais experiente
no trato com mulheres,
soube fazê-la cair na
real e amadurecer. Hoje,
ambos vivem felizes.
Fui também colega de
curso de inglês de uma
moça a quem chamarei de
Ivana. À época, Ivana
era noiva de Walter, que
trabalhava comigo na
mesma empresa. Certo
dia, Walter foi
demitido. Meses depois,
eu pedi demissão para
trabalhar em outra
cidade. Na ocasião, já
havia terminado o curso
de inglês. Portanto,
perdi contato com ambos.
Passados alguns anos,
encontrei Ivana em um
evento. No meio da
conversa, perguntei por
Walter. Resposta: -
Terminei com ele,
Marcelo. O Walter queria
que eu parasse de
trabalhar por causa
dele. Queria também que
eu parasse de estudar
inglês e de cantar em
coral para ficar em casa
cuidando dele. Só faltou
ele dizer para eu parar
de trabalhar. Terminei o
relacionamento e nunca
mais soube dele.
Fernanda, minha colega
de colégio na infância,
casou-se com Armando
quando ainda éramos bem
jovens. Todos com 18-19
anos. Armando não era do
nosso grupo de amigos da
escola. E nunca quis
ser, pois morria de
ciúmes de Fernanda.
Cerca de dois meses
antes do casamento,
Fernanda, indo ao
encontro de Armando,
cruzou com um antigo
colega nosso e parou
para conversar com ele.
Trocaram algumas
palavras amistosas. Em
seguida, ele se despediu
e entrou numa sapataria.
Armando, que esperava
por Fernanda um pouco
adiante, viu a cena. De
cara amarrada,
interpelou: - Quem é
aquele cara?!
Fernanda respondeu: -
É o Mauro, colega de
colégio. Ele, inclusive,
foi convidado para o
nosso casamento! De
nada adiantou. Armando
ficou emburrado o dia
inteiro. No casamento,
Armando não dirigiu a
palavra a Sérgio, amigo
que Fernanda convidara
para ser padrinho. Ciúme
com falta de educação.
Quase 30 anos depois,
Luís Carlos, outro amigo
nosso, falecia ainda
moço, com 45 anos,
vítima de um infarto.
Soube que Fernanda,
quando recebeu a
notícia, teve de chorar
escondida de Armando.
Luís Carlos e ela
tiveram um namorico de
adolescência por volta
dos 13 anos. Nada
importante. Mas Armando,
décadas depois do
ocorrido, sentia ciúmes
de alguém que namorara
Fernanda, mesmo que
superficialmente, anos
antes dele. Lamentável
ter ciúme de alguém que
havia morrido. Tempos
depois, Fernanda e
Armando terminaram o
casamento de quase 30
anos. Ela não aguentou
três décadas de
policiamento ostensivo e
desconfianças
infundadas. Caiu fora.
Minha tia Alcidéa,
depois de aposentada,
passou a varar
madrugadas vendo TV. Ela
adora. Assistindo a um
programa evangélico,
desses que a pessoa
telefona para pedir
conselhos, testemunhou
um diálogo entre o
pastor e uma mulher
bastante aflita. O
marido havia saído de
casa porque ela era
demasiadamente ciumenta.
Dessas que vasculham os
bolsos da roupa do homem
na tentativa de achar
bilhetes e marcas de
batom. Além disso, fazia
perguntas, levantava
desconfianças, discutia
etc. Ele cansou, arrumou
as malas e foi morar
numa pensão. Ela, então,
ligou para o programa
evangélico e pediu ao
pastor que rezasse para
o marido voltar. E
admitiu que havia sido a
causadora da separação.
Após o relato da infeliz
esposa, o pastor citou
em voz alta o seguinte
provérbio do Antigo
Testamento: - “Toda
mulher sábia edifica a
sua casa, mas a tola a
derruba com as próprias
mãos” (Provérbios:
14,1). E arrematou
dizendo que rezaria pelo
retorno do marido, mas
que ela, a esposa, tinha
de deixar de ser tola.
Sábia lição. Palmas para
esse pastor!
A palavra ciúme vem do
latim “zelumen”, que
significa zelo com ardor
e rivalidade. A meu ver,
ardor porque deixamos
nossa mente arder com
suspeitas infundadas,
que podem chegar às
raias da obsessão, como
o caso da mulher que
ligou para o programa
evangélico. E rivalidade
porque não suportamos o
fato de namorados ou
cônjuges sentirem-se
felizes com familiares e
amigos. Na cabeça do
ciumento, o parceiro ou
parceira só pode ser
feliz com ele. Por isso,
quer afastá-lo de
parentes, amigos,
trabalho, estudos... Só
que isso é impossível.
Não há como trancar a
pessoa amada numa
gaiola, embora muitos,
pelo visto, assim o
quisessem.
Tolher a quem amamos é
tomar o rumo de um
relacionamento que
gerará muita
infelicidade. Se eu
estou me relacionando
com alguém é porque
tenho esperança de que
esse alguém possa me
fazer feliz. Mas como,
se quero tornar essa
pessoa triste, longe da
carreira e de pessoas
queridas? Como ela me
fará feliz se quero que
ela seja triste? Alguém
faz o favor de gostar de
mim, de me amar e me
desejar, querer minha
companhia e construir
uma vida comigo. Eu, em
troca, irei castrá-la e
cansá-la com ciumeiras
de todo tipo. Não dá
para ser feliz desse
jeito.
Ciúme é um sentimento
infantil. Tem a ver com
baixa autoestima. O
ciumento gosta muito
pouco de si próprio. Por
isso, julga serem
melhores todos que se
aproximam da pessoa
amada. Ao mesmo tempo,
devido ao zelo ardoroso,
superestima a quem ama,
julgando-a irresistível
a ponto de seduzir
qualquer um.
Os casos relatados nesse
capítulo revelam, além
de ciúme, outro
sentimento nada
recomendável: a inveja.
Do latim “invídia”,
inveja quer dizer olhar
torto. E é justamente
esse olhar torto que
dirigimos à pessoa
amada, pois muitas vezes
nos sentimos inferiores
a ela, que é tão
querida, tão cheia de
amigos e de projetos
interessantes. Por isso,
queremos anulá-la, pois
ela não pode ser mais do
que nós. Triste
comportamento.
A questão 933 de O
Livro dos Espíritos
diz que são muito
felizes as pessoas que
desconhecem a inveja e o
ciúme. Quem se deixa
levar por essa dupla
nefasta perde a calma, o
sono e transforma a vida
num verdadeiro inferno,
pois não tem sossego.
Por se sentirem
permanentemente
ofuscados, os invejosos
e ciumentos querem
reduzir tudo ao nível da
própria pequenez. É o
ardor do zelo excessivo
misturado ao despeito e
à raiva oriundos da
inveja. Mais adiante, na
mesma questão, um
parágrafo é fechado
dizendo que a inveja é o
ciúme aliado à
mediocridade. Melhor
definição, impossível.
Grande Kardec!
A expositora e escritora
espírita fluminense
Leila Brandão, em uma
palestra realizada em
Petrópolis (RJ), contou
sua própria experiência
com a inveja e o ciúme,
que a visitaram quando
jovem. Casada e mãe de
três filhos, Leila era,
então, professora. O
marido, engenheiro. Ele
ganhava três vezes mais
que ela e vivia viajando
ao exterior, a trabalho.
Ela ficava em casa
cuidando das crianças e
imaginando o marido
passeando pelo mundo e
se divertindo. Certa
vez, ele ficou um tempo
no Japão. Leila, do
Brasil, imaginava o
marido cercado de
gueixas e sofria. Quando
o marido voltou, lá
estava ela com centenas
de pedras na mão para
atirar nele. Até que um
dia, disse a si mesma: -
Leila, pare com isso.
Você está com inveja do
seu marido. Você é
espírita. Está começando
a fazer palestras em
reuniões públicas. Deixe
isso de lado.
Deixou, amadureceu,
aprendeu a admirar o
marido, fez sua própria
história e hoje tem um
casamento feliz. Façamos
o mesmo.
Referência
bibliográfica:
1 -
KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos.
Federação Espírita
Brasileira (FEB), 60ª
Ed., 1984, Brasília, DF.