O padre João
Guerra Junqueiro
Tombava o dia.
A luz crepuscular
Mansamente descia
Inundando de sombra o
céu, a terra e o mar...
O meigo padre João,
Um puro coração,
Qual lírio a vicejar em
meio a um pantanal,
Sonhava ao pé da igreja
– um templo envelhecido
Ao lado de um vergel,
esplêndido e florido –
Sentindo dentro d `alma
um frio sepulcral.
O firmamento
Tingia-se de luz
brilhante e harmoniosa,
A noite era de sonho e
névoa luminosa.
Padre João meditava,
orando ao Deus de amor.
Revia em pensamento
Uma luz singular nas
dobras do passado;
Era um vulto sublime,
excelso, imaculado,
Que fazia descer o amor
às multidões,
Inflamado de fé,
desatando os grilhões
Que prendiam a alma à
carne putrescível,
Uma réstia de sol sobre
a noite do Horrível,
Iluminando o mundo,
iluminando a vida,
Pensando docemente a
pútrida ferida
Da imperfeição que rói a
torva humanidade,
Oferecendo amor em
flores de bondade,
Aos pecadores dando
amigas esperanças,
E aumentando nos bons as
bem-aventuranças.
Era o meigo Pastor
irradiando a luz,
Era o Anjo do Bem, o
imáculo Jesus.
O sacerdote, então,
Comparou, meditando, a
fúlgida visão
Com aquele Cristo nu, de
pau, inerte e frio,
Imóvel dominando o
âmbito vazio;
Notando a diferença
enorme, extraordinária,
Daquela igreja fria, a
ermida solitária,
Da igreja de Jesus feita
de amor e luz,
De paz e de perdão,
O farol da verdade ao
humano coração.
E viu da sua igreja o
erro tão profundo,
Dourando os véus da
carne e amortalhando o
mundo
Em trevas persistentes,
Por anos inclementes
Em séculos sem fim.
Conhecendo no padre o
gêmeo de Caim,
Afastado da luz, fugindo
aos irmãos seus,
Fugindo desse modo ao
próprio amor de Deus,
Padre João meditou nas
lutas incessantes
Sustentadas na Terra em
prol da evolução,
E viu no mundo inteiro
as ânsias delirantes
De trabalho, de amor, de
eterna perfeição.
Sentiu seu coração em
dores lacerado,
E no sonho da luz
fulgente do passado,
Penetrou soluçando a
ermida então deserta.
Teve medo e receio, o
espírito gelado,
Sentiu-se no seu templo
um pobre emparedado...
E fugindo a correr da
porta semiaberta,
Com o coração sangrando
em úlceras de dor,
Encaminhou-se ao campo,
à natureza em flor.
Fitou extasiado a
natureza em festa,
As árvores, a flor, os
mares, a floresta,
E como se o animasse uma
chama divina,
Despiu-se do negrume
espesso da batina,
E fitando, a chorar, o
céu estrelejado,
Encheu a solidão com as
vozes do seu brado:
"Ó Igreja! não tens a
ideia que eu sonhava,
A luz radiosa e bela, a
luz eterna e rara
Que nos vem de Jesus;
Tua mão não conduz
Às plagas da verdade,
Mantendo inutilmente a
pobre humanidade
No mal da ignorância,
túrbida e falaz,
Crestando a fé, roubando
a luz, matando a paz.
Torturas a verdade,
endeusas a matéria,
E transformas o padre em
trapo de miséria,
Num farrapo de sombra,
exótica e execrável,
Num fantasma ambulante
em treva interminável!
É um blasfemo quem crê
que em teus nichos e
altares
Guarda-se a essência
pura e imácula de Deus.
Eu vejo-O, desde a flor
às luzes estelares,
Na piedade, no amor, na
imensidão dos céus!
Ó Igreja! o dogma frio é
um calabouço escuro,
E eu quero abandonar a
noite da prisão;
Prefiro a liberdade e a
vida no futuro,
Guiando-me o farol da
fúlgida Razão.
Desprezo-te, ó torreão
de séculos trevosos,
Ruínas de maldade
estúltica a cair,
Eu quero palmilhar
caminhos luminosos
Que minh`alma entrevê na
aurora do porvir!”
E o padre emudeceu.
Submergido em pranto,
Achou mais belo o Céu e
o seu viver mais santo.
Pairava na amplidão
estranho resplendor.
A Natureza inteira em
lúcida poesia
Repousava, feliz, nas
preces da harmonia!...
Era o festim do amor,
No firmamento em luz,
Que celebrava
A grandeza de uma alma
que voltava
Ao redil de Jesus.
Poema psicografado pelo
médium Francisco Cândido
Xavier e publicado no
Parnaso de Além- Túmulo,
obra mediúnica publicada
pela FEB.
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