DARLENE CAIRES
darlenepcaires@gmail.com
Londrina, PR
(Brasil)
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A retribuição
Hoje em meu culto do
Evangelho, ao ler
mensagem “A retribuição”
(Fonte Viva,
Chico/Emmanuel), levei
um susto. Se eu
estivesse na
alfabetização, a
professora diria que foi
um estalo (a gente chama
isso para o exato
momento em que a criança
olha para o quadro, para
a folha e consegue, ao
juntar as letras, ler a
primeira palavra), ouso
dizer, um estalo
paradoxal.
A pergunta inicial era:
“Pedro disse-lhe: e nós
que deixamos tudo e te
seguimos, que
receberemos?” (Mt.
19:27) Acredito que não
foi Pedro e nem eu a
única mortal sobre esse
planetinha azul que
muitas vezes se pegou e
pega esperando a
retribuição divina ou
humana. Penso ser ainda
da condição humana, ou
melhor, dizendo, do
nível evolutivo em que
nos encontramos. Pois
bem, Emmanuel, como
sempre usando a natureza
para explicar, mostrou
explicações extremamente
paradoxais que seriam
mais ou menos assim: “a
retribuição de seu
esforço em amar,
evoluir, ser feliz é o
servir, enxergar o
outro”. Muita calma
nessa hora! E eu?
No Evangelho
encontramos: “No seu
ponto de partida, o
homem só tem instintos;
mais avançado e
corrompido, só tem
sensações; mais
instruído e purificado,
tem sentimentos; e o
amor é o requinte do
sentimento”.
Bom, podemos olhar ao
nosso redor e
observar... Existem
pessoas, parece que
muito mais agora, as
hedonistas, que
transitam entre o
instinto e as sensações,
e dá-lhes mais
sensações. Possuem ou
lutam por possuir bens,
pessoas, status, poder.
Para essas pessoas nada
é suficiente. Em seu
egoísmo e orgulho jamais
assumirão publicamente
que têm um imenso buraco
negro em seu ser; falta
algo e isso as
impulsiona a querer cada
vez mais ir à busca das
mesmas sensações que a
materialidade supre
momentaneamente. É como
droga, sexo, bebida,
comida, jogo, poder e
todos os vícios de
caráter. Matamos e
morremos por eles, mas o
buraco fica ali
denunciando que falta
algo...
De repente o estalo, já
na exaustão do
sofrimento e do cansaço,
o homem começa a
perceber que existe o
outro independente dele.
Penso que esse olhar
começa quando olhamos
pela primeira vez um
filho, um ser vivente
para além de nós e,
mesmo ainda sendo
egoístas e orgulhosos,
sentimos a vontade de
proteger; abrimos espaço
em nosso centro para
esse ser entrar.
Começamos a dividir
genuinamente. Estamos
engatinhando para os
sentimentos. É claro que
se na natureza as
transformações não
acontecem aos saltos,
conosco não será
diferente, ainda
lutaremos com unhas e
dentes pelas mesmas
coisas de antes e nosso
amado será a desculpa.
Quem já não ouviu a
frase: Faço tudo por
meus filhos! Morro por
ele, ela! Trabalho para
dar garantias! E por aí
afora?
Nessa fase entre dois
mundos, na transição,
tudo fica misturado e
ainda, sendo seres
extremamente egoístas e
orgulhosos, queremos que
o outro siga as regras
de nossa cartilha. Como
o outro ainda é extensão
do meu ser, não posso
permitir que ele
construa do jeito que
ele quiser e souber sua
existência, sua
trajetória, sua
felicidade. Daí os
grandes conflitos entre
gerações, pais e filhos,
famílias.
O mais engraçado,
tragicômico, é que antes
as cruzadas eram com
derramamento de sangue,
agora são com
derramamento de prisões
psicológicas e a coisa
se complica com as
inversões de papéis
quando reencarnamos.
Aquele que oprimia passa
a ser o opressor... E a
confusão não vai ter
fim?
“Pedro disse-lhe: e nós
que deixamos tudo e te
seguimos, que
receberemos?” Notemos
que Pedro é claro quando
diz: “nós que deixamos
tudo”. Novamente o
estalo! O que de fato eu
deixei? O que de fato eu
me desapeguei? Qual foi
meu esforço para sair de
mim? Quando foi que o
planetinha azul parou de
girar ao meu redor?
Quando foi que minha
felicidade já não estava
atrelada à obrigação do
outro fazer-me feliz,
servir-me, seguir minhas
vontades e desmandos?
O mais surpreendente é
que não consigo
lembrar-me na literatura
espírita, no Evangelho,
nas Leis divinas, nenhum
exemplo em que a
Espiritualidade Maior,
Jesus, Deus atrelam sua
felicidade, sua
evolução, perfeição - no
caso de Deus, e
responsabilidade a esse
insignificante ser que
sou.
Vejo, sim, pesar,
tristeza, não porque
eles não conseguem ser
felizes por causa de
minha birra,
infelicidade,
imperfeição, mas porque
eles sabem que ainda me
debato, parada lá atrás
na guerra entre instinto
e sensação. Que, como
bebê, ainda me arrasto,
engatinho, porque
arrogante, não seguro
nas mãos das leis
divinas, para dar o
impulso de levantar-me e
sair caminhando de mãos
dadas com Eles.
Daí parece estar
fechando um ciclo,
quando eu de fato solto,
deixo tudo, cada coisa
vai pro seu lugar e, ao
fazer isso, olho o outro
com compaixão, amor,
respeito e, mesmo com
pesar, deixo-o seguir e
construir seu caminho.
Meu papel de
provedor/controlador
passa a ser aquele que
segue ao lado, note, ao
lado, construindo minha
evolução e felicidade
independentemente da
escolha do outro. Com a
sensação de que da mesma
forma que a
Espiritualidade Maior
compreende meu nível
evolutivo, eu também já
consigo tentar seguir o
exemplo: estar ao lado
para intuir (para nós
encarnados, dar
orientação ou conselho,
quando solicitados),
amparar a queda, pegar
no colo, soprar as
feridas, mas colocar
novamente no chão para
que nosso amado siga com
sua evolução individual.
Isso é servir!
E com convicção de alma
(espírito encarnado), o
paradoxo torna-se um
ciclo perfeito e não há
melhor definição de
amor, não há lei mais
perfeita, do que “Fazer
ao outro o que quero que
o outro faça para mim!”.