Claro que não. A
corrupção não está no
Legislativo. Tampouco no
Executivo, no Judiciário
ou na atividade privada.
A corrupção está na alma
humana. Rousseau
recusava a ideia de que
gente nascesse com ela:
a convivência com o
outro dela nos
contamina. Já Hobbes,
para quem “o homem é o
lobo do homem”,
sustentou estarmos todos
inoculados de seu
veneno. O egoísmo,
combustível a nos
arremessar contra o
outro, só poderia ser
aplacado pelo pacto
social de que resultara
o Estado.
Antes deles, o mito
judaico da criação
figurou o homem como um
ser angelical, saído
perfeito do sopro divino
que lhe deu vida no
barro. O pecado, fruto
da convivência com o
outro, o contaminaria.
Conceda-se um pouco de
razão a cada um. Parece
mesmo que viver e,
especialmente, viver com
o outro, nos corrompe.
Como reconheceria
Sartre, “o inferno é o
outro”. O outro, neste
momento, são o
Executivo, o
Legislativo, as
empreiteiras, os
doleiros, os partidos
políticos…
Teoricamente, fizemos o
pacto social que evoluiu
para o Estado
democrático de direito.
Ele iria nos libertar da
esperteza do outro e de
sua maldade, sempre à
espreita para nos
prejudicar em benefício
próprio. Mas logo se
percebeu que “hecha la
ley, hecha la trampa”. O
leviatã que nos
defenderia do outro
mostrou-se incapaz de
nos proteger.
Anuncia-se um pacote
anticorrupção. Que
outros mecanismos
externos ainda poderão
ser implantados? Não
estão eles devidamente
estruturados na
Constituição, nas leis
penais e de
responsabilidade civil,
nos tantos e tão
complexos mecanismos de
fiscalização, de
imposição de sanções
administrativas e
judiciais
consubstanciadas no
Estado?
Tempos assim trazem um
alerta para o qual, quem
sabe, ainda não demos a
devida atenção. Há na
alma humana mecanismos
internos de
transformação bem mais
poderosos do que todos
os esforços já
empreendidos para nos
proteger da maldade
alheia. Eles apontam
para nossas próprias
imperfeições. A História
tem comprovado a imensa
capacidade de
transformações sociais e
políticas conquistadas
por esse poderoso elã
coletivo que, agora, se
revigora entre nós. Mas
seremos capazes de
investir o mesmo esforço
no afã individual de
transformação? Ou
teríamos esquecido a
grande lição presente
nas mais caras tradições
filosóficas, segundo as
quais a corrupção nasce
e vive na alma humana e
só ali pode ser morta?