CHRISTINA NUNES
cfqsda@yahoo.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
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Dona Deusa
Dona Deusa, a
essas horas da
tarde de um
feriado de São
Jorge, nem deve
fazer ideia de
que estou aqui,
sentada,
escrevendo sobre
ela. Aliás, bem
provável que nem
se lembre de que
eu exista. Mas
eu me lembro
dela! Por boas
razões.
Trabalho há
quase exatos
vinte e sete
anos no serviço
público,
atualmente na
Justiça Federal.
E, seguramente,
durante esses
vinte e sete
anos, nunca vi
ninguém tão
absolutamente
engajado no que
faz, e tão
totalmente
integrado no que
o próprio nome
sugere.
Dona Deusa não é
funcionária
pública. Não,
ela não fez
concurso, se
preparando por
mais de um ano
para disputar
uma das
concorridíssimas
vagas daquele
tribunal, e,
enfim,
levantando o
troféu da
vitória entre os
concursados do
judiciário. Ela
é, sim, de uma
firma
terceirizada de
prestadores de
serviços de
limpeza
contratada por
aquele órgão,
dentre tantos
outros que
labutam
diariamente num
horário duro e
diferenciado.
Chegando cedo e
saindo por volta
das dezessete
horas. Mas
saindo de casa
ainda mais cedo,
como no caso da
dona Deusa, por
morar num bairro
longe – mas bota
longe! – do
Centro da cidade
do Rio de
Janeiro!
Vida dura! E, no
entanto, lá está
a dona Deusa,
justificando,
com o seu modo
de ser, este meu
artigo, e já
lhes explico a
razão.
Gosto, volta e
meia, de
homenagear seres
humanos que
trazem a
contribuição
pessoal de uma
lamparina a mais
para este mundo
ainda cheio de
sombras,
desacertos e
mazelas, onde as
pessoas mourejam
arduamente,
vencendo suas
provas de
aperfeiçoamento
evolutivo.
Assim, já
discorri, em
artigos mais
antigos, sobre o
nosso querido
Chico Xavier,
sobre um ou
outro artista,
cujo trabalho me
sensibilizou de
maneira
positiva, mas,
também, sobre
alguns nobres
anônimos que já
cruzaram os meus
caminhos
diários.
Deste modo, não
poderia deixar a
dona Deusa
passar em
branco.
Por vezes,
chegamos por
volta das onze
da manhã, e
deparamos,
surpresos: uma
toalhinha nova
na mesa da nossa
pequena copa,
onde nos
reunimos
brevemente para
o almoço ou
cafezinho, no
decorrer dos
longos dias. Um
bolo. Um pão a
metro,
deliciosamente
recheado. E o
pessoal vai
chegando e, bem
impressionado,
perguntando:
quem trouxe?!
Quem fez?! Que
coisa mais
bem-vinda!
E a resposta,
frequentemente,
é a mesma:
dona Deusa!...
Para o nosso
sensibilizado
estupor!
Sempre ela, com
o enfeite novo
para a copa!
Sempre ela com
lembrancinhas
providenciadas e
confeccionadas
por ela mesma,
para cada um da
Secretaria, em
cada uma dessas
datas
comemorativas
que pululam
durante o
decorrer do ano:
dia das mães.
Natal.
Páscoa!... Ainda
nesta última, lá
estava um
embrulhinho em
forma de cenoura
sobre a minha
mesa, cheio de
chocolates
dentro, bombons,
ovinhos...
Quem trouxe?!...
Dona Deusa!...
A pergunta já se
faz até
desnecessária,
após estes
muitos anos de
convivência com
aquela
senhorinha,
espécie de anjo
silencioso,
quase mudo, que
desliza entre a
agitação do
nosso dia a dia
recolhendo o
conteúdo das
lixeiras e
deixando tudo
limpinho antes
da nossa
chegada!
Coisa de mãe!
Garrafinhas
individuais
devidamente
cheias com água
geladinha, todo
santo dia, sobre
as nossas mesas!
Uma vez
entramos, e
tomamos
agradável susto!
A Secretaria em
peso estava
florida – com os
enfeites mimosos
confeccionados
por ela, com
flores do campo
coloridas!
O sumo do bom
gosto! Sobre as
mesas de todos,
da diretora de
secretaria a
cada um dos
dezesseis
funcionários!
Até hoje tenho
sobre meu piano,
em casa, o
enfeite
gracioso,
colorindo o
ambiente da
minha sala!
Dona Deusa, meus
amigos, serve
sem prestar
atenção ao que
faz e sem
ambição! Parece
estar nela, como
está nos
jasmins,
simplesmente,
perfumar o
ambiente de
maneira intensa!
Porque está na
sua natureza, e
pronto!
Alguns, mais
maliciosos,
poderiam
argumentar: ah,
algum interesse
tem! Afinal,
obviamente que,
eternamente
encantados,
cativados pelos
modos bondosos
da senhorinha,
fazemos também
por onde ser
reconhecidos, a
uma pessoa que,
com tão poucos
recursos
materiais, ainda
faz mágica para
oferecer
reconforto e
servir ao
próximo de forma
tão desprendida,
tão encantadora!
Alegre e
empenhadamente!
E por que não?!
Acho bem pouco
provável que, ao
longo dos
trezentos e
sessenta e cinco
dias do ano,
aquela criatura
amável se
empenhe em mil e
um mimos,
criativa,
agradando a
todos, movida
somente por
premeditação,
por algum outro
tipo de
interesse!
Porque, em
absoluto, não é
o que se
observa! Dona
Deusa serve em
silêncio, sem
chorar lamúrias,
sem reclamar de
sua vida difícil
– que a sabemos
difícil, porque
nós, sim,
espontaneamente
nos
interessamos,
buscamos saber!
De um lado para
outro, atende a
todos, adivinha
nossas
necessidades.
Traz cafezinho,
recolhe as
xícaras, mantém
tudo limpinho,
oferece
guloseimas e
presentinhos
mimosos de
tempos em
tempos, sem, em
quase nenhum
momento, sequer
falar. E quando
conversa, é
baixinho, com
poucas
palavras...
Sem falar mal do
próximo! Sem
criticar os que
não fazem como
ela! Sem um
olhar de
interesse,
premeditação,
malícia...
nada!...
Não adianta!
Dona Deusa
somente age
assim. É
assim!
Pronto... Por
que haveremos
sempre de não
aceitar a
bondade, quando
ela assim se
apresenta em
alguém,
denodada, pura e
límpida? Por
qual razão? Por
termos
dificuldade de
identificá-la,
em igual
qualidade, em
nós mesmos,
talvez? Em nós
que, com maiores
e melhores
recursos e
oportunidades na
vida, por vezes
mal conseguimos
nos demover a
oferecer uma
palavra de
estímulo a quem
notamos à míngua
de calor humano
e de
compreensão?!
Dona Deusa,
portanto,
queridos amigos,
é o tema de meu
novo artigo, bem
merecidamente!
Faz jus ao nome
peculiar – que é
nome mesmo, dona
Deusa –
e, isso,
comentamos
frequentemente
no tribunal!
Assim como Deus
serve
incessantemente,
e cobre as
necessidades de
toda a Sua
imensa e
portentosa
Criação – em
silêncio
sepulcral, com o
perdão do
trocadilho! –,
lá está, também,
a dona Deusa!
Exemplificando,
na sua quieta
modéstia, e no
anonimato dos
movimentos do
nosso cotidiano
afobado, o que o
Pai nos
testemunha a
cada minuto!
Servir, servir,
servir, e
agradar à Vida,
sem parar!
Fazer o bem, sem
olhar a quem!
Às vezes, os
céus se fazem
presentes na
Terra!
Obrigada, dona
Deusa!