Escutar também é
Amar
O relacionamento
humano,
verdadeiramente
sentido, assente
em princípios,
valores,
sentimentos e
emoções, é tanto
mais profícuo
quanto melhor se
desenvolver o
contacto com
quem se deseja
conviver,
precisamente, a
partir de
atitudes de
respeito,
amabilidade,
generosidade e
atenção máxima,
prestada à
pessoa que
pretendemos para
o nosso
convívio, de
acordo com o
contexto em que
a relação se
desenvolve,
sendo certo que
a escuta ativa,
interessada e
reciprocamente
partilhada, será
sempre um bom
começo de
conversa e
relacionamento
duradouro.
É verdade que a
consideração e a
estima por
alguém, com quem
se ambiciona
iniciar,
desenvolver e
consolidar uma
relação leal, ou
manter uma já
existente,
revelam respeito
e também
carinho, o que
facilita o
aprofundamento
de uma saudável
cumplicidade
que, balizada
naqueles e
noutros valores,
manter-se-á,
praticamente,
indestrutível.
É muito
importante
dar-se a
oportunidade
para que alguém
possa confiar em
nós, demonstrar
que somos
sóbrios,
rigorosos e
credíveis, o que
se consegue
através de uma
postura de total
entrega, de
compreensão e de
sigilo de tudo
quanto nos é
confiado. São
uma ética e uma
deontologia da
amizade.
Sabendo-se que é
cada vez mais
difícil
conquistar-se e
garantir uma
amizade sincera,
e que, depois de
a conseguir, as
manifestações de
reconhecimento,
de gratidão e
dádiva devem ser
permanentes,
isso implica, de
fato, estar-se
disponível para
prestar todo o
apoio, de
qualquer
natureza,
revelar por
pensamentos e
ações
preocupações
pelo bem-estar
da pessoa com
quem desejamos
uma relação de
convivência, a
todos os níveis.
Acredita-se que
é possível
construir uma
relação que
conduza a um
elevado nível de
colaboração, a
uma amizade de
tal forma
intensa que,
cada vez mais,
as pessoas,
assim
envolvidas,
revelem o seu
amor, também
através da
escuta atenta e
carinhosa,
porque
«Escutar é uma
forma de amar. É
um modo de
mostrar ao outro
que o que ele
diz tem valor,
que aquilo que
comunica não cai
no saco vazio,
que tem
interesse. (…)
Quem ama está,
em última
análise,
disposto a
escutar o seu
par, os seus
filhos, os seus
amigos e os seus
concidadãos. (…)
Amar é render-se
completamente ao
outro,
comprometer-se a
ajudá-lo, a
fazê-lo crescer,
e potenciá-lo em
todos os
sentidos. Amar é
cultivar o bem
do outro» (TORRALBA,
2010:143).
Quem não gosta
de ser escutado,
com respeito,
com atenção, com
bondade, com
paciência e
compreensão?
Quem não gosta
de confidenciar
seus problemas,
aspirações,
sentimentos,
alegrias,
tristezas, dor e
sofrimento a uma
pessoa em quem
possa confiar
plenamente, que
sabemos ser
nossa amiga
verdadeira? Quem
não gosta de
enviar/receber
uma palavra de
conforto, de
estímulo, de
gratidão, um
conselho
sincero, um
gesto de
carinho, uma
promessa de
ajuda efetiva,
um ombro amigo,
no qual se possa
descansar com
segurança?
Onde está a
pessoa que,
amavelmente,
esteja
disponível para
nos escutar e
orientar quando
estamos
desalentados,
quando somos
rejeitados,
discriminados,
humilhados nos
nossos mais
nobres e
límpidos
sentimentos para
com outra pessoa
que até a
tínhamos por
nossa amiga?
Pensa-se que o
diálogo aberto,
sem complexos
nem inibições,
sem reservas,
com aquelas
pessoas que ao
longo do tempo
se mostraram
credíveis e
confiáveis, será
o caminho a
seguir para que
exista um
relacionamento
interpessoal
sério e
frutuoso.
O melhor
diálogo, sem
dúvida alguma, é
a escuta ativa e
alternada
porque, em bom
rigor,
«Encontrar uma
pessoa que sabe
escutar as
outras é algo
maravilhoso. Sem
percebermos
exatamente a
razão, desejamos
estar com ela
todo o tempo
possível.
Agrada-nos poder
explicar
calmamente o que
temos no
coração,
previamente
seguros do
silêncio e da
confiança do
outro. É uma
felicidade
quando somos
escutados com
atenção, sem
azedume nem
vontade
fiscalizadora»
(Ibid.:11).
Quantos
problemas não se
resolvem,
quantos
conflitos
deflagram,
quantos
mal-entendidos
se criam e
quantas
represálias,
difamações,
ódios, vinganças
se desenvolvem
por não sabermos
escutar quem
deseja conversar
connosco,
desabafar uma
situação
incômoda,
confidenciar um
segredo, pedir
um conselho mais
íntimo, receber
uma palavra de
ânimo perante
uma situação de
infortúnio, de
doença, de
infelicidade?
Quantos alegados
diálogos se
iniciam e, logo
de seguida, se
interrompem ou
terminam,
precisamente,
porque toda a
gente quer falar
ao mesmo tempo,
colocar as suas
ideias em
prática,
considerando-as
melhores do que
as dos outros e,
ainda, porque,
frequentemente,
não existe a
humildade e o
bom senso de
escutar primeiro
os outros.
Há uma tendência
muito negativa
para ostentarmos
as nossas
pseudoverdades,
para exibirmos
os nossos dotes,
quantas vezes de
pura “vaidade
narcisista e
balofa” de, a
todo o custo,
impormos, até
com alguma
arrogância, os
nossos
“superiores e
atualizados”
conhecimentos e
não concedemos
espaço e tempo
para que os
nossos
semelhantes
tenham a
oportunidade de
divulgar os seus
pontos de vista.
Esta terrível
tentação de tudo
querermos dizer,
como se só nós
fôssemos
importantes, e
tivéssemos as
ideias e
realizações mais
brilhantes do
mundo, os
maiores e
inigualáveis
sucessos,
revela, afinal,
uma total falta
de respeito
pelos outros,
uma inaceitável
falta de
consideração e
de estima, no
limite,
manifesta não
ter qualquer
tipo de amizade
ou mesmo alguma
condescendência
pelo direito à
palavra que toda
a pessoa tem.
Por razões
diversas,
certamente
justificáveis e
verdadeiras,
acontece,
designadamente,
numa situação
que já se tornou
recorrente em
muita boa gente,
e que também
revela
inqualificável
desconsideração,
quando, por
exemplo, uma
pessoa está a
conversar com
outra e surge
uma terceira a
interromper,
cortando,
abruptamente,
raciocínios,
conclusões e
decisões, que
seriam possíveis
extrair de uma
conversa.
O que é correto,
até em termos de
boa educação, é
saber esperar
que lhe seja
dada a palavra
e, até que esse
momento chegue,
depois de pedir
licença para
permanecer e
ouvir a conversa
em curso,
assumir uma
postura de
escuta atenta e
ativa, no
sentido de,
quando se
proporcionar,
emitir o seu
parecer, dar a
sua sugestão,
enfim,
participar
responsavelmente
na discussão do
tema, porque
saber escutar é
o melhor diálogo
que se pode
desenvolver
entre pessoas
que se querem
muito bem, que
se respeitam e
que se amam,
aqui no contexto
de um bem
definido amor,
por exemplo, de
um “Amor de
Amigo”.
A escuta serena,
atenta,
participativa e
leal,
seguramente,
também conduz à
felicidade dos
conversadores.
Na verdade,
saber escutar
similarmente é
um gesto de
humildade, esta,
aqui e agora,
considerada como
«Uma atitude
essencialmente
voltada para os
outros e para o
seu bem-estar.
(…).
Paradoxalmente,
a humildade
favorece a força
de carácter: o
humilde toma as
suas decisões
consoante o que
acha ser justo e
assim se mantém,
sem se inquietar
com a sua imagem
ou opinião de
outrem»
(RICARD,
2005:169).
Saber escutar é,
portanto, um
exercício
difícil, talvez
uma das virtudes
mais complexas
de se
compreender e
aplicar na vida
prática, mas o
certo é que,
normalmente, um
bom
relacionamento,
entre duas ou
mais pessoas,
tem sempre
subjacente um
comportamento de
escuta humilde,
interessada,
carinhosa e
estimulante para
quem tem a
necessidade de
ser escutado.
Consiste na
predisposição de
ajudar, porque
só escutando,
com
magnanimidade e
compreensão, é
que se pode
interiorizar e
entender o que
nos está sendo
relatado.
Escutar não
significa estar
indefinidamente
calado, durante
todo o tempo em
que alguém fala
para nós, pelo
contrário,
revela empenho
da nossa parte
para assimilar,
corretamente,
uma situação,
uma informação,
uma confidência,
e só depois
estaremos
capacitados para
emitir uma
opinião, dar um
conselho, ajudar
quem em nós
confiou.
Tudo isto é
amor, se
preferirmos, um
amor muito
singular, de
verdadeiros
amigos, porque a
amizade sincera
não tem
parentesco,
gera-se,
desenvolve-se e
consolida-se (ou
não) entre as
pessoas que,
quantas vezes,
nem sequer se
conheciam e que
a partir de
determinadas
situações passam
a ser amigas
inseparáveis, em
que se juram
fiéis amigas
para toda a
vida.
Aceita-se, sem
quaisquer
complexos, que
se confia muito
mais rápida e
duradouramente
numa pessoa que
revela por nós
consideração e
estima, que
aprecia e escuta
atentamente as
nossas
conversas, do
que uma outra
pessoa,
extremamente
prolixa que,
como se costuma
dizer, “fala
pelos
cotovelos”, fala
por ela e pelos
outros, porém,
quase sempre,
utilizando o
autoelogio, a
incessantemente
procurada
notoriedade,
protagonismo,
porque o seu
ego, a sua
vaidade não têm
limites.
Tais pessoas, de
fato, não sabem,
não querem e
tudo fazem para
não escutar os
outros, porque
os problemas
destes, para
elas, nada
significam, por
muito dramáticos
que sejam,
aliás,
provavelmente,
nem lhes convém
escutar, porque
assim pensam que
se esquivam a
dar a sua ajuda,
se lhes for
solicitada.
Decididamente,
estas pessoas,
que sempre
querem dominar
tudo e todas as
conversas, muito
dificilmente
virão a ser
amigas
verdadeiras de
quem quer que
seja, manifestar
sentimentos de
amor para com o
próximo,
possivelmente,
não os terão,
porque saber
escutar é amar
verdadeiramente
a pessoa que
escutamos.
Hoje, a
preocupação é
“parecer”, se
possível,
“parecer
importante”,
insubstituível,
inimitável.
Vive-se muito em
função de
aparências e,
para darmos
suporte a este
tipo de
“estratégias”
e/ou
mentalidades,
monopolizamos as
pessoas, seja
por algum poder
ou ascendente
que temos sobre
elas, seja pela
palavra,
utilizando,
quase sempre, o
pronome pessoal
“eu”, mesmo
quando se faz
parte de uma
equipa.
Hoje, as pessoas
não são
ignorantes e
apercebem-se
muito bem de
certas
situações, no
decorrer de uma
simples
conversa;
fica-se com uma
ideia de quem
está a conversar
conosco, porque
se a pessoa nos
escuta mais do
que fala, mas
com
oportunidade,
respeito, bom
senso e
sobriedade,
acompanha a
conversa e, sem
ênfases
fingidas, emite
as suas
opiniões, então
é provável que
estejamos
perante uma
pessoa que sabe
conversar e, se
assim acontece,
essa pessoa
manifesta por
nós os valores
da consideração,
da estima e da
interiorização
dos assuntos que
se vão
abordando.
E se a escuta
atenta, ativa,
interveniente
parte de um
nosso verdadeiro
amigo, então
poder-se-á
afirmar que esse
amigo gosta
mesmo de nós,
que ele nos quer
muito bem, que
aprecia a nossa
companhia, que
nele podemos
confiar,
obviamente,
depois dos
sinais que ele
nos vai dando
sobre a sua
integridade.
Bibliografia:
RICARD, Matthieu,
(2005). Em
Defesa da
Felicidade. Trad.
Ana Moura.
Cascais: Editora
Pergaminho, Ldª.
TORRALBA,
Francesc,
(2010). A Arte
de Saber
Escutar. Trad.
António Manuel
Venda. Lisboa:
Guerra e Paz,
Editores S.A.
Blog Pessoal:
http://diamantinobartolo.blogspot.com