Brevíssimo
apontamento
a partir do
prefácio de
O céu e o
Inferno,
de Allan
Kardec(1)
(...) O Evangelho
segundo o Espiritismo representou um avanço;
o Céu e o Inferno é
um avanço ainda maior
cujo alcance será
facilmente compreendido,
posto que toca o
essencial de certas
questões, contudo,
não deveria ter
aparecido
prematuramente.
– Allan
Kardec
Allan Kardec, pouco a
pouco, vai se revelando
ao leitor como o
pensador maduro,
comprometido com a
filosofia que pretende
desenvolver a partir das
revelações trazidas
pelos Espíritos em sua
pesquisa sobre o mundo
invisível.
O observador atento, que
se constituiu nesse
educador da era nova,
pesa com sobriedade as
palavras, administra
racionalmente o
movimento de ideias ao
qual é guindado como
chefe, por pioneirismo
científico e acolhimento
coletivo. Ele vai
apresentando
progressivamente o
desdobramento da
Doutrina dos Espíritos
em um formidável
trabalho interexistencial, sob a
orientação do Espírito
de Verdade, o Mestre de
todos nós, como um dia
se referiu o Espírito
Erasto.
Na epígrafe em tela,
Allan Kardec destaca o
avanço nas ideias
espíritas, corporificado
na obra O céu e o
Inferno, como
até maior do que o
ocorrido com a
publicação de O
evangelho segundo o
Espiritismo. Mas o
que o levaria a fazer
tal afirmativa?
Observemos, caro leitor,
a epígrafe cujo texto
retiramos do prefácio
escrito pelo fundador da
Ciência Espírita, ali o
mestre se reporta ao
alcance da obra e às
questões que o seu
conteúdo atingiria.
Esta obra fundamental do
Espiritismo aborda o
intrigante tema da vida
futura ou do porvir do
ser humano que sempre
inquietou a humanidade e
encontrou eco nas
reflexões propostas por
diversos pensadores que
figuraram na História da
Filosofia. Muitas foram
as ideias e sistemas
erigidos, mas nenhum
deles trouxe, antes de
Allan Kardec, a sansão
dos fatos observáveis a
partir do diálogo
investigativo com
aqueles que já
ultrapassaram a
“fronteira” que separa o
mundo corpóreo do mundo
espírita ou dos
Espíritos.
O livro toca nos temas
que vigoravam entre os
dogmas teológicos e, o
seu alcance, poderia ser
antevisto na
possibilidade, deduzo,
de trazer racionalidade
à fé, tendo em vista
que, não sendo o
Espiritismo uma religião
constituída, não tinha
por propósito converter
ninguém à sua
perspectiva e nem
fazê-lo abandonar a
própria fé, aliás, dizia
o mestre no diálogo com
o padre:
“(...) o Espiritismo vem
derramar luz sobre
grande número de
questões, até hoje
insolúveis ou mal
compreendidas. Seu
verdadeiro caráter é,
pois, o de uma ciência e
não de uma religião; e a
prova disso é que ele
conta entre os seus
aderentes homens de
todas as crenças, que
por esse fato não
renunciaram às suas
convicções: católicos
fervorosos que não
deixam de praticar todos
os deveres do seu culto,
quando a Igreja os não
repele; protestantes de
todas as seitas,
israelitas, muçulmanos e
mesmo budistas e
bramanistas”.
Kardec estava convencido
de que o Espiritismo não
era uma religião, aliás,
na mesma obra destaca
que quem teve a
iniciativa errônea de
colocá-lo nesse patamar
foi a Igreja dominante à
época. Pelo contrário, o
Espiritismo, na esteira
do pensamento
iluminista, vinha
esclarecer questões
obscuras no campo da fé
humana, mas não com
teorias preconcebidas ou
dogmas religiosos, mas
com a sanção dos fatos
espíritas, observados e
levados à verificação
experimental, bem como,
considerados no
desdobramento filosófico
de suas consequências
morais.
Em consonância com o
princípio de liberdade
de consciência,
preconizado pela
Doutrina dos Espíritos,
Allan Kardec faz ver que
os espíritas poderiam
cultivar a sua fé
religiosa no campo da
esfera pessoal e adotar
por convicção a nova
filosofia. Logo, era
normal ter o seu culto
particular e ser adepto
do Espiritismo, algo
difícil de ser
compreendido numa visão
que ignorasse o
verdadeiro caráter da
Doutrina e a sua
intencionalidade
filosófica, no sentido
de postar-se como
aliança possível entre a
ciência e a religião,
contribuir com a unidade
de crenças e, por
consequência, fomentar a
tolerância religiosa.
Além disso, ao invés de
disputar adeptos, no
arrojado projeto do
Espiritismo estaria o
desejo de combater a
incredulidade, fosse
pela lógica
irretorquível de sua
filosofia, fosse pela
apresentação de uma
quantidade de fatos
observáveis, sobejamente
registrados por Kardec e
publicados,
especialmente, na
Revue.
O Céu e o Inferno
está disposto em
duas partes que
compreendem o estudo da
Doutrina e a descrição
da condição moral de
diversos Espíritos,
constituindo-se em “guia
do viajante antes de
entrar em um novo país”,
conforme observa Kardec
(idem). Esse livro
extraordinário apresenta
um profundo estudo
filosófico das
alternativas
apresentadas para a
humanidade no tocante à
vida futura,
disponibiliza, mais uma
vez, a tese espírita da
imortalidade da alma
objetificando o seu
estado de felicidade ou
infelicidade no mundo
dos Espíritos, com base
nos relatos dados pelos
próprios mortos, outrora
“proibidos” por Moisés e
as igrejas de atenderem
o convite à manifestação
neste mundo, junto aos
seus ou a qualquer outro
interessado na sorte dos
que partiram desta
materialidade.
A doutrina e os exemplos
apresentados na obra
derrubam os dogmas das
penas eternas,
dissonantes da
compreensão de Deus
lecionada por Jesus de
Nazaré e incapaz de
convencer uma criança em
tempos de primado da
razão, como se esperava
no século XIX.