Livre-arbítrio e
bem-estar social
- a teoria do
paradoxo
Há séculos o
tema da
liberdade humana
é estudado pela
filosofia. Mais
recentemente,
tornou-se também
campo de
discussão da
ciência. Nesse
terreno são a
psicologia e a
genética as
disciplinas que
mais parecem ter
feito avanços.
Independente
disso, parece-me
sempre ter
havido uma
grande polêmica
entre aquilo que
escolhemos e
aquilo que, como
dizia Sartre,
somos
“condenados” ou
não a fazer. O
presente texto
sustenta a ideia
de que o advento
do assim chamado
“estado de
bem-estar
social” parece
às vezes
deslocar essa
balança.
O termo
“sistema” é cada
vez mais
utilizado para
nos afastar das
possibilidades
de escolha. Tudo
está definido,
tudo está
programado.
Tornou-se cada
vez mais difícil
escutar uma
antiga expressão
que diz “foi
minha culpa”.
Soa muito mais
contemporâneo
dizer que isso
faz
geneticamente
parte do “meu
perfil”
emocional, ou
que não tive
escolha “frente
às alternativas
do mundo
globalizado”. A
palavra
responsabilidade,
ironicamente,
passou a ser
cada vez mais
acompanhada do
adjetivo
“social”.
Pergunto: qual a
relação que
existe entre
essa sensação de
“diluição de
responsabilidades”
com as chamadas
conquistas
sociais? De
certa forma
parece que,
quanto mais
garantidos são
certos direitos,
mais claro está
para nós que
alguém, que não
nós mesmos, há
de se oferecer
para
defendê-los.
Talvez o que
justifique essa
falta de
iniciativa seja
a fantasia de
que o verdadeiro
princípio de
liberdade seja
algo capaz de
ser entendido
numa experiência
coletiva, que o
Estado “já está
pronto” e que já
nascemos livres
– ideia muito
bem descrita em
aproximadamente
1923, por
ocasião da
publicação de
A Rebelião das
Massas, por
Ortega y Gasset.
Recentemente a
Suécia
apresentou ao
mundo o
resultado
explosivo de uma
combinação de
multiculturalismo
e apologia do
bem-estar
social.
Mergulhada num
caos em que cada
minoria
acreditava que
aquele Estado
havia sido feito
para ela,
Estocolmo
mostrou aos
telespectadores
perplexos cenas
de violência
incompatíveis
com a imagem de
um país de
primeiro mundo.
Não há dúvida de
que a ilusão de
liberdade como
um bem a ser
oferecido pelo
Estado, e não
uma conquista
individual, foi
responsável por
essa situação.
Aceitando
pacificamente
que já nasceu
livre, o homem
típico das
democracias
ocidentais
substitui a
certeza da
escolha pela
certeza dos
“direitos”.
Garantidos
determinados
direitos, somos
automaticamente
livres – ideia
perigosa e que
atribui ao
Estado a
prerrogativa de
dizer ao cidadão
o que significa
exatamente a
palavra
liberdade.
O conceito de
liberdade nasce
da experiência
individual do
homem.
Contemplando um
mundo primitivo
rico em perigos
naturais,
enfrentando
sistemas
políticos
tirânicos e
realizando
escolhas que
originalmente
diziam respeito
apenas a si
mesmo, o homem
adquiriu a duras
penas a noção do
que significa
ser livre. Seu
sofrimento, uma
vez percebido,
tinha de ser
confrontado com
uma ordem
interna de
valores
primitivos,
incapazes de ser
compartilhados e
cuja existência
é anterior a
qualquer
experiência
racional.
Princípios de
causa e efeito
não são
suficientes para
explicar
sentimentos de
caridade e
bondade que
vieram mais
tarde dar origem
à ordem política
da primeira
sociedade
humana.
Pensando assim,
às vezes vejo
que o ato de
filosofar não é
propriamente uma
atividade
“civil”. Talvez
seja justamente
esse o seu
grande mérito
num mundo como o
nosso!
Não deixa de ser
triste perceber
que a chamada
“razão
democrática”
acabou
finalmente por
nos tornar
escravos de
determinados
“direitos” –
paradoxo máximo
criado numa
sociedade que
fez da apologia
do bem-estar
coletivo sua
nova religião e
onde poucas
pessoas ainda
sabem o
significado do
verdadeiro
livre-arbítrio.
O autor é médico
em Porto Alegre,
RS.